A escritora exortou o Governo a reflectir sobre a condição difícil enfrentada pelos artistas moçambicanos, que, geralmente, caminham sem apoio das instituições do Estado. Paulina Chiziane defendeu essa posição durante a sessão de homenagens realizada pela Casa d’Artista Kutenga, este sábado, na Cidade da Matola.
A Casa d’Artista Kutenga abriu as portas para receber aqueles que, ao longo de vários anos, têm feito tanto pelas artes e pela cultura moçambicanas. Por volta das 13 horas deste sábado, na zona do Tchumene, os artistas e as suas famílias começaram a chegar ao evento anual que distingue autores, em jeito de vénia pelo seu trabalho.
O primeiro a receber uma escultura simbólica, que traduz a consideração pelos artistas foi Wazimbo. Tudo surpresa. Afinal, quando Elvira Viegas, a coordenadora do programa Celebrando vidas, da Casa d’Artista Kutenga, ligou ao músico, Wazimbo ficou convencido de que lá iria cantar. No entanto, ao invés disso, subiu ao palco para ser laureado e ouvir os filhos renderem-se à figura que é. A mensagem dos seus meninos foi confiada a Sheila Benfica, que se referiu ao pai nestes termos: “Eu sempre disse que, se o nosso pai não fosse tão humilde como ele é, não estaria aqui. Estaria noutros voos, mas Deus sabe como faz as coisas. Está aqui um grande homem, o nosso melhor amigo”.
As palavras de Sheila foram ditas em lágrimas. Nesse instante, o músico também emaciou-se, mas ali teve a esposa para o consolar num abraço.
Depois de Wazimbo, o programa do Celebrando vidas homenageou Alvim Cossa, que não pôde estar no evento por ter perdido um irmão. Ainda assim, o jornalista Belmiro Adamugy recebeu a escultura pelo amigo e ainda se referiu ao grande contributo de Cossa na criação, capacitação e formação de vários grupos de actores espalhados pelo país.
Em terceiro lugar, o homenageado do dia foi David Abílio, que também esteve com a família na cerimónia. No palco, a filha mais velha do coreografo, Cleide Mondlane, resumiu: “Para nós, David Abílio Mondlane (porque muitos se esquecem que ele e Mondlane), é grande, é gigante mesmo. É gigante amor, paciência, doçura e compaixão”.
Reagindo ao gesto da Casa d’Artista Kutenga, David Abílio afirmou: “É uma satisfação. Primeiro, por ser uma iniciativa popular. Posso considerar que se trata de uma expressão da sociedade sobre aquilo que sente pelos artistas. Eu tenho a louvar e a encorajar para que iniciativas deste género se repitam ao longo do nosso país em prol do reconhecimento dos nossos artistas, das nossas referências culturais enquanto vivos”.
Por fim, esteve no palco do Celebrando vidas a família Chiziane: os irmãos, filhos e netos da escritora. A irmã mais velha, Laura Chiziane, contou que Paulina foi sempre uma menina diferente das outras do seu tempo. “A Paulina, nas actividades consideradas normais para as meninas, que eram varrer, cozinhar, cartar água e tudo o que as meninas faziam nessa altura, a minha irmã ignorava. A Paulina ignorava porque ela era preguiçosa e na cozinha péssima”.
Paulina Chiziane ouvi tudo isso, e não discordou. Pelo contrário, recebeu a escultura das mãos do Presidente do Município da Matola, Calisto Cossa, bem ao lado do Governador da Província de Maputo, Júlio Parruque, e, mais tarde, deixou um recado para os governantes moçambicanos: “Espero que este evento, na presença dos altos dignatários do Estado, sirva para que se lembrem da condição do artista. Nós trabalhamos sozinhos, chegamos onde chegamos sozinhos. Hoje, pelo menos estão aqui para olharem para a beleza daquilo que fazemos. O meu apelo é que este Governo e estes governantes que estiveram aqui presentes pensem nos artistas, na condição difícil em que nós vivemos”.
Nesta sexta edição, o Celebrando vidas teve vários convidados, entre eles Sizaquel e Gémeos Parruque, que cortaram o bolo relativo ao seu 51º aniversário na Casa d’Artista Kutenga.