Uma conhecida telefonou-me numa manhã qualquer, relatando que tinha sido agredida fisicamente pelo marido. Esta notícia chocou-me profundamente, pois tratava-se de uma jovem de 21 anos que se casara recentemente. O relato dos desafios que ela enfrenta no casamento fez-me refletir sobre a forma como a sociedade trata as mulheres, desde o nascimento até à morte, com desconsideração.
Como referi anteriormente no meu texto “Desafiando estereótipos de género: em busca de uma sociedade inclusiva”, as famílias moçambicanas, tendem a incentivar as raparigas a procurar o sucesso apenas no âmbito conjugal, sem apresentar outras possibilidades que elas possam ter de igualmente serem relevantes em outras esferas.
A título de exemplo, conheço uma jovem em Maputo que se casou logo depois de concluir o ensino secundário e já trabalhava na época. No entanto, após o casamento, o marido exigiu que ela parasse de trabalhar para cuidar da casa, especialmente por estar grávida. Com medo de desagradar ao marido, ela deixou o emprego para se dedicar exclusivamente às tarefas domésticas e à criação dos filhos.
Com o tempo, ela percebeu que estava a abdicar da sua educação e conversou com o marido, que a questionou:
– Por que é que queres estudar, estudar para quê se eu não quero uma mulher que trabalha!
Essa situação reflete não apenas a mentalidade desse homem, mas também como a sociedade moçambicana e africana, em geral, incutiu a ideia de que as mulheres não precisam estudar nem trabalhar, pois o seu papel é cuidar da casa e da família.
Deveria ser natural que as raparigas procurassem educação e crescimento profissional, no entanto, muitas acabam por se casar cedo (antes dos 21 anos, por exemplo) por acreditar que o casamento é a realização máxima das suas vidas. A sociedade ensina-as a competir entre si, não pela excelência académica e pelo conhecimento, mas por quem se casa mais cedo, quem mantém o lar por mais tempo e ainda quem tem o corpo mais aceitável que a outra… Este enfoque precoce no casamento leva as raparigas a desperdiçar a juventude e oportunidades, resultando em gravidezes precoces e diminuição das chances de sucesso na vida, incluído a possibilidade de desenvolvimento de uma carreira profissional promissora.
Um outro exemplo, diz respeito a uma mulher que foi proibida pelo marido de frequentar a escola, e ela concordou, pois não queria desagradá-lo. Contudo, anos mais tarde, o mesmo marido começou a evidenciar o desrespeito por ela, alegadamente porque o envergonhava por ser analfabeta e ele não a podia apresentar aos amigos e colegas por tal facto, sendo-lhe ordenado que se mantivesse escondida em casa.
Situações similares as acima expostas, entristecem-me! pois mulheres submetidas as diferentes formas de abusos acabam tendo o seu futuro comprometido. Elas tornam-se não só incapazes de desenvolver habilidades técnicas e profissionais que as permitiriam competir em igualdade com os homens no mercado de trabalho, como também podem potenciar os meios de perpetuação da dominação masculina na sociedade.
Por que é que as mulheres têm de suportar esse fardo?
Ainda sobre a violência doméstica, lembro-me de uma situação que presenciei num salão de beleza, onde a proprietária, enquanto me atendia, foi brutalmente agredida fisica e verbalmente pelo marido, que claramente estava ébrio. Mesmo perante a violência, ela manteve a calma e pediu que conversassem em casa, visto que estava a trabalhar. Sem hesitar, procurei ajuda, visto que sozinha não seria capaz de conter a força brutal daquele homem. A violência do episódio permanece indelevelmente gravada na minha memória, pois nunca tinha presenciado uma situação de violência doméstica tão de perto.
Estes acontecimentos levam-me a refletir sobre como as mulheres lidam com situações de abusos em silêncio, muitas vezes ignorando os sinais para preservar os seus lares. Ninguém merece passar por isso! E não podemos permitir que tais comportamentos se perpetuem impunemente. É responsabilidade da sociedade encorajar as mulheres a denunciar os agressores sem medo de retaliação, em vez de associar a denúncia à separação ou a quaisquer outros tipos de julgamentos sociais que levam as mulheres a temer mais a solidão do que a morte nas garras da violência doméstica. É imprescindível que as mulheres valorizem-se, empoderem-se e busquem ajuda, rompendo com os padrões sociais que as oprimem. Sem isso, a luta pela valorização e reconhecimento do papel da mulher na sociedade poderá desembocar em fracasso.
Concluo com um grito de alerta urgente para um despertar coletivo: é imperativo rompermos com padrões ultrapassados e nocivos que subjulgam e oprimem as mulheres! Chegou o momento de uma revolução silenciosa, mas poderosa, onde o amor-próprio, a autovalorização e a autonomia das mulheres ergam-se como pilares inabaláveis.
Dirijo-me, com fervor, às jovens e mulheres: que a chama da educação seja a luz que guia os vossos passos, que a busca pela independência financeira e emocional seja o alicerce das vossas escolhas e que relacionamentos saudáveis, baseados no respeito mútuo, floresçam como jardins de igualdade e dignidade.
Transformemos a lamentação em ação, a revolta em determinação e o silêncio em voz. Juntas, erguemos uma nova narrativa, onde os casamentos são belos não pela simples união de corpos, mas pela fusão de mentes, corações e almas que se fortalecem mutuamente.
Que este apelo ecoe não apenas nas palavras, mas nas ações diárias, moldando um futuro onde as mulheres não apenas sobrevivam, mas floresçam em plenitude, como seres dignos de respeito e amor incondicional.
A mudança começa em cada uma de nós e propaga-se como ondas de liberdade e justiça num mar de transformação.