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Possivéis analogias à “cadeira de leite e mel” em Languana

A galeria da Fundação Fernando Leite Couto acolheu, no passado dia 3 de Julho, uma exposição individual, do artista plástico Aldino Dinis Languana, intitulada “Jardins de sonho”.
Dentre os quadros patentes na exposição, encontra-se “a cadeira de leite e mel”, obra aprimorada com recurso à técnica de pintura com aguarela sobre tela. A obra possui as dimensões 54x65cm, e foi criada em 2024.

O título “a cadeira de leite e mel” oferece-nos a ideia de um espaço confortável, um pedaço de lar, de aconchego, onde podemos sentar e sossegar. O quadro apresenta um homem sentado sobre um banco no meio de alguma rua, no alvorecer ou ensurdecer do dia, tendo uma possível zaragata, com três homens que se encontram em pé, sob o olhar impávido de um cachoro cinzento, provavelmente vadio como os homens, e um mamífero no canto inferior direito não tanto distinguível.

As linhas do desenho são finas e curvadas, criando uma sensação de suavidade e leveza, mas também são semi irregulares e acrescentam a percepção de estarmos perante um esboço de um desenho que ainda vem a seguir.

O ponto central da imagem assalta a atenção do observador, devido à ilusão de movimento, causada também pela sobreposição das figuras humanas, onde observamos os três homens praticamente tocando no peito ou ombro da figura sentada no banco, provavelmente desenfreando um assunto quotidiano.

As formas das figuras são humanas e animalescas mais próximas da realidade, permitindo maior envolvimento e interpretação do observador em relação à obra.

As cores modelam-se na passarela da tela, complementando-se e harmonizando entre si, com a variação entre o azul, amarelo, cinzento e tons diversos do laranja, que em cada canto da tela encontram o seu brilho. O castanho, ainda que camuflado, confraterniza em menos espaço com outras cores que, em uníssono, cintilam na tela.

Languana faz da sua tela um ambiente natural, provavelmente um jardim, ou uma rua sem movimento, onde as figuras interagem em busca da sua cadeira de leite e mel.

Mas por que três homens procurariam uma cadeira já ocupada num lugar público? Porque provavelmente não têm um lar. A presença de um cão próximo ao banco e aos homens indica, claramente, que se trata de uma praça pública ou de um lugar frequentado por pessoas sem lar.

A obra pode estar a convidar-nos para reflectir em torno das pessoas desfavorecidas que vivem na rua, sem lar e assistência. Em Moçambique, temos um extenso número de pessoas, inclusive de crianças que vivem na rua, sem esperança de ter um lar, um aconchego onde possam ter uma vida digna. Quanto de acção social ou solidariedade temos doado a este grupo social? Esta pode ser uma pergunta do autor.

Outro debate pertinente que o autor pode estar a omitir por trás das pinceladas é a disfunção familiar actual. Os homens não nascem em jardins, nem em praças públicas, eles vão lá parar por várias circunstâncias, conflitos, muitos deles envolvendo suas famílias vulneráveis financeiramente, onde não se pratica o amor, respeito e tolerância, resultam em disfuncionalidade e fragmentação.

Mas também pode-se concluir, com este retrato, que Languana quer debater sobre a economia do País, que está em queda, gerando a pobreza e miséria, e, por sua vez, a pobreza, gerando moradores de rua e mendigos que não têm rentabilidade para se susterem a si próprios.

Languana, ao colorir a obra “cadeira de leite e mel”, colore também o seu talento e a sua opinião sobre flagelos sociais no país, convidando o espectador a fazer parte do seu debate.

Nota: “a cadeira de leite e mel” é uma obra de Languana, que integrta a individual “Jardins de sonho”, na galeria da Fundação Leite Couto. A exposição com curadoria pode ser visitada até 3 de Agosto.

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