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O nosso querido ditador

Eis que fui a um colóquio… não, apresentação de um livro, disfarçado de colóquio. Na minha opinião, desnecessariamente porque é normal fazer menção à verdadeira intenção por detrás de um colóquio, até porque várias vezes, por coincidência, há livros a serem apresentados em colóquios. Bom! Então, depois do “colóquio” houve “petiscas e bebes” em redor da venda da obra.

– Ah, és de Moçambique… vocês tiveram uma história um tanto triste… e com um vizinho como a África do Sul ao lado, foi mesmo péssimo!
– Ah sim? De que fala?
– Falo do comunismo/socialismo…
– Mas fala da ideologia ou de Moçambique?
– …
– Não, é que imagino que a crítica que tenha a fazer seja geral, da ideologia, tal como lhe foi incutida na perspectiva ocidental. Deixe-me dizer-lhe isto: no caso de Moçambique, não foi tão mau assim…
– Mas e a ditadura?
– Qual ditadura? Ditadura é relativa…
– Ohohoho, nunca ouvi essa!
– Pois não, porque cresceu no tempo em que ou se era comunista ou se era democrata. Diferença equivalente ao diabo e o anjo, respectivamente… e hoje em dia, sabemos que assim não é nem nunca foi! Socialismo foi (comparativamente) o mal mais necessário para que tivéssemos a oportunidade de construir uma identidade nacional, depois da era colonial. Após o colonialismo, como é que se poderia ser pró-capitalismo? Afinal lutámos para construir uma nação ou para construir uma empresa? O capitalismo em si, nunca teve consideração para com valores de igualdade entre os Homens. Em nome do capitalismo sustentou-se a escravatura, o colonialismo, as invasões ao Vietname, Coreia, Cuba, Nicaragua (…) e o apoio aos movimentos beligerantes em África…
– Olha lá, quantos anos tens?
– Porquê?
– Vá lá, diz-me… eu tenho 50…
– E eu trinta e tal… continuando, o nosso ditador (em particular) era mais ditador para vocês e não para nós os moçambicanos. Era ditador porque não vos deixava entrar massivamente com os vossos produtos, marcas e estilo de vida virado para o consumismo sem limites! Era para vocês ditador porque escolheu o vosso inimigo como aliado! Estavam a perder zonas de influência para o inimigo, o que vos diminuiria a hegemonia mundial!
– Mas o teu querido ditador… não matou inocentes?
– Não tão aleatoriamente assim. E os vossos regimes democráticos, capitalistas, não matam inocentes? Ok. Portanto, nós precisávamos de espaço para aprender a ser donos da nossa terra; a amá-la e a criar mecanismos mentais e fisicos para defendê-la contra qualquer invasão desistabilizadora, incluindo a da globalização! Está a imaginar nós a gostarmos de Mcdonalds mais do que de um caril de amendoim?
– Isolamento, portanto. Tal como foi o caso de Cuba, que acabou moribunda e tal como é o caso da Coreia do Norte.
– Nada disso, nós tinhamos os nossos cooperantes. O que é certo é que precisávamos de tempo para incutir valores que nos identificassem como nação e o nosso ditador fê-lo de forma extremamente dedicada e marcante. Por isso é que ele é recordado em Moçambique com muito carinho, ao contrário do que deveria ser, caso tivesse sido o ditador que vocês o rotularam ser. O nosso ditador é hoje em dia fonte de princípios morais; é a nossa bíblia sagrada!
– Sabes, eu também sou socialista…
– Ahaha, em prol da diferença ou por uma questão de princípio? Sim porque anarquismo é “in” por estas bandas…
– Ouve lá, “in” com a minha idade?

Em jeito de sabotagem:

Socialismo – humanismo para com o próximo/Capitalismo ­– animalismo para com o próximo;
Socialismo – aplicação de penas de forma severa, explícita/Capitalismo – aplicação de penas severas, muitas vezes de forma oculta;
Socialismo – combate inimigos reais/Capitalismo – combate inimigos fictícios, inventados por si, para legitimar democraticamente (ou não) a sua invasão a países terceiros e ingerência em assuntos internos;
Socialismo – a maior parte de bens de primeira necessidade é grátis/Capitalismo – tudo vende-se. Se não tens dinheiro para pagar a tua estadia no hospital, a tua permanência será interrompida, sem qualquer preocupação com o teu potencial perecimento;
Socialismo – controle estatal severo, explícito/Capitalismo – câmaras por todo o lado; escutas telefónicas; hacking de computadores; todos os dados pessoais devem ser declarados em todas as instituições. Liberdade aparente, portanto…

 

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