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Paulina Chiziane critica currículos “estrangeiros” nas universidades moçambicanas

A escritora moçambicana, Paulina Chiziane, deixou a caneta e o papel, ontem, para levantar a voz e criticar o que entende estar mal no país: “os intelectuais moçambicanos não estão a trabalhar”, demonstrava, assim, Chiziane, o seu desapontamento

Paulina Chiziane esteve entre os oradores de um debate promovido pela Frelimo, esta quinta-feira, alusivo aos 60 deste partido. A escritora foi chamada a falar das experiências e desafios da unidade nacional. Qual unidade?

“A religião tradicional foi criticada porque é uma religião antiga. E qual é o modelo que hoje temos? Cada esquina tem uma igreja. Quando há um funeral numa casa, a família dispersa-se, porque o pai vai para a igreja Católica, o outro (membro da família) vai para a igreja do vizinho… uma confusão total. A unidade familiar está fragilizada”, diz Chiziane, para quem “um dos maiores desafios é como manter a unidade da família”, reiterando que “a família é a célula base da sociedade”.

A escritora diz ainda que os currículos das academias não valorizam a realidade moçambicana.

“Não sei o que se passa nesta terra. Quase 100 por cento dos currículos de todas as universidades do país vêm do estrangeiro. E ainda falamos de unidade? Aqui, alguma coisa não está certa”, lamenta Chiziane.

Outra crítica lançada pela “Prémio Camões 2021” é em relação à valorização dos partidos políticos da oposição. Paulina Chiziane diz que da mesma forma que o fundador da Frelimo, Eduardo Mondlane, reuniu vários movimentos, no passado, para lutar por um objectivo comum, o partido deve estar em condições, hoje, de juntar os partidos políticos da oposição e olhar para os desafios actuais.

“Se [Eduardo] Mondlane uniu três grupos para fazer uma força, será que a Frelimo não se pode unir para fazer outra força? Estes partidos – a Renamo, o MDM e outros – são o património de Moçambique. São moçambicanos. Têm os seus pontos de vista, que, às vezes, acabam em conflitos, mas os partidos da oposição são o nosso património. Merecem espaço e merecem respeito”, alerta.

Já o académico Lourenço do Rosário, também orador no debate, diz que há esvaziamento de debates no partido que governa o país. Diz mesmo que “o último encontro em que eu vi realmente um debate claro de questões do partido (Frelimo) foi na reunião de quadros que se realizou em Nampula em 2012. A partir daí para frente, há uma espécie de esvaziamento de debate ideológico, de debate de pensamento, contradições internas”.

A Frelimo completa, este sábado, 25 de Junho, 60 anos da sua existência, daí o simpósio, ontem, alusivo ao aniversário. No arranque do evento, esteve presente o Presidente do partido, Filipe Nyusi.

Na curta intervenção, o dirigente disse que os 47 anos da Independência Nacional têm servido para a Frelimo dirigir Moçambique, com vista a criar melhores condições para o seu povo, porém há adversidades.

 

SOLIDARIEDADE ENTRE NAÇÕES PARTE DA INTERPESSOAL

O escritor Stefan Kassotche critica que se fale de solidariedade entre os países sem se ser solidário nas relações pessoais no dia-a-dia.

“Os nossos jovens de hoje são mais mercenários. Se tu não me dás isso, eu não faço aquilo. Quando há um acidente, ninguém se preocupa. Solidariedade sem humanismo. Como é que nós tratamos os nossos motoristas, os nossos empregados, os nossos desfavorecidos da família? Mulheres têm muita roupa em casa. Já pensaram em dar àquele que não tem?”, questiona o também diplomata, para depois afirmar que a existência da solidariedade internacional depende da educação para solidariedade dentro das famílias. Entretanto, diz que o espírito solidário não deve ser demasiado a ponto de prejudicar, dando o exemplo de existirem moçambicanos sem uma “barraca” sequer, quando o estrangeiro tem aqui, no país, restaurantes com preços que até impedem o moçambicano de aceder.

Já o combatente da Luta de Libertação Nacional, Tobias Daí, diz que a deterioração de valores morais é que leva à decadência da solidariedade. Destaca que os desafios como terrorismo vêm evidenciar a necessidade de solidariedade entre os países, porquanto se trata de um mal global.

Stefan Kassotche e Tobias Daí falavam também no simpósio alusivo aos 60 da Frelimo.

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