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Ossufo Momade: “Se estivéssemos na Europa, Frelimo não teria ganhado nem cinco municípios”

O presidente da Renamo, Ossufo Momade, diz que esta força política não pauta pela ditadura, daí que há espaço para todos se expressarem. Ossufo Momade diz ainda que conta com Venâncio Mondlane, porque é membro do partido. Momade acusa ainda Filipe Nyusi e a Frelimo de estarem a alimentar a corrupção. Sobre os resultados nas eleições autárquicas, considera que, se “estivéssemos na Europa ou Ásia, a Frelimo não teria ganhado nem cinco municípios”

Ossufo Momade assumiu a liderança do partido em Janeiro de 2018, sucedendo a Afonso Dhlakama, que dirigiu o partido por décadas. Como é que encontrou a Renamo?
Primeiro, quero saudar toda a população moçambicana. A Comissão Política Nacional nomeou-me em 2018, depois de termos perdido o nosso saudoso presidente. Desde lá, eu dirigi o partido. No início, como coordenador e, depois, em 2019, oficialmente como presidente. Não é fácil dirigir um partido como a Renamo, porque, se estivéssemos na Europa, a Renamo já teria estado no poder.

O que está a falhar?
O que falha é que estamos em África. Os africanos, sobretudo os partidos que trouxeram as independências, não querem largar o poder. Isto está a acontecer em Moçambique, está acontecer no Zimbabwe e outros países. Todos os moçambicanos sabem que se a Renamo não está no poder, não é porque perdeu as eleições, mas há uma manipulação técnica para alterar a liderança da Renamo.

Mas, logo depois de assumir a liderança do partido, surgiram grupos de pressão a contestarem a sua liderança, com destaque para o grupo liderado por Mariano Nhongo. A que se deveu esta situação? Tem algum entendimento sobre o facto?
Eu, até aqui, não sei porque o Nhongo abandonou a base para criar um grupo que pudesse contestar a própria Renamo, na medida em que ele estava numa sub-base. Nós acompanhámos, através dos combatentes, que ele já se comportava de maneira contrária e, imediatamente, eu quis falar com ele, mas recusou-se.

Então, Mariano Nhongo nunca apresentou os reais motivos de sua contestação?
Nunca. Mas, mesmo assim, nós criámos condições para que ele apresentasse as suas dificuldades ou problemas, mas ele nunca quis colaborar. A Doutora Ivone Soares é testemunha disso, e o Doutor Eduardo Namburete também. Eu havia-os encarregado para que fizéssemos esses contactos, mas não tivemos resultados positivos. Para dizer que, até aqui, eu não sei o que ele estava a contestar, na medida em que um militar cumpre e depois reclama. É aquilo que aprendi como militar. Mas isso não aconteceu da parte dele. Acompanharam nitidamente as nossas declarações a pedir que voltasse à razão. Nós fizemos isso no passado, mas ele nunca quis acatar o que era a mensagem que lançávamos na altura. Hoje estamos tristes porque ele perdeu a vida. Não era o que nós queríamos.

Na altura, em 2019, se olharmos para o congresso que o elegeu, como presidente da Renamo, concorriam consigo Elias Dhlakama, que ficou na segunda posição; Manuel Bissopo, então secretário-geral do partido; e Hermínio Morais, que no final se retirou da corrida e apoiou a sua. Qual é a relação que tem com estas figuras, actualmente?
A nossa relação é estável, na medida em que estamos dentro do mesmo partido, somos irmãos. Não conheci o Elias Dhlakama hoje. Conheci-o durante a guerra. E o Picardo, para o seu conhecimento, é meu assessor, e nunca vamos criar condições para inimizades.

O seu assessor que apresentou a pretensão de se candidatar à presidência do partido?
Isto é para mostrar que, na Renamo, há uma democracia na qual cada um pode vir a público dizer o que sente. Eu sinto, da parte da imprensa, que quando alguém aparece a dizer que “tenho vontade de ser presidente do partido”, para ser Presidente da República de Moçambique, trazem anedotas e informações que não são reais, que estão a contestar. Nós não estamos a contestar. É a liberdade que estamos a dar, no sentido de a qualquer membro poder aparecer com esta ambição de concorrer para ser presidente. Para mim, isso não é nenhuma preocupação.

O que está a dizer é que não é verdade que, depois de Juliano Picardo ter demonstrado esta pretensão, foi afastado do cargo de assessor?

O Juliano Picardo continua meu assessor, continua, na medida em que ainda não o exonerámos. O Elias Dhlakama continua deputado na Assembleia da República, não temos nenhuma relação azeda.

Recentemente, Manuel Bissopo, antigo secretário-geral do partido, disse, em entrevista à STV, na Cidade da Beira, que Ossufo Momade marginalizou muitos quadros depois de ter assumido o cargo, inclusive a ele. É verdade?

Ele é quem está a dizer! Até posso rir-me um pouco. Ele esteve comigo em Morrumbala, a convite de quem? De Ossufo Momade. Se ele estivesse isolado, não estaria lá comigo. Ele participou numa sessão do Conselho Nacional, a convite de quem? De Ossufo Momade. Ele não é membro do Conselho Nacional, mas esteve lá, para que pudesse participar naquela sessão. Isso para dizer que são falácias das pessoas. Em nenhum momento ele foi isolado. E até pode perguntar a ele, de lá para cá, quantas vezes entrou na porta da delegação política provincial da Cidade?

Aliás, esta é uma outra reclamação que o mesmo apresenta. Diz que não é convidado até para as reuniões provinciais do partido em Sofala, província em que ele vive…
Para ser convidado, é preciso a sua participação. Se fica distante, nunca aparece na delegação, como vai ser convidado? Ele é membro da Renamo, não sei se chegou a vê-lo durante a campanha ao lado do cabeça-de-lista, ele não apareceu em nenhum dia. Para estar na campanha, não precisa de um convite. Cada um aparece, como membro, para apoiar a Renamo, e ele não fez isto, para dizer que são mentiras que eles tentam introduzir na família para terem razão. Para o seu conhecimento, depois de ele ter deixado de ser secretário-geral, eu convidei-o para dirigir o gabinete central de eleições.

E qual foi a resposta?

A resposta foi negativa. Teria dito que queria descansar, por três vezes, ele disse que queria descansar porque o cargo de secretário-geral é pesado e tinha de descansar. O que poderia eu fazer acerca disso? Um excluído poderia ser convidado? Eu penso que não.
Senhor presidente, acha que há pessoas que, de forma deliberada, criam distúrbios no seio do partido?
É verdade. Na medida em que os assuntos do partido são resolvidos dentro do partido, porque nós temos órgãos, a Comissão Política Nacional, temos o Conselho Nacional e temos o Conselho Jurisdicional, qualquer problema que aparece é preciso que tragam dentro do partido.

Este é um recado para Venâncio Mondlane?

Venâncio Mondlane não está a queixar o presidente, está a queixar o próprio partido, porque o presidente não dorme e acorda: “Congresso é amanhã!”, não é assim. Nós temos as nossas regras dentro da nossa casa. Quem delibera para a marcação da data e o local da realização do Congresso não é Ossufo Momade, é o Conselho Nacional e esse Conselho Nacional terá lugar em Abril. Agora, eu fico preocupado quando alguém, que quer ser presidente, não conhece a realidade da sua própria casa. Ele deu pontapés ao Conselho Nacional, ao Conselho Jurisdicional e à Comissão Política Nacional.

Não vê razões das queixas apresentadas por Venâncio Mondlane?

Não vejo razões, porque não é Ossufo que marca ou convoca, é o conselho Nacional que delibera o dia da realização do Congresso e indica o local da realização, agora como Ossufo vai marcar?!

Na qualidade de presidente, não acha que o eleitorado tem pouco tempo para conhecer o perfil do candidato à Presidência da República?

Isto não é culpa do Ossufo. Quem marca não é Ossufo Momade, eu não posso contrariar a decisão dos órgãos do partido. Para dizer que eu respeito os órgãos e respeito os regulamentos do próprio partido.

Apesar da conclusão do desarmamento e desmobilização, isto no âmbito do DDR, os ex-guerrilheiros da Renamo têm mostrado descontentamento vezes sem conta a imprensa. Vê razão de ser destas contestações?

Eu penso que, quando alguém, na sede de reacção do seu sentimento, pode vir a público dizer a sua preocupação. Nós na altura falávamos das pensões, foi muito tempo, parecíamos carros – falávamos e cantávamos a mesma canção. Mas daquilo que eu tenho conhecimento através das pessoas que estão à frente desse processo, o pagamento das pensões já está a acontecer e já estão a acertar com cerca de três mil homens desmobilizados.

Está feliz com a situação actual do DDR?

Posso não estar, porque, durante a minha estada na Serra de Gorongosa, tivemos muitas promessas da comunidade internacional, e essas promessas não estou a ver aqui a serem materializadas, porque diziam eles que o combatente, assim como os seus familiares, teriam bolsas de estudo, mas nunca abriram esse espaço de bolsa de estudos, depois de termos entregado as armas. Eles fizeram-nos passar uma mensagem que hoje nos pode fazer passar por mentirosos, que cada combatente teria possibilidade de criar a sua actividade de rendimento: alguns escolheram ser carpinteiros, agricultores, pescadores, foi o que se prometeu mas até hoje não está a ser materializado. Há dias, eu estava com o embaixador da Alemanha, e eu disse a ele que “estamos preocupados, vocês mentiram”, se hoje somos considerados mentirosos é por causa daquelas promessas que deixaram.

E ouviu alguma palavra de conforto?

Ele disse que ia informar-se, porque é novo embaixador mas já se passam tantos anos, porque o que estou a falar é de 2019. Ele disse que ia informar-se e daria uma resposta quando tivesse uma informação clara e simples.

Ano passado, foram realizadas as sextas eleições autárquicas, marcadas por irregularidades e várias contestações, como é que a liderança encarou esta situação?

É preocupante, não só para a liderança da Renamo como para todos os moçambicanos, os munícipes daquelas vilas e cidades. Porque nós tivemos uma situação anómala durante o processo de recenseamento eleitoral e isto não é uma coisa palpável. Todos nós vimos. Recenseamento que era realizado à noite em uma casa particular, as máquinas eram levadas para fora das autarquias, alguns foram interceptados a fazer recenseamento de membros da Frelimo e nós estávamos atentos, porque tínhamos preparado e formado os nossos delegados de candidatura, assim como os nossos membros e todos os quadros. Estávamos preparados, por isso a descoberta foi fácil, tudo quanto eles tentaram fazer não teve sucesso. Mas a pessoa pode fazer mais do que nós vimos. Para dizer que é preocupante o que aconteceu no dia 11 de Outubro. Nós vimos o que aconteceu. E eu tenho a dizer agora que os media fizeram parte desta fraude.

Quer dizer que a imprensa nacional fez parte desta fraude?

Sim, fez. No princípio, estavam a dar resultados que viam, mas, depois de terem recebido as orientações dos chefes, deixaram de ser fiéis.

Fala de alguma imprensa em particular?

Todos vocês deixaram de fazer o vosso papel. No dia seguinte, quando eram 13h, começaram a contrariar os resultados. Para dizer que vocês foram cúmplices. Mas eu estou satisfeito, sabes porquê?

Não…

Porque, pela primeira vez, a comunidade internacional e a sociedade civil estavam do lado da Renamo. E viram que a Renamo ganhou.

Que sinal a sociedade civil e a comunidade internacional passaram para a Renamo através deste apoio?

Através dos editais. De evidências reais. Aqui onde estamos, na capital do país, nós ganhámos. Entregámos editais ao Conselho Constitucional e entregamos editais à Comissão Nacional de Eleições. Aqui não resta nenhuma dúvida, nós ganhámos. Não só a Renamo tinha editais, o MDM também os tinha. A Sala da Paz tinha editais que davam a vitória à Renamo. Agora, qual é a vitória que nós queremos?

Onde tudo falhou?

Falhou através da fraude. Por isso, há uma necessidade de criar condições para a separação de poderes e, enquanto isso não acontecer, vai continuar esse tipo de problema.

O que a Renamo está a fazer para que se garanta a separação de poderes?

Neste momento, não temos possibilidade, mas, no dia em que votarem na Renamo, nós faremos uma lei que possa aliviar esta situação, porque o juiz tem de respeitar o chefe que o nomeou, a procuradora também tem de respeitar o chefe que a nomeou. O Presidente da República está a acumular as responsabilidades e ele é como “o super homem”, mas isso tem de acabar. Viram o que aconteceu com o Conselho Constitucional, pediram editais e todo o material, mas nada fizeram, para dizer que recebiam telefonemas dos chefes – que não há nada que alterar. Alguém perguntava se antes nós tínhamos um acordo com o presidente. Mas porque nós precisaríamos de um acordo com o presidente. Se há um acordo, não há necessidade de eleições. O povo é que decide. Nós, que somos a liderança, não há nada que procurarmos alterar alguma coisa aqui. Para dizer que nós ganhámos as eleições. Se estivéssemos na Europa ou na Ásia, a Frelimo nem cinco municípios estaria a governar. Isto não está a acontecer somente em Moçambique; em Angola aconteceu. Em Angola, a Unita ganhou e quem seria presidente é o Adalberto, mas está aí na oposição. É o mesmo que aconteceu no Zimbabwe, o partido do Chamisa está também na oposição. Eu fico muito preocupado, depois de termos ganhado, aparecer alguém da Renamo a dizer que perdemos, isso não encoraja os moçambicanos.

Nas recentes eleições das quais falámos, houve um grande movimento de apoio à Renamo. Alguns analistas defendem que este apoio não vem propriamente do eleitorado do partido mas de um eleitorado contra o partido Frelimo. Encontra verdade neste argumento?

É um argumento falso. Na medida em que nós trabalhámos. Trabalhámos nas bases. Nós convidámos os jovens e os mais velhos para mudarmos Moçambique e nós alertávamos que “se você dá voto a um ladrão, você também é ladrão, se você dá voto a um corrupto, então você está a ajudar o corrupto”. Amanhã não pode vir chorar que existe corrupção em Moçambique. Nós convidámos os munícipes de todas as autarquias para que mudassem as mesmas, para que pudéssemos viver melhor. A Renamo já iniciou isto, já mostrou. Vá visitar a cidade de Cuamba, não é a mesma cidade que tínhamos cinco anos atrás. A nossa governação melhorou Cuamba. Ali onde passávamos e fazia poeira, hoje já não há isso, há alcatrão ou pavê. Nós temos de procurar meios para criar boas condições para a nossa população. Esta é a grande mensagem. A população moçambicana quer uma mudança. Desde 1975, a Frelimo não mudou nada e os jovens sabem disso, mas o que se tem de fazer neste momento é mudarmos o aparelho do Estado. Não mudarmos porque vamos tirar as pessoas que estão lá, mas uma educação cívica. Desde 1975, o professor pensa que é da Frelimo, enfermeiro pensa que é da Frelimo, todo aquele que é funcionário do Estado pensa que é da Frelimo porque lá existem células do partido. Nem eles são culpados, mas as células do partido é que contaminam esses nossos irmãos. Então, é preciso fazer uma revolução para eliminar esta situação. E outra situação que é grave é a corrupção. Há uma necessidade de um trabalho para que mudemos este cenário, e quem vai mudar não é a Frelimo, é a Renamo. Eles podem até cantar corrupção de um lado para o outro, mas como é que um pai que está no caminho da corrupção vai corrigir o filho que se encontra embaixo? Não é possível.

“Frelimo está a alimentar a corrupção”

A quem se refere?

Ao próprio Nyusi, aos ministros, todos.

Está a chamá-los de corruptos?

Existe outra linguagem que podemos dizer? São corruptos. Estão a alimentar a corrupção. Eu não posso mudar este discurso. Estou a acusar porque é uma realidade. Nós hoje estamos a pagar as dívidas ocultas. Quem foram os promotores desta dívida? Não foram eles! Hoje é para eu dizer que não foram eles a causarem esta dívida? Não é ladrão porque é chefe de Estado? Não é verdade e ele nem tem tribunal onde me queixar porque é a realidade que está a acontecer em Moçambique.

Vamos voltar às eleições. Logo depois da publicação dos resultados intermédios por parte das comissões distritais, vimos os cabeças de lista da Renamo a terem comportamentos distintos, por exemplo: Venâncio Mondlane apareceu na imprensa e nas redes sociais, priorizou as suas impressões com organismos internacionais, Paulo Vanhale optou por comícios. Havia ou não uma orientação clara da liderança sobre a forma como tinha de contestar os resultados das eleições?

Primeiro é saber que eleições autárquicas são do poder local. Para a realização das marchas, foi a Comissão Política Nacional que decidiu que haveria necessidade de realização de uma manifestação ao nível de todos os municípios. E o primeiro que fez a partilha das manifestações foi Ossufo Momade. Aquela minha aparição na primeira manifestação na Cidade de Maputo era para dar coragem – “que não há nada que recuarmos”.

Mas não vimos o presidente Ossufo Momade nas outras autarquias como Quelimane e Nampula?

Não. Por isso estou a dizer que era um trabalho ao nível local. Aquela era abertura e estava a representar todas as autarquias. Embora estivesse aqui, eu sou presidente nacional. E, pela primeira vez na vida da Renamo, um presidente estava a marchar. Nunca viram vocês Dhlakama a marchar mas eu marchei, estava ao lado da minha esposa. Ficámos na Praça da OMM e dispararam contra nós, mas não recuámos. Eu dei ordem para avançar e avançámos. Se fosse para morrer morreríamos lá, aconteceu isso. Não podem dar interpretações erradas – Ossufo estava ausente, é uma pura mentira. Nós instruímos os municípios para que fizessem o seu trabalho.

Reviam-se no modelo de contestação de Manuel de Araújo que chegou a buscar apoio internacional?

Não. Ele é quem decidiu isso, mas nós não podíamos contestar. Ele saiu da cidade e foi buscar ajuda. O que nós queríamos era reaver os municípios ganhos. “Quando uma casa pega fogo não vai dizer que o dono deve apagar sozinho, os vizinhos também podem”. Para dizer que ele fez o seu papel, foi buscar ajuda, por ele ter amigos fora. A interpretação das pessoas é de que cada um fazia o que entendesse, não é verdade. Nós demos ordens para que pudéssemos ter as autarquias de volta e ele fez seu papel para retomarmos a nossa vitória.

O que não aconteceu, porque a Renamo, em vez de pelo menos manter os oito municípios que reclamava, baixou para quatro?

Não é a Renamo que baixou. Foi o regime. Eu dei um exemplo aqui: “se nós estivéssemos na Europa ou na América, teríamos ganhado vários municípios e a Frelimo não teria sequer cinco municípios”, porque o que está em causa é a vontade popular. Mas a Frelimo usa a Polícia, usa professores, usa membros do Estado.

Nós já vimos, em um vídeo que circulou nas redes, não sei se viu, na Ilha de Moçambique. Uma senhora sentada a pegar boletins de voto e preenchê-los. O amigo dela a questionar – onde estão os elementos da Renamo? Isso em Macua, ela respondeu: já foi levado para cadeia o delegado de candidatura da Renamo, e ela estava livre para continuar o seu trabalho.Que medida foi tomada sobre esse caso?

Medida nenhuma. Há alguns que foram encontrados com 10 a 15 boletins de voto, e a pessoa que denunciava esses casos é que ficava presa. A pessoa que transportava os boletins voltava para casa. É esta democracia que nós defendemos? E nós fomos traídos. A comunidade internacional, quando estávamos na mesa, dizia que tudo isto ia acabar, que já tinha falado com Nyusi e com a Frelimo que teríamos eleições livres, justas e transparentes. Mas nós vimos estas eleições. Não basta só dizer que a Renamo ganhou ou nós condenarmos. É preciso haver sanções. Zimbabwe, até hoje, está a sofrer sanções, porquê? Talvez porque estivessem lá ingleses e perderam os seus campos agrícolas ou fazendas e, por isso, condenaram-nos. Isto para dizer que aqui há problema de interesses e, quando não existem, deixam as coisas do jeito que estão.

É uma acusação à comunidade internacional?

Sim, é. Desde 1994, nós estamos a sofrer e eles apoiam estes processos através dos impostos dos seus povos. Afinal de contas, porque não sancionam este Governo? Porque apoiam este regime? Porque deixam as coisas acontecerem? Este ano, teremos eleições e continuaremos com os mesmos problemas.

Não antevê mudanças? Acha que haverá novamente irregularidades?

Temos agora a Assembleia a trabalhar para mudar algumas leis que prejudicam o processo, mas não sei se a Frelimo vai aceitar, pois é preciso que haja consenso. A Frelimo tem os seus pontos de vista, assim como a Renamo e o MDM. Vamos ver o que vai acontecer na aprovação dessas leis, mas o que nós gostaríamos de ver é que se focassem nos pontos que prejudicam o processo e introduzir aquilo que vai melhorar ou vai ajudar as mudanças no processo.

A Renamo tem os seus representantes na Comissão Nacional de Eleições e também no Conselho Constitucional. Como é que se explica, por exemplo, que o primeiro acórdão de validação dos resultados pelo Conselho Constitucional tenha sido aprovado por unanimidade se a Renamo sempre contestou os resultados?

Esta é uma preocupação que nós também tivemos, na medida em que, sendo eles da oposição, embora seja um órgão que não faz parte dos partidos, mas as pessoas saíram dos partidos. Mas eles trouxeram-nos uma informação que não foi convincente para nós. Disseram que quando se apresentaram os resultados deram quatro municípios à Renamo e que quando eles queriam contestar a presidente do Conselho Constitucional disse que nem essas quatro autarquias teriam, caso votassem contra. E o mal que eles fizeram foi não ter entrado em contacto connosco. Se tivessem entrado em contacto connosco teríamos dito para votarem.

Há alguma medida que se impôs contra esses representantes?

A medida era de eles deixarem os seus lugares à disposição, e isso não é forçado. O conselho que nós demos, na altura, era que eles deviam deixar.

E qual foi a reacção?

A reacção deles é que não podiam fazer nada e nós não podíamos forçar. Mas ficou patente que nós não concordámos com aquilo que aconteceu no Conselho Constitucional.

Mas isso não significa que a Renamo ou a liderança da Renamo não tem controlo sobre os seus homens nesses órgãos?

Não é falta de controlo, isso aconteceu no passado. Por duas vezes, o presidente Dhlakama tomou decisões em relação à tomada de posse na Assembleia da República e apareceram pessoas que contrariaram essa posição. Foram tomar posse por duas vezes. Será que o Dhlakama era fraco? Não é nada disso. Cada um pensa à sua maneira, mas gostaríamos que um dia elas se agarrassem ao partido.

Acha que as alterações propostas no pacote eleitoral vão surtir ou vão garantir mudanças nas próximas eleições?

As mudanças podem acontecer, mas é preciso que o comportamento da Frelimo também mude. Nalgum momento, nós podemos ter lei e essa mesma lei ser violada. O país tem leis e o problema não é falta delas é, sim, a falta da sua aplicação. Nós podemos ter esse trabalho durante dois ou três meses, mas o que nós queremos é a sua materialização. O respeito e o cumprimento da lei. Não usar as Forças de Defesa e Segurança para alterar resultados. Que moral o polícia tem de carregar uma urna na cabeça? A sua missão não é carregar urna, mas sim criar um bom ambiente para que todos possam votar. Mas não é o que temos verificado. O presidente da mesa, quando não aceita as reclamações dos partidos da oposição, será que é isso que aprendeu na formação? Quando o presidente da mesa descobre que quem venceu é a Renamo ou MDM e não assina editais, será que esse é o papel que tinha naquela mesa? São essas coisas que nós temos de mudar. Quando um director do STAE pega no computador e vai recensear fora da área autárquica, é isso que ele aprendeu e é isso que ele deveria fazer?

A Renamo apresentou várias queixas-crime contra entidades após as eleições, como é o caso, por exemplo, do comandante da polícia, juízes do Conselho Constitucional, entre outras. Essas iniciativas eram da liderança da Renamo ou de Venâncio Mondlane?

Nós é que instruíamos o gabinete eleitoral. Nós temos o gabinete central de eleições. Eu, Ossufo Momade, é que dava ordens. Fizemos, não só internamente, como também fora do país. Nós queríamos ver os nossos resultados a serem devolvidos.

A Renamo ainda conta com Venâncio Mondlane?

Contamos com ele porque é nosso membro. Nós nunca o expulsamos. Ele tem cartão da Renamo, é membro da Renamo e está lá. A prova disso é que ele tem falado da Renamo. Nós temos um princípio. Muitas pessoas, quando aparecem como o Venâncio a criar distúrbios dentro do partido, o que eles querem é ser vítimas. Eu até não queria falar sobre o Venâncio, porque eu tenho o meu comportamento. Sou civilizado e não gosto de andar atrás de malucos. Se eu ando atrás de malucos significa que eu também sou maluco. Se alguém vai ao público queixar o seu presidente que ele diz que é o pai. Já viu alguém queixar ao seu pai?

Sentiu-se traído, tendo em conta que Venâncio Mondlane era seu assessor?

Em nenhum momento ele me traiu-me. Como eu disse no princípio, nós temos abertura democrática. Quando alguém aparece para concorrer não é uma traição, é a vontade e ambição que a pessoa tem. Mas nós temos critérios dentro do partido. Qualquer candidatura, qualquer desejo de se candidatar, há um órgão próprio a que nós devemos apresentar, por isso eu ainda não mostrei a vontade de concorrer.

Não foi o senhor que mandou José Manteigas informar à Imprensa que é o único candidato da Renamo à sua própria sucessão?

Ele, sabendo que existe um presidente e esse presidente com todas as energias para continuar à frente do partido, ele veio apresentar o seu pensamento. Em nenhum momento eu lhe mandei para fazer isso, isso foi da responsabilidade dele. Eu ainda não me apresentei como candidato.

Pretende?

Quando chegar a altura, vão poder acompanhar. Neste momento, é prematuro, porque estaria na lista daqueles que já apareceram. Tenho de aguardar até que chegue a altura que o partido vai criar uma comissão que vai recolher as candidaturas, e é nessa altura que nós vamos apresentar a nossa. E outra situação é que alguns aparecem a fazer campanha, o que não é normal. Campanha para candidato de um partido não se faz para o público, faz-se no congresso. Há um espaço em que todos os candidatos devem apresentar a sua campanha em relação a tudo o que pretendemos dentro do partido. Mas quando alguém aparece em Nacala ou na Munhava, isso é contrariar as regras do partido. Nós temos de ser maduros, porque para você ser presidente de um partido como a Renamo é preciso ser responsável de si e daqueles que você vai dirigir.

Após a prisão domiciliária de Raúl Novinte, ex-autarca de Nacala, e o Tribunal Judicial de Nampula ter suspendido as suas funções e direitos de edil da cidade de Nampula Paulo Vanhale, não reagiu, pelo menos, publicamente. Porquê o silêncio perante tais factos?

Na altura, eu não estava em condições para reagir. Ora, não estando em condições, eu instruí a minha bancada, a secretária-geral para que pudessem reagir em relação a esses assuntos. Num partido, não é só o presidente que deve aparecer, mas também temos essas estruturas. Eu não sou de ferro. Na altura, eu tinha uma orientação médica segundo a qual não podia exercer nenhuma actividade. Pessoas de má-fé apareceram a dizer que o Ossufo não reagiu e tantas outras coisas que foram ditas. Eu já esperava isso.

Esse vaivém em relação ao congresso, ou seja, o facto de os prazos estarem apertados tendo em conta que, pelo menos agora, estamos a seis meses da eleições gerais, faz crescer uma ideia na opinião pública de que dentro da Renamo, em particular, e outros partidos com expressão como a Frelimo e o MDM, o espaço democrático não existe e que prevalece a ditadura. Concorda?

Não há nenhuma ditadura no partido Renamo. Nós teríamos ditadura depois da morte do presidente Dhlakama. O Ossufo não era conhecido a nível nacional, embora já tenha sido secretário-geral do partido. Mas eu aceitei o desafio e fomos ao congresso em 2019. Esses todos que hoje dizem que não há democracia fizeram rondas em todas as províncias e eu não tinha como o fazer, porque estava na serra da Gorongosa. Quando fomos ao congresso, quem saiu vencedor foi Ossufo Momade. Isso tudo quer dizer que não há ditadura. Nós temos de aguardar a deliberação do conselho do partido, que vai ter lugar no mês de Abril.

Há quem defenda que a Renamo está em crise. Como é que olha para esses pronunciamentos na qualidade de quem gere o partido?

Penso que não existe crise dentro da Renamo. Se nós estivéssemos nessa posição, não teríamos ganhado as eleições. Fico triste, na medida em que tenho visto as equipas de futebol. Quando um treinador ganha é promovido e até lhe são dados prémios e valores monetários. É o que deveria acontecer comigo porque ganhei. Fiz trabalho de mobilização, de formação, e coloquei as pessoas nos lugares certos. Hoje, sinto-me orgulhoso, porque, afinal de contas, há vitória em todos os sítios. Não é só na zona Sul, mas em todo o país.

O senhor tem uma boa relação com as bases da Renamo?

Tenho. Até lhe posso convidar para irmos a Niassa. Vai encontrar milhares de pessoas à espera do Ossufo. Vamos para Caia, lá também vai encontrar enorme população à espera do Ossufo. Tenho esperança na vitória da Renamo nas eleições gerais. O povo está do nosso lado, mas alguns ambiciosos e invejosos não querem mostrar esse lado da Renamo.

Esses invejosos estão dentro do partido?

São esses que aparecem e dizem que na Renamo há crise. Tem de haver respeito. Se você, como membro, quer realizar alguma actividade dentro de uma cidade ou uma vila, tem de ser dentro da coordenação da própria estrutura local. Não pode sair da sua casa e ir ao bairro para fazer uma actividade sem conhecimento da estrutura montada.

Qual é a sua relação com o Presidente da República?

É uma relação institucional. Alguns dizem que somos amigos e que tomamos café. Isso nunca aconteceu.

Mas não têm vários encontros, muitos deles à porta fechada? O que é que abordam nesses encontros e de quem é a iniciativa?

Os nossos encontros estão relacionados com aquilo que está a acontecer no país. Não são encontros para pedir dinheiro, como algumas pessoas têm dito. Estamos a falar do DDR e temos de acompanhar devidamente os que ainda não receberam. Temos de entender qual é o problema nele e só ele, como chefe do Governo, terá de me dizer por que é que não há projectos que ele prometeu ontem.

Então o tipo de relação que tem com Filipe Nyusi é de adversários e não de amigos…

Somos adversários, sim. Somos de diferentes partidos e as ideologias também são diferentes. Ele é marxista-leninista e eu sou democrata.

A Renamo ainda tem armas?

A Renamo ter armas?! Não esteve quando nós entregamos a última arma? Nós entregámos a última arma, e é o sinal de que a Renamo não precisa mais de armamento.

Pensa em voltar à guerra?

Essa pergunta é provocadora, na medida em que pode não ser o Ossufo, porque a paz não é só o calar das armas. É preciso que respeitemos as pessoas. Quando alguém se sente ameaçado, poder pegar em arma, mas não através do Ossufo Momade. Desmobilizámos os nossos guerrilheiros, cada um está na sua terra. Fazer guerra não é fácil.

A Renamo é incapaz, agora, de fazer uma guerra?

Não diria que temos incapacidade, mas nós temos de acompanhar o momento. Neste momento, nós assinamos acordos de paz e reconciliação, e o que nós queremos é que cumpram com o que assumimos no dia 6 de Agosto.

E qual é, para si, o acordo de paz mais importante, ou todos eles têm o mesmo valor? O de 4 de Outubro ou o de 6 de Agosto?

Todos os acordos são importantes, porque se não tivéssemos tido os acordos de 1992 não teríamos o de 6 de Agosto. O de 4 de Outubro de 1992 foi para restabelecer a paz em Moçambique depois de 16 anos. E tivemos o acordo de 2014. Tudo isso acontece por causa da falta de cumprimento do que tinha sido assumido. Se a Frelimo cumprisse com o seu papel, não teríamos mais acordos.

Há algum presidente ou líder em quem se inspira?

É o presidente Dhlakama. Ele foi o meu professor e meu instrutor. Conhecemo-nos ainda jovens em 1978. Depois da criação da Renamo, eu juntei-me ao partido. Ele assim como André Matsangaíssa eram jovens e eu ainda era menino, porque na altura tinha 17 anos.

Os ataques armados em Cabo Delgado têm estado a aumentar. Como é que se resolve essa situação?

É preocupante. É preocupante, na medida em que nós já estávamos com um pensamento de alívio em relação ao sofrimento do nosso povo. Mas fico preocupado, porque, depois do anúncio da saída da SADC em Moçambique, é quando aparecem esses ataques com uma outra versão. No passado, nunca tínhamos acompanhado que os insurgentes cobravam dinheiro nas vias públicas e hoje estamos a acompanhar esse cenário. Esta forma de mudança é preocupante. Será que são aqueles ou é uma jogada do próprio Governo? A grande preocupação é aquilo que acompanhamos através daqueles que estão no terreno, que é a falta de logística. Passam dois ou três dias sem comer, sem munições, sem roquetes e sem obuses.

Consegue ver uma solução para este fenómeno em Cabo Delgado?

Penso que, primeiro, nós tínhamos que ter rosto. Isso é muito importante. Se o Governo aparecesse a dizer que existe rosto dos cabecilhas…

Alguns já foram abatidos…

Esses que estão no terreno não são os donos da confusão. Existem pessoas que estão por trás disso. Nós gostaríamos de ver esses a serem anunciados. O Governo deve aparecer a dizer que quem está por detrás dessa confusão é o fulano e o país em que se encontra. A nossa preocupação é o sofrimento da nossa população. Queríamos aproveitar este momento para convidar a comunidade internacional, a União Europeia, para que apoie este processo, porque as nossas riquezas lá, são eles que estão a explorar.

Fala várias vezes dos esquadrões da morte. A quem se refere?

Nós tivemos, no passado, esse tipo de calamidade, e quem foi o autor, na altura, era o próprio regime, neste caso, o regime da Frelimo. Nós temos evidências disso. Por exemplo, o nosso coronel em Tete, que foi morto… foi vista uma viatura da Polícia da República de Moçambique que foi pegá-lo.

Mas sabe quem lidera os esquadrões?

Só pode ser a Frelimo e o seu sector de segurança. Não posso dizer directamente que é o fulano, porque nunca aparece alguém que é o dirigente desse tipo de grupo. São grupos que aparecem só para tirar a vida das pessoas. Nós vimos o que é que aconteceu o nosso irmão Jeremias Pondeca, foi morto aqui, na cidade, na Costa do Sol, numa manhã quando estava a caminhar. Nós sabemos que essa é obra da Frelimo, e isso aconteceu em várias províncias.

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