A pele branca de Lucky Luke estava corada. Cozida. Parecia um mutlhutlhu, uma “água e sal” de sol e suor. A cor clara e os fiapos lisos do cabelo, não desmentiam: era estrangeiro àquele bairro em que o sol, severo, escurecia as peles para tons da ferrugem das chapas de zinco com que as casas são contruídas.
Luke atracou ali, na casa de Dube, como as naus da história, que vieram à procura de especiarias para trocas comercias. Queria comprar a especiaria “da boa” que Dube vendia: tabaco do arbustro que “basta crescer um pouco e roçar o tornozelo, já se pode colher as folhas” para deixar secar e enrolar numa mortalha.
Uma mulher atravessou o quintal. Desviou a atenção de Lucky Luke. Era Guidinha. Irmã de Lucky Dube. Passou por eles como um cometa de cauda leve, ao ritmo esvoaçante da capulana. O corpo vergava ao peso da bacia de roupa lavada. Parou. O quadril alargou-se quando inclinou para pousar a bacia. Levantou-se com uma peça de roupa na mão. A roupa gotejava. Estirou os braços com delicadeza feminina para alcancar o fio do estendal. As gotas molhavam-lhe a capulana. Misturavam-se-lhe ao suor. Voltou a dobrar-se para apanhar outra peça de roupa. O quadril alargou-se…
Luke elogiou os recursos naturais da Guidinha. Dube, visionário, convidou-o a entrar. Poderiam assim conferenciar a volta do assunto e desenvolver parcerias.
Por baixo duma mafurreira estéril sentaram-se sobre tijolos. Colocou um pequeno embrulho na coxa. Abriu e preparou as ervas e acendeu o cigarro. Fumaram.
A roupa no estendal pingava. Molhava a capulana, na fachada frontal da Guidinha. O sol incidia nas gotas com o mesmo resplendor que no suor dela. Inclinou para a bacia, para apanhar a última peça de roupa. O quadril alargou. Luke voltou a elogiar-lhe recursos naturais.
Ao primeiro trago do cigarro começaram a conferenciar. Estreitaram os laços, consolidaram a parceria de tal forma que Lucky Luke passou a desembolsar fundos e financiar os projectos de Dube. Em troca o rasta concessionou a Luke o direito de uso e aproveitamento pleno da irmã.
Dube prosperou e buscou mais parceiros. A uns concessionava, para exploração, as riquezas do sul, outros as do centro, outros as do Norte da Guidinha.
…
Um dia Lucky Luke surpreendeu Guidinha, no quintal, a estender roupa. Estava com um fulano de pele amarela e olhos puxados. Um muchina. Quando ela inclinasse e o quadril alargasse, ele acocorava-se. Ela apanhava a roupa e ele as molas. Ela estendia e ele prendia. Depois olhavam um para o outro, entre as peças de roupa molhada e sorriam. Luke não gostou. Chamou a Guidinha para uma auditoria e instaurou Inquérito: às perguntas de Luke, Guidinha encolhia o ombro, negava, depois atirava um olhar furtivo para o muchina e continuava a estender a roupa, com gestos nervosos.
Zangado, Luke cancelou a ajuda financeira. Dube prevendo uma crise, acendeu um cigarro daqueles. Luke rejeitou qualquer cachimbo de paz.
Entre as frestas da roupa estendida a irmã via os dois. Primeiro em gestos diplomáticos. Depois intensos.
Percebia-se que os argumentos esquentavam. Um levantou o dedo, apontou. Outro também. Calaram, com os peitos um contra o outro, desafiadoramente. Empurrões. Palavrões. De repente uma pistola, da algibeira cowboy de Lucky Luke.
Guidinha fechou os olhos, abraçou o chinês. Ouviu um estrondo. Imaginou as árvores a estremecerem. Os pássaros a debandarem.
O tiro sacudiu o homem. As dreads pareciam folhagem duma palmeira enlouquecido. Dube cambaleou, três passos para trás, como se pisasse a percussão duma bateria reggae. Levou a mão ao ferimento. Olhou para a mão, confirmou o sangue. Olhou para o branco. Disse "why?" sem falar. A voz vertia pela ferida. Voltou a segurar a ferida para que não lhe vertesse a vida. Lentamente cedeu à gravidade. Caiu.
Guidinha abriu os olhos. Viu o irmão prostrado. O sangue no areal a misturar-se às gotas da roupa do estendal. As pernas fraquejaram. Cedeu. Caiu de joelhos. O choro era um grito soluçado que o vento alongou:
— why?!