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O protesto: um direito camuflado em forma de arte

“A arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido”
in Steve Biko, Pretória, 12 de Setembro de 1977.

 

Na contabilidade, o termo protesto é uma expressão usada para formalidade legal que ocorre quando uma dívida não é paga. Nesse processo, o credor leva um título de crédito, como um cheque ou uma nota promissória, a um cartório, que registra a inadimplência. Após esse registo, uma intimação é enviada ao devedor, alertando sobre a dívida. Se o devedor não quitar o valor devido, este acto, pode afectar a sua reputação financeira e dificultar a obtenção de crédito. É importante conhecer os seus direitos, pois é possível contestar ou negociar a dívida antes que se torne um protesto formal. O protesto muitas vezes está relacionado com desentendimento entre duas partes, resulta da falha do contrato, escrito ou verbal.

É do contrato social e formalidade que, na filosofia, Thomas Hobbes propõe “o contrato social”. Para Hobbes, “os homens precisavam de um Estado forte que os proteja, a ausência de um poder superior resultava na guerra. O ser humano, que é egoísta, se submetia a um poder maior, somente para que pudesse viver em paz e também ter condição de prosperar”. No entanto, ao longo da História da Humanidade, sempre que a sociedade se sente injustiçada ou lesada recorre ao “protesto” para junto do Governo revindicar os seus direitos, mas, para o caso de Moçambique, a lei do direito à greve carece de revisão. Pois não se define ao certo a fronteira entre o protesto/manifestação e vandalismo, bem como os limites da carga policial em casos de restabelecimento da ordem pública.

Como rever uma lei cuja aplicação incomoda alguns?

A Lei do direito à manifestação foi aprovada em 1991, ou seja, antes da assinatura do Acordo Geral de Paz e logo após a revisão da Constituição de 1990, que introduziu profundas transformações no panorama político nacional, incluindo um novo pacote de direitos, liberdades e garantias fundamentais.

É, sem dúvidas, uma lei inovadora e progressista para o tempo em que foi aprovada, desde o seu âmbito de aplicação, com limitações objectivas, até às garantias dos cidadãos, incluindo o acesso aos tribunais para impugnar proibições ilegais. Infelizmente, a evolução da mentalidade política regrediu nos últimos tempos, o que evidencia através da amputação do espaço cívico e a consequente proibição ilegal do exercício de manifestações que visem exprimir insatisfação ou discordância com o status quo.

(Direito à liberdade de reunião e de manifestação) “Todos os cidadãos têm direito à liberdade de reunião, protesto e manifestação nos termos da lei”. ARTIGO 52 (Liberdade de associação).
Por sua vez, o sociólogo e professor catedrático, Elísio Macamo, entende que, protesto, também chamado de manifestação, é uma reacção solitária ou em grupo, de carácter público, contra ou a favor de um determinado evento ou pensamento.

É na tentativa de representar em arte esta reacção de carácter público que as artes, em forma de teatro, reflectem sobre os problemas dos resultados eleitorais. O problema é de natureza político, mas a melhor forma de descrever as emoções é através da representação [teatro] onde, acena central está à volta da captura do sentimento de revolta, por isso a peça teatral é intitulada “o protesto”.

A peça teatral “O protesto”, dirigida por Maholele, está inserida nas actividades da Fundação Fernando Leite Couto, (FFLC), e foi apresentada no dia 18 de Setembro, pelas 18h, em um espectáculo realizado fora de casa, no espaço recreativo, Makhal´Artes, localizado no Bairro Polana Caniço B.

Inspirada pelas manifestações ocorridas em Maputo, no ano passado, devido à indignação face aos resultados eleitorais autárquicas, o encenador da obra utiliza o corpo como instrumento de resistência, visto que, na sociedade moçambicana, as vozes dos cidadãos são frequentemente silenciadas.

Nesse sentido, a peça explora o conflito entre o poder colectivo e o sistema (governo), bem como a luta por direitos e as emoções que surgem em momentos de protesto. Além disso, o espectáculo constrói sua narrativa sem o uso de uma linguagem verbal, apostando em elementos visuais, sonoros e corporais para transmitir a sua mensagem.

A peça teatral é caracterizada pelo cenário minimalista [uso de poucos objectos no palco], recria o ambiente urbano onde ocorrem as manifestações. Assim, as folhas espalhadas pelo chão do palco ajudam a caracterizar o espaço como um local de protesto, representando a volatilidade e imprevisibilidade desse tipo de evento. Ademais, a iluminação contribui de forma significativa para a atmosfera da peça, uma vez que utiliza cores quentes, como vermelho e laranja, para reflectir o estado emocional dos personagens.

Diferente do habitual, nesta peça teatral, a cor vermelha não representa o amor, mas, sim, é símbolo de dor e raiva. Ao longo do espectáculo, é possível perceber que a cor vermelha é um símbolo categórico do fogo e de sangue.

A cor laranja significa alegria, vitalidade, prosperidade e sucesso. É uma cor quente resultado da mistura das cores primárias vermelho e amarelo. Está associada à criatividade, pois o seu uso desperta a mente e auxilia no processo de assimilação de novas ideias. Também está associada à amizade, energia e confiança. O laranja também é uma cor intensa, porém menos agressiva que o vermelho e mais agradável aos olhos.
Dessa forma, ao longo do espectáculo, a luz acompanha os movimentos dos actores, ajustando-se tanto aos momentos de calmaria quanto aos de maior intensidade.

Por outro lado, a trilha sonora desempenha um papel fundamental na construção da narrativa, cria o ritmo das manifestações e conecta o público ao contexto sociopolítico retratado. Onde as batidas fortes suscitam a ideia de perseguição, os gritos revelam o momento de caos, dor nos olhos devido à irritação na pupila causada por monóxido de carbono [substância altamente venenosa contida em gás lacrimogéneo, que é frequentemente usada pela polícia em situações de greve ou manifestações]. Do mesmo modo, o figurino contribui para a caracterização das personagens, o tecido farpado, gasto sem cor e com vários furos representa trabalhadores cansados e frustrados com o sistema. Assim, o vestuário complementa o cenário e a trilha sonora, ajudando a criar uma harmonia entre os diversos elementos da peça.

Além disso, a coreografia é outro aspecto essencial para a construção da narrativa, visto que, simboliza a força do colectivo. As batidas fortes e simultâneo no chão remetem a uma ideia de marcha militar, como quem está decidido a lutar pelos seus direitos e defender a pátria que muitas vezes é lesada. Desse modo, os movimentos dos actores, que mesclam caos e ordem, reflectem a dinâmica imprevisível de um protesto. Por fim, as personagens trazem à tona diferentes facetas da sociedade, já que cada um simboliza uma posição dentro do movimento social retratado. Consequentemente, a diversidade de perspectivas enriquece a narrativa e contribui para o envolvimento do público com a obra.

Em suma, “O Protesto” é uma peça teatral que, por meio de uma combinação harmoniosa de cenário, iluminação, trilha sonora, figurino, coreografia e personagens, oferece uma experiência sensorial e imersiva. Assim, o espectáculo consegue transmitir, de maneira impactante, as complexidades e emoções que envolvem uma manifestação popular, convidando o público a reflectir sobre questões sociais e políticas.

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