A sociedade moçambicana sofreu, ao longo destes anos, muitas transformações. A forma de ser e estar já não é a mesma em relação ao passado. Algumas práticas desse tempo que se usavam para corrigir certas situações comportamentais das crianças, hoje podem ser vistas como crime, violência doméstica ou dos direitos humanos.
O meu pai castigava-me ou dava-me reguadas quando achasse que estava a me desviar da linha. Fazia isso para educar-me. Formar-me como o homem do amanhã. Um homem exemplar.
De castigo para o outro saia renovado. Tornava-me aquele menino bem comportado que era um orgulho para a família. Aquele que sabia cumprimentar pessoas, respeitava os mais velhos e fazia os seus deveres de casa correctamente. Como cristão, evitava cometer pecados.
A educação que levávamos em casa tinha, por isso, que se reflectir no nosso comportamento, como crianças, no seio da sociedade em geral.
No passado, pai era sempre pai. Pais de todas as crianças da aldeia ou da comunidade. Desempenhava o seu papel dentro e fora de casa. Assim que entendesse, podia puxar de um sinto ou de uma varra e bater numa criança qualquer da comunidade por mau comportamento.
A iniciativa de castigar uma criança mal comportada podia partir de uma mulher que, à semelhança dos homens, era mãe de todas as crianças e assumia a sua responsabilidade de educadora dentro e fora da sua família, contribuindo para a moralização da sociedade no seu todo.
Curiosamente, nenhuma criança repreendida ou castigada fora de casa atrevia-se a queixar aos seus pais pela reguada que apanhou porque podia passar por uma punição a dobrar, pois estava em causa a preservação ou salvaguarda da honra e do bom nome da família.
A forma como a sociedade educava aos mais novos não era entendida como violência doméstica, nem tão pouco violação dos direitos humanos, matérias que nem sequer eram do domínio da comunidade. A sociedade tinha as suas próprias regras, os seus valores que eram respeitados por todos. Tudo acontecia com normalidade e sem qualquer tipo de questionamento. Nada do que se fazia era visto como crime, mesmo por parte das autoridades administrativas da época.
Hoje, tudo mudou. Na sociedade moderna em que vivemos, bater numa criança é reportado como um caso de violência doméstica. Bater como processo de educação e não para magoa-la. Não só há leis que penalizam esse tipo de casos, como existem no país organizações não-governamentais que ganham dinheiro com a monitoria e denúncia de ocorrências de género.
Por conta disso, a sociedade demitiu-se do seu papel de educação das crianças, jovens e adolescentes. É que o pai e a mãe perderam o seu espaço como educadores na aldeia ou na comunidade. Hoje, os mais novos dão se ao luxo de insultar aos mais velhos se um deles tomar a iniciativa de chamar atenção a uma criança em caso de mau comportamento.
Os jovens não respeitam aos pais e muito menos a estranhos. O professor não pode atrever-se a dar uma reguada a um aluno ou porque não repetiu as matérias ou porque não fez o TPC. Antes de enfrentar a lei, pode ter problemas com os país do miúdo que vão querer saber porque é que ele bateu no seu filho.
Algumas crianças não estudam e confiam na fraude académica. Copiam ou compram enunciados algures com questões já resolvidas e obtêm boas notas, mas, na prática, não sabem nada, nem escrever uma simples redacção com cabeça, tronco e membros. Os quadros do amanhã, num país que mais valoriza o diploma do que propriamente o saber fazer.
Casos de gravidez prematura multiplicam-se dia-pós-dia, o mesmo em relação ao envolvimento de jovens na venda e consumo de drogas. O alcoolismo é outro problema que a sociedade, com os seus instrumentos legais de defesa da criança, não consegue corrigir.
A sociedade já não é aquela que era, apesar da disponibilidade de leis contra a violência doméstica e a existência de organizações defensoras dos direitos humanos. Estamos perante uma sociedade com graves problemas de imoralidade por conta da degradação dos seus valores que, ao que tudo indica, ninguém consegue resgatar.
Ganhamos as leis. Ganhamos activistas dos direitos humanos sempre atentos ao dia-a-dia da criança. Já na se bate a ninguém nas escolas. A criança está num à vontade, pois não há quem lhe chame atenção na via pública, mas vamos lá ver a sociedade que temos hoje. Uma vergonha.
NB: Não sou defensor da violência doméstica, pois é inaceitável, mas às vezes é preciso que as crianças apanhem uma reguada quando não estudam ou passar por algum tipo de castigo para obrigá-las a comportar-se como deve ser na sociedade.