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Por que é que Chagonga, Mhole e Gwambe não são heróis?

Os fundadores das organizações que deram origem à FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique, refiro-me ao Matias Mhole, Baptista Chagonga e delino Gwambe, merecem um lugar na história libertária de Moçambique, ao ousarem criar organizações para fazer frente ao colonialismo português.

Na época que o fizeram, mostram que não são cidadãos comuns, são homens que, cada um à sua maneira, queriam um Moçambique livre da colonização portuguesa.

A história de Moçambique não se pode cingir a tratar esses homens ousados como “desertores, traidores ou conspiradores”.

Temos de olhar para essa época fora da visão exclusivista da Frente de Libertação de Moçambique.

Aliás, até os combatentes da Renamo que desencadearam uma guerrilha de destruição maciça e sem precedentes, com milhões de mortos, são tratados como guerrilheiros de luta pela democracia. Por isso, julgo que é chegada a hora de rever a nossa história libertária.

Aqui e agora, não pretendo discutir se os guerrilheiros da Renamo merecem ou não esse tratamento, no entanto temos que ter a honestidade para assumir que seja feita a justiça aos homens e mulheres que no contexto da revolução foram tratados como “traidores”.

A história deve absolvê-los de forma digna e reconhecer o seu mérito.

Celebra-se, a 03 de Fevereiro de 2019, mais um aniversário dos Heróis Moçambicanos.

Trata-se de uma data congregadora, pois foi o dia em que Eduardo Chivambo Mondlane, presidente da Frente de Libertação de Moçambique, ao abrir uma encomenda que continha uma bomba, encontrou a morte, nos escritórios da Betty King, sua ex-secretária.

A história oficial atribui à PIDE (Polícia Secreta Portuguesa) a autoria da bomba, mas não existe uma confirmação oficial.

O que é importante saber como é que esta encomenda chegou ao presidente da FRELIMO e, sobretudo, porquê foi ele a abrir?

A encomenda bomba que vitimou o primeiro presidente da FRELIMO acontece seis meses depois do II Congresso que reelegeu Mondlane como presidente e Urias Simango como vice-presidente.

E foi numa altura em que se agudizavam as contradições internas da Frente de Libertação de Moçambique. Por exemplo, fala-se de Lázaro Kavandane, que era secretário provincial da FRELIMO, ter tentado forçar que o congresso da FRELIMO se realizasse em Tanzânia. Esta atitude pretendia impedir a prestação de contas, numa altura em que os lucros do trabalho de comercialização beneficiava a si e seus colaboradores.

Lázaro Kavandane abandonou a FRELIMO em 1961, depois da morte de Mondlane. Mas outros eventos importantes tiveram lugar em Março de 1968, designadamente um motim de estudantes seguido de abandono da maioria.

Depois das investigações, viria a atribuir-se a responsabilidade pela agitação ao padre católico Mateus Gwengere.

Em Maio de 1968, um grupo invadiu os escritórios da FRELIMO e assassinou Mateus Sansão Muthemba, como forma de exigir a libertação imediata de Cabo Delgado, o que nos leva a presumir que se trata do grupo de etnia Makonde.

Foi nesta sucessão dos acontecimentos que Eduardo Mondlane é assassinado. Mas estas clivagens internas não eram novas no seio da Frelimo. Na verdade, a união dos três movimentos parece que não foi pacífico.

Adelino Gwambe, um dos co-fundadores da FRELIMO, foi expulso do movimento, alegadamente por assumir “comportamentos pouco convenientes”. Seguidamente, criou o UDENAMO – MONOMOTAPA, mas as crispações internas levariam à criação do FUNIPAMO – Frente Unida Anti-Imperialista Africana de Moçambique.

Reza a história que o líder da UDENAMO organizou, em Novembro de 1964, em Lusaka, na Zâmbia, uma conferência que tinha por objectivo reagrupar os movimentos desavindo.

A direcção da FRELIMO não aderiu, mas o líder da UDENAMO voltou a tentar a reaproximação, em Maio de 1965, tendo tido, mais uma vez, a resposta negativa da FRELIMO.

Este facto viria a propiciar a emergência de uma organização nova, constituída pela nova UDENAMO, MANC (Mozambique African National Congress) e da nova MANU, que se juntam ao COREMO, tendo como sede Lusaka, na Zâmbia.

Mais uma vez, a união destes três movimentos ao COREMO volta a estar em causa. A eleição de Paulo Gumene para presidente e Amós Sumane para vice-presidente, na conferência de 1966, não conseguiu criar a serenidade necessária para se desenvolver o trabalho político-militar de forma tranquila.

Aliás, em 1968 verificaram-se deserções em massa, e alguns desertores foram aliar-se à FRELIMO. Em 1971, a união dos três mais a COREMO encontrava-se esvaziada política e militarmente.

Os factos que se sucederam à fundação da Frente de Libertação de Moçambique, a 25 de Junho de 1962, culminando com a morte do Dr. Eduardo Mondlane, deveriam levar o Estado a repensar sobre os seus Heróis Nacionais.

O facto de Matias Mhole ter fundado o MANU (União Maconde de Moçambique) em 1954, e de se ter reforçado em 1959 através da união das associações mutualistas; Baltazar Chagonga ter fundado em 1961 a UNAMI no Malawi; e Adelino Gwambe ter fundado a UDENAMO em Salisbúria, actual Harare, é suficiente para que estes políticos sejam chamados de Heróis Nacionais.

Adelino Buque

 

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