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Os sete sapatos sujos do desporto moçambicano

Me desculpe o grandessíssimo Mia Couto por roubar o seu título de um grande texto seu para fazê-lo meu de forma emprestada. Mia elaborou o texto no sentido de retratar a sociedade no geral, mas eu vou pedí-lo emprestado para retratar um caso específico; o desporto. Cheguei a ver o problema do futebol como um problema isolado, como se fosse problema do Selecionador, da FMF, mas vejo que é um problema que vai mais além; É o Desporto Nacional que está doente.

DIRIGISMO DESPORTIVO – O problema começa aqui. A maior parte dos dirigentes que gravitam no desporto vão lá para tirar dividendos financeiros e políticos. Tem dirigentes que enriquecem brutalmente, quando aquele que faz o espectáculo está mais pobre, essa pirâmide está invertida em Moçambique, devia ser o atleta a enriquecer ou pelo menos a conseguir viver dignamente. Onde estão as pessoas formadas nas universidades desportivas do país? Porque a maior parte não está na estrutura dos clubes?

PROFISSIONALISMO – O Moçambola é uma Liga Profissional? Sim, é! A Liga Nacional de Basquetebol é profissional? Sim, já foi (dei exemplo das principais ligas do país). Penso que o profissionalismo, não está no facto de treinar todos dias e viver daquela arte. É preciso assumir o profissionalismo, coisa que está a faltar. O que estamos a fazer é: uns fingem que pagam e outros fingem que jogam.

RESPONSABILIZAÇÃO – O desporto tem que deixar de ser um clube de amigos. Que legado deixa um dirigente de um clube, que a sua solução para os seus problemas é a de vender o património do seu clube? Esse fenômeno acontece um pouco por todo país. É preciso responsabilizar essas pessoas, mas também é preciso responsabilizar o atleta pela sua falta de entrega e profissionalismo, mas primeiro, para ele perceber que este é um assunto sério, ele tem que ver aqueles que defraudam as suas expectativas a serem responsabilizados pelas suas más decisões que na maioria das vezes lesam a colectividade.

MARKETING DESPORTIVO – Desporto é um produto e por consequência deve ser visto como um negócio. A selecção nacional de futebol usa lacactoni e o que mais vende nos dias de jogo é Puma, equipamento que a selecção usou há mais de 5 anos. Não condeno quem infesta o mercado com o equipamento Puma, pois viu uma oportunidade de negócio e avançou, talvez a outra marca esteja a dormir. Quantos clubes tem uma “lojinha” nas suas instalações de merchandising? Quantos clubes capitalizam a imagem dos seus atletas, priorizando a venda de equipamentos?

FORMALIDADE – Temos que sair de um desporto informal para o formal, só assim será uma INDÚSTRIA rentável e auto-sustentável. Quantos atletas fazem uma carreira de longos anos sem saber o que é pagar imposto sobre os seus Rendimentos ou descontar para o INSS? Isso permitirá ao atleta no fim da sua carreira receber aquilo que descontou e não andar de mão estendida. Os clubes tem que estar legais e organizados. Formou-se hoje e única coisa que sabe dizer é que quer ganhar, sem no entanto ter montado as bases para o efeito e nem sequer escalões de FORMAÇÃO tem, logo, mergulha em práticas nocivas como CORRUPÇÃO e CURANDEIRISMO e faz toda sua estrutura acreditar nisso, tornando estas, práticas e formas, de normais.

CORRUPÇÃO e CUMPLICIDADE – Desde a eleição para as FEDERAÇÕES e ASSOCIAÇÕES até a competição, é tudo um ciclo vicioso de corrupção onde há cumplicidade de todos actores (atletas, jornalistas, dirigentes). Quando os atores do desporto não pensarem primeiro no “o que eu vou GANHAR" ai teremos um melhor desporto. Os jornalistas falam ou se calam em função dos seus interesses umbilicais. Se eles assim o fazem, quem irá lutar pela VERDADE DESPORTIVA? Os clubes tem que deixar de ser um canal de saída de dinheiro. O Dinheiro não deve passar, deve ficar no desporto. Quando o Estado tira 3 milhões de dólares para a reabilitação de um pavilhão (Maxaquene) e o mesmo continua pior e ninguém é responsabilizado é porque a corrupção é endêmica.

Quando o Presidente Guebuza há 10 anos assumiu o desafio de se organizarem os Jogos Africanos em Moçambique, um dos desafios que deixou à organização, é que era uma oportunidade para se revitalizar as infraestruturas desportivas; construir novas infraestruturas e (ou) dar uma nova cara as já existentes. Sabe-se que para esta empreitada foram disponibilizados mais de 200 milhões de dólares, mas pelo contrário nem pavilhões novos e muito menos reabilitados, senão um banho de tinta e obras de pequeno vulto para o inglês ver.

Existe muita coisa que não faz sentido a nível do nosso desporto. Acho que Moçambique é um dos primeiros países a nível mundial onde jogadores de formação são consagrados os melhores do país. Formação é formação, alto rendimento é outra coisa e deve haver uma barreira a separar as duas coisas. Espanta-me em que quase todas galas de consagração dos melhores atletas, a maior parte dos vencedores sempre são atletas de palmo e meio, ainda em formação.

Olhando para formação é de louvar o esforço do governo em priorizar os Jogos Escolares, mas infelizmente ainda não está claro o que se pretende atingir com o desporto escolar. É muito dinheiro que é gasto para a realização dos mesmos sem que se tire proveito e em simultâneos os clubes também a gastarem dinheiro com os escalões de formação. Digo que não se tira proveito, porque a maior parte dos atletas que se fazem a estes jogos, já são atletas de clubes a bons anos, logo, não há nada a ser descoberto e muito menos a se pesquisar. Porque não se faz a união dos escalões de formação e o desporto escolar, onde as competições escolares culminariam com o festival e representariam os campeonatos nacionais, os clubes trabalhariam com escolas satélites e depois dos 16 anos o aluno-atleta ingressaria num CLUBE, os melhores claros. Ganharia a estrutura desportiva nos escalões de formação, teríamos um atleta um estudante e para praticar desporto primeiro teria que estar matriculado num estabelecimento de ensino, não teríamos 2 centros de formação onde 1 forma (clubes) e outro finge que descobre (escolas) e os clubes não gastariam o dinheiro que não tem, até porque qualquer atleta começa os seus primeiros passos na escola. Há que se dar um destino ou rumo à formação, em particular, e trazer de volta aos eixos o desporto nacional. 

Não é que éramos ou é para sermos campeões mundiais, mas exige-se o mínimo de organização a nível das modalidades. Desde o Moçambola e passando por outras modalidades, é tudo feito a retalho e no sufoco. Exige-se o mínimo de rigor, os processos não podem andar a reboque das pessoas, pelo contrário as pessoas é que tem que andar a reboque das instituições desportivas.

 

 

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