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Óscar Monteiro defende que PR não pode ser simultaneamente presidente do partido 

O académico e jurista Óscar Monteiro diz que o próximo Presidente da República não pode ser também o presidente do partido pelo qual se candidatou, para mostrar respeito pela Constituição da República. Para Monteiro, caso a renúncia à presidência do partido não seja voluntária, deve ser forçada pelo Conselho Constitucional. 

Óscar Monteiro é jurista, dos primeiros do país, um dos seis membros da Frelimo no Governo de Transição, além de ter sido membro da Comissão Política e veterano de luta de libertação nacional. Através de um artigo de quatro páginas, intitulado “PARTIDO FRELIMO SERVE CAUSAS MAIORES”, o académico e político procura resgatar os valores do partido Frelimo e resolver uma inconstitucionalidade antiga, o facto de o Presidente da República ser também presidente da Frelimo. 

Óscar Monteiro começa por explicar o porquê de não ter intervindo antes, se as questões que levanta são tão antigas quanto a democracia moçambicana. 

“…eu não estava atento. É só o que posso dizer. Achei que não devia intervir constantemente na vida pública, porque havia órgãos para isso. Ademais, é preciso dar espaço e ter confiança nas novas equipas governativas, com a tranquilidade de saber que sempre tomarão as decisões mais correctas.  Até que as coisas se agravam e jogos de interesses e de poder me forçam à intervenção cívica”, lê-se no artigo. 

Monteiro explica que “o pensamento político moçambicano evoluiu, no sentido de o Estado ser visto como algo que é pertença de todos os seus cidadãos. O Partido ou organização que geraram o Estado deverá, desejavelmente, sentir que chegou o momento de emancipar o Estado, deixá-lo ter vida própria. Uma nova fase se anuncia, em que diferentes visões do país e do mundo levam a posições diferentes, a escolhas políticas diversas e, portanto, a Partidos diferentes e em competição. O Estado afirma-se como de todos, regido por regras visíveis e equânimes, não favorecendo nenhum dos grupos ou agremiações dentro do espectro político”.

Nessa base e recordando que o artigo 148 da Constituição não precisa de regulamentação para a sua implementação, Monteiro questiona: 

“Questão que nos deixa perplexos: o Presidente da República que continue a exercer a função de Presidente do Partido Frelimo, não está a violar flagrantemente a Constituição?”

E a seguir responde:

“Resposta imediata, genuína e honesta: renúncia, imediata, do Presidente do Partido Frelimo ao seu cargo no Partido. Esta renúncia deve, desejavelmente, ser voluntária e na sua falta, tal decisão deve ser tomada pelos respectivos órgãos partidários e, em última instância, imposta por órgão estatal competente, que só pode ser o Conselho Constitucional. Resposta simples a um problema que só se tornou complexo por via de uma gritante e contínua violação da Constituição, ao longo dos tempos em que não podemos persistir. Violação reiterada de regra constitucional não cria “costume” constitucional, diferentemente do que ocorre ao nível da legislação ordinária no contexto do Direito administrativo”, lê-se. 

Isso quereria dizer que, caso o próximo presidente da república seja da Frelimo, deverá subordinar-se ao actual presidente do partido? Oscar Monteiro pensa que não. 

“O actual Presidente da República deve deixar a Presidência do Partido Frelimo, para afirmar o seu próprio respeito pela Constituição da República. De igual modo, o próximo Presidente da República está impedido de ser Presidente do partido através do qual se elegeu ou de qualquer outro partido político”, acrescenta. 

Isto resulta da Constituição em vigor. Óscar cita vários artigos que mostram quão plural é preciso que o Estado seja hoje. 

“E isto implica revisitar e adequar, em cascata, toda uma série de legislação ordinária, com destaque para as leis que versam sobre os Partidos Políticos, as empresas públicas, as Bases de Organização e Funcionamento da Administração Pública, a Organização Judiciária, a orgânica da jurisdição administrativa, a orgânica do Ministério Público e da PGR, o estatuto dos juízes, e sobre a própria  orgânica do Conselho Constitucional”.

Como alguém que conhece de dentro e bem as linhas de que se coze o partido, Monteiro sabe que isso não será feito sem a vontade da própria organização.

“É um passo em frente que o país deve dar e o Partido Frelimo deve tomar a iniciativa. Começar por rever o art 88º dos seus Estatutos no que contém de imposição administrativa a órgãos estatais”. 

Não fazer isto, para Óscar Monteiro, prejudica o próprio partido. Aliás, ele entende que tem estado a prejudicar.  É o entendimento de quem foi Secretário de Organização do Comité Central e membro do que hoje se considera comissão política. 

“É minha ponderada opinião que o Partido Frelimo, enquanto organização política, pouco beneficiou desta sobreposição de funções”, diz o académico, e explica o porquê: “O múnus de um Partido são ideias, uma certa maneira de ver as coisas, um projecto de sociedade para o futuro. Ideias podem atingir ou não uma certa estruturação”. 

E acrescenta: “Na teoria existe uma ideia mítica, segundo a qual o Partido pensava e o Estado executava. Na prática, o Partido, em sua fase embrionária, passou a beneficiar da reputação do Presidente da República e do seu poder de persuasão. Mas, igualmente, subalterniza a tarefa principal de convencer pessoas, discutir as dúvidas, avaliar o impacto das decisões políticas, que na realidade são o coração, o múnus essencial de qualquer Partido”. 

E afinal, qual é o problema agora? 

“Com o passar do tempo, os funcionários do Partido deixaram de ser motivadores, mobilizadores, passaram a ser funcionários do aparelho, passaram a ser eles o Partido todo poderoso”. 

E já nas conclusões, Óscar diz entende que…

“O Partido Frelimo tem estado a reboque dos Presidentes da República e dos acidentes da sua governação, em detrimento do seu papel insubstituível de defensor das causas nobres, da igualdade dos homens e mulheres e, sobretudo, de defensor dos mais pobres, das largas massas, para usar uma palavra abandonada senão proscrita. Sim, precisamos de empresariado nacional, de organizadores de processos produtivos, a industrialização é uma exigência que não está a ser levada suficientemente a sério. Eles devem ter a consideração social que corresponde ao seu papel patriótico e a remuneração justa da sua criatividade, imaginação e iniciativa. Mas os Partidos como o nosso, o Partido de Mondlane, Samora e Marcelino, existem para reequilibrar a sociedade e defender os mais fracos”. 

Há mais, Óscar Monteiro entende que deve haver uma reflexão profunda sobre a própria estrutura do partido de cujo Comité Central, ele é membro. 

“Poderá ser discutido em fórum apropriado se o Partido Frelimo precisa de um Presidente. Os partidos políticos em geral não têm Presidentes, com o que tal implica de emitir comandos (…) No Partido Frelimo, nós queremos uma sociedade mais justa, justiça social, desenvolvimento equilibrado e igualizante, um mundo sem opressões e sem guerras.  Subordinados os nossos egos e os nossos apetites ao bem comum. Temos moral e comportamo-nos bem”, disse o académico. 

E termina dizendo que: “O futuro depende de nós!”

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