O passado é sempre uma ilusão, um devaneio da nossa imaginação
Carlos do Santos
Voar com asas quebradas é péssimo para qualquer pássaro que quer esbanjar-se na beleza de ser ave. É difícil e isso resulta num conjunto de problemas que fazem do voo um acto de sobrevivência. E sobreviver é tudo que Celinha, a protagonista da nova obra de Aldino Muianga, aprende desde os primeiros anos de vida, quando Macisse, sua mãe, a abandona na casa de um casal que não podia ter filhos. Bem visto, Asas quebradas é um romance feito de lutas interiores, motivadas pela impossibilidade de se fintar as adversidades enfrentadas no universo narrativo. Neste contexto, duas gerações de personagens femininas assumem o protagonismo da ficção, como figuras activas e passivas da acção que alimenta o enredo.
No seu novo romance, Aldino Muianga aposta na ficcionalidade de uma realidade dramática, essa com tios que violam sobrinhas dias antes de se casarem com o homem amado. Macisse, logo no início da estória, funciona como reflexo de quem ao ser humilhada por um parente é igualmente condenada a enfrentar um futuro incerto, com consequências funestas na vida da filha, quem, na impossibilidade de ser feliz vivendo uma mentira, decide romper as malhas que protegem o passado, porque de outro modo é impossível ter um presente tranquilo.
Na verdade, ao escrever a estória de Celinha, Aldino deixa-se levar pela necessidade de mostrar como os erros do passado, quando mal resolvidos, constituem problemas em maturação, categóricos em mandar para os ares tudo o que se leva anos a conquistar: a honra, a paz, o amor e a família. Para o efeito, este romance cruel na subalternização das personagens femininas, condenadas a sofrer como quem não merece outra sorte, instaura uma série de acontecimentos sucessivos, construídos para desestabilizar… Do mesmo modo, Asas quebradas é o grito que dá som à lagrima da mulher, sujeita a ver seu império de sonhos desmoronar-se, porque o homem que a devia proteger, a devora, e os antepassados que a deveriam proteger, deixam-na abandonada à sua sorte. Assim, a protagonista do romance vê-se a perder o sorriso permanentemente e a procurar pelas suas origens. Mais do que por uma questão identitária, as investidas de Celinha traduzem o desejo de se reencontrar com a paz de espírito que perdeu ao ficar sem o conforto de uma família que se acreditava ser de sangue.
Ora, se para Carlos dos Santos “o passado é sempre uma ilusão, um devaneio da nossa imaginação, modelada pelas especificidades da percepção de cada um de nós”, para Aldino Muianga, neste livro, o passado é uma mazela que se impõe no destino das personagens para alterar percursos, eliminar laços de familiaridade, esclarecer episódios e projectar novos caminhos, sem haver preocupação em relação à destruição do amor. Por outro lado, quando o passado é instaurado na narrativa por via de revelações fantásticas, cumprem a missão de punir, no caso de Celinha, até por erro que não se cometeu.
Título: Asas quebradas
Autor: Aldino Muianga
Editora: Cavalo do Mar
Classificação: 14