Já há cerca de dois anos que o sector privado nacional “chora de desgosto” devido a dificuldades que enfrenta para obter as principais moedas de transacção comercial a nível internacional, com destaque para o dólar. É um problema antigo, ainda sem uma solução.
Para melhor percepção das dificuldades dos “patrões”, vamos em partes. Em Abril de 2023, o Banco de Moçambique decidiu mudar as regras no sistema financeiro para melhor controlar a subida generalizada de preços, as flutuações cambiais no mercado, entre outros aspectos.
No âmbito das reformas, o banco central aprovou o Regulamento sobre o Apuramento e Constituição de Reservas Obrigatórias e revogou o anterior. De lá para cá, o coeficiente de reservas obrigatórias, que era de 11,50%, aumentou para 39,5%, para o desgosto dos “patrões”.
É que, com o agravamento das reservas obrigatórias, principalmente em moeda estrangeira, a cada depósito feito nos bancos comerciais nessas moedas, estes são obrigados a direccionar 39,5% ao Banco de Moçambique, ficando, assim, com o remanescente para as suas operações.
O banco central, que é o regulador do sistema financeiro nacional, toma esse tipo de medidas, normalmente para retirar o excesso de dinheiro nos bancos, que, caso não seja controlado, pode criar problemas na economia, como o aumento de preços e desequilíbrios cambiais.
Entretanto, para a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), maior organização empresarial do país, tal não passa de uma medida teórica, porque a banca, após descontar para o banco central, fica com pouco dinheiro para emprestar às empresas.
Nesta semana, em conferência de imprensa, os “patrões” detalharam o problema. Dizem que, se um empresário recebe uma receita de 100 milhões de dólares resultantes de exportação de produtos, o regulamento cambial o obriga a converter 30% do valor em Meticais e os restantes 70%, que são 70 milhões de dólares, ficam no banco, usados em forma de depósito.
“Este banco será obrigado a constituir reservas obrigatórias na base desse remanescente de 70 milhões de dólares, o que vai limitar o crédito que esse banco poderia conceder em moeda externa, como forma de fazer fluir a liquidez no mercado”, consideram os empresários.
No entender da confederação, “o Banco de Moçambique não deveria manter uma taxa de reservas obrigatórias tão elevada, em 39,5%, uma das mais elevadas do mundo, porque assim o coeficiente retira da banca parte significativa de empréstimos a serem concedidos.
“Os sectores mais afectados são a indústria transformadora, onde as moageiras acumularam necessidades de divisas não satisfeitas estimadas em 56 milhões de dólares até Junho, bebidas, transporte aéreo e turismo”, refere a Confederação das Associações Económicas.
Para a CTA, com a situação, a indústria transformadora registou um crescimento negligenciável de 2,9% devido aos constrangimentos de importações de matérias-primas, e, a continuar assim, poderá não contribuir bem para a meta de crescimento económico de 5,5% neste ano.
EXPLICAÇÃO ECONÓMICA
O economista Egas Daniel explica que, quando a taxa do coeficiente de reservas obrigatórias é alta, a capacidade dos bancos comerciais de emprestar dinheiro ao público reduz, porque o dinheiro que sobraria para emprestar a uma outra pessoa acaba por ser reduzido.
No entender de Egas Daniel, actualmente, os bancos comerciais estão com muito dinheiro “parado”, por isso, para si, o banco não tem alternativa senão retirar esse dinheiro para evitar riscos diversos, como o de dinheiro excessivo nos bancos comerciais.
“Quando uma economia não está a todo o vapor, o banco não consegue injectar dinheiro e fica lá parado. O Estado é um dos maiores clientes dos bancos e faz injecções fortes de dinheiro no sistema financeiro e isso cria muita liquidez que não está a ser transmitido para o público.”
Caso os bancos comerciais permanecessem com muito dinheiro guardado, o economista explica que estes não responderam às medidas anunciadas pelo Banco de Moçambique, ou seja, se o banco central reduzisse a taxa de juro de política monetária, estes ignoraram.
“É porque essa liquidez pode ser injectada na economia de forma excessiva e acabar por prejudicar a própria estabilidade da inflação”, defende o economista.
De acordo com Egas Daniel, o aumento das reservas obrigatórias é a forma mais eficaz, mais barata e mais directa de controlar a estabilidade da inflação, da taxa de juro e do câmbio. Porém, há outras formas que o banco central poderia usar para controlar essas variáveis.
“Infelizmente, tem acontecido o contrário: o Governo tem estado a endividar-se muito e a injectar dinheiro no sistema. Todavia, se o Banco de Moçambique combinasse com o Governo para este reduzir o nível de endividamento, o problema ficaria minimamente resolvido”, disse Egas.
Egas Daniel explica ainda que o custo restritivo da política monetária é quase directamente proporcional ao dinheiro que é injectado pelo Governo na economia por via do endividamento público doméstico que foi precipitado pela Tabela Salarial Única (TSU).
BANCO DE MOÇAMBIQUE APONTA SAÍDAS
Diante da preocupação que tem vindo a ser apresentada pela CTA, o governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, sugere que os bancos comerciais não se acomodem e busquem “soluções locais nas instituições com excedente ou internacionalmente”.
“Os bancos que têm problemas, uma parte é tentar ver as instituições que têm excedente de divisas, mas podem fazer mais e podem buscar linhas de crédito internacionais”, disse Rogério Zandamela, o líder máximo da instituição que regula o sistema financeiro.
Zandamela reiterou que “se têm clientes, têm negócios que querem promover e a disponibilidade de divisas quem têm não é suficiente, nada os impede de ir buscar linhas de crédito internacionais, e os bancos do mundo fazem isso. Ou buscam localmente ou buscam lá”.
Segundo Zandamela, as reservas internacionais “mantêm-se em níveis confortáveis, a crescer, e situam-se a níveis suficientes para cobrir mais de cinco meses de importações”.
O regulamento do Banco de Moçambique determina que os bancos comerciais estão sujeitos a um regime flexível para a constituição de reservas obrigatórias. Este regime considera um valor médio de reservas para um determinado período e tem em vista evitar uma grande volatilidade das taxas de juro no mercado monetário interbancário.