Uma investigação da nossa equipa de reportagem revela esquemas ilícitos no sector de combustíveis em Nampula, que vão da construção ilegal de bombas de combustíveis à prática de preços abaixo do estipulado pelo regulador, assim como a fraca actuação das instituições de fiscalização – um cenário que se repete por outras grandes cidades e segundo investigadores, pode ser uma fonte de lavagem de dinheiro.
A cidade de Nampula transformou-se nos últimos tempos num mercado apetecível para o negócio de combustíveis líquidos. São tantas bombas que surgiram, muitas delas sem respeitar as exigências impostas pelo Regulamento de Construção, Exploração e Segurança dos Postos de Abastecimento de Combustíveis Líquidos, que nos números três e quatro do artigo 79 determina que:
“A distância mínima entre dois postos de abastecimento na mesma faixa de rodagem dentro das zonas ABC e D descritas no Decreto n.° 45 de 28 de Dezembro de 2012 deve ser de 5 km lineares”, “Entretanto, esta distância poderá ser encurtada para um mínimo de 1,5 km sempre que devidamente comprovada a incapacidade de um normal abastecimento da unidade existente da demanda do consumo desse local, depois de explorada a possibilidade de expansão dessa mesma unidade, cabendo essa decisão ao Ministro que tutela a área de energia…”
Mas no terreno, verifica-se uma anarquia total. A Avenida do Trabalho é disso um exemplo, onde na chamada zona da Faina é onde reside a expressão máxima da anarquia, encontrando-se na mesma faixa de rodagem, num espaço de menos de dois quilómetros, encontra-se tantos postos de abastecimento de combustíveis, nalguns casos, um ao lado da outro.
A situação está a tirar sono à Associação de Revendedores de Combustíveis que fala de um negócio praticado de forma selvagem.
“Todos os dias há uma nova construção de bombas e o parque automóvel em Nampula, ou em outra província em Moçambique não é tão grande a esse ponto. Não se respeita a regras de distanciamento dos locais onde devem ser implantadas, não se respeita nada” denuncia Fayade Hassam, daquela associação.
Uma delas está a ser construída ao longo da avenida das FPLM (na cidade de Nampula), depois da ponte sobre o rio Muhala.
Trata-se de um dos exemplos mais visível das irregularidades. Através de um documento datado de 07 de Agosto de 2019, a equipa técnica da então Direcção Provincial de Recursos Minerais e Energia, depois de uma verificação prévia, concluiu que o espaço era favorável para a implementação de um posto de abastecimento de combustível e recomendou que antes da construção, o proprietário devia reunir outros documentos como a licença de ocupação do solo, do Meio Ambiente e da Administração Nacional de Estradas, ANE.
Entretanto, mesmo antes disso, a obra começou e a seguir teve que ser embargada porque a ANE não deu um parecer favorável por achar que estava a ser violado o regulamento que citamos no início deste texto de reportagem que define o mínimo de distância entre a bomba e a estrada e proíbe a construção de bombas num entroncamento, tal como está a acontecer.
Todavia, a nossa equipa de investigação fez-se ao local e notou que as obras decorriam, ainda que a meio gás. Em contacto com um dos encarregados da obra, tivemos a confirmação de que as mesmas tinham sido paralisadas e recentemente foi retomada a construção.
“Paramos um pouco e retomamos esta semana [semana passada]. Temos pequenos trabalhos pendentes, então estamos a tentar terminar. Tínhamos um ritmo um pouco acelerado, mas tinha um documento que dizia…a parte da ANE, por causa da estrada, porque a estrada estava um pouco perto, mas já legalizaram”, confirmou.
Essa legalização, no entanto, não é confirmada pelo director do Serviço Provincial de Infra-estruturas em Nampula, Gil de Carvalho, que fala do embargo daquela e de mais duas bombas na cidade de Nampula.
“Já fizemos o embargo de três bombas de combustíveis ao nível da cidade de Nampula, porque para além de não obedecerem a legislação, não reuniam os requisitos”.
E um dos requisitos exigidos por lei é o cumprimento do preço de venda de combustíveis ao público, estipulado pelo decreto 45/2012, de 28 de Dezembro, que no seu artigo 69 diz que compete à Autoridade Reguladora de Energia determinar o preço de venda ao público a praticar em todo o território nacional.
Mas não é o que acontece. A nossa equipa de investigação conseguiu identificar três bombas na cidade de Nampula que aceitam descontos a partir de um certo volume de abastecimento.
Há desconto para casos de abastecimento em grandes quantidades? Questionamos o funcionário da bomba, ao que respondeu: “só falando com o boss”, mas é possível ter desconto, insistimos, e a resposta foi categórica: “é possível”.
No segundo ponto, um dos intermediários, por sinal estrangeiro, parecia desconfiado e remete-nos ao seu chefe. “Se forem camiões para uma empresa, é melhor sentar e discutir com o patrão”.
Na terceira bomba, a negociação é feita no escritório, e também há confirmação de desconto de dois meticais por litro para um abastecimento a partir de 100 litros. “Para 100 litros vou dar dois meticais de desconto”.
A Associação dos Revendedores de Combustível diz que a existência de bombas que fazem descontos não só é contra a lei, como também configura uma concorrência desleal.
“A margem de lucro estipulada pelo Governo é de 6,15 meticais neste momento, incluindo o IVA. Então, não se justifica ter um desconto acima de 6,12 meticais, e isso é o que acontece e muitas das vezes, as bombas que fazem isso são de linha branca, aquelas que não estão associadas a uma marca”, avançou Fayade Hassam, da Associação de Revendedores de Combustíveis.
Perante estes factos, o director do Serviço Provincial de Infra-Estruturas reconheceu que o esquema está tão sofisticado que consegue enganar os fiscais. “O que tem acontecido muitas vezes é que as nossas equipas de fiscalização passam nos locais e apanham as tabelas fixadas por lei, mas o que nos apercebemos é que fixam aquelas tabelas, mas quando aparece um cliente que quer combustível em grandes quantidades eles acabam fazendo uma redução. Mas estamos a trabalhar para podermos perceber quais são as bombas que estão a fazer esta promoção”, concluiu Do Rosário.
Os terminais oceânicos de combustíveis podem ser uma das fontes que alimentam o circuito informal de combustível, onde saem grandes quantidades de combustível que depois é vendido a preços baixos no mercado paralelo. Em Julho deste ano, foi frustrado um suposto esquema de saída de combustível.
Tratou-se de 220 mil litros de gasolina avaliada em cerca de 14 milhões de meticais. A acção começou nos armazéns da Petromoc na Beira, onde foram requisitados por uma empresa que manuseia combustíveis 240 mil litros de combustível para o abastecimento de um navio internacional que estava atracado no Porto de Pesca da Beira.
“Os seis camiões que transportavam cerca de 240 mil litros de combustível não foram totalmente destinados a este navio. Parte desse combustível foi abastecido ao navio, mas outra parte ia para o descaminho”, disse na altura António Camacho, porta-voz das Alfândegas de Moçambique na Beira.
O responsável da Petromoc na Beira, António Camacho, disse na ocasião, que a sua instituição não estava envolvida no descaminho de combustível, e deu a seguinte justificação: “foi apenas um camião apreendido, e porque as Alfândegas acharam que o caminho seria o mesmo, apreendeu os outros três. O camião saiu sem autorização de um ponto para outro, que está na mesma área de jurisdição. Foi uma falha apenas de procedimento”.
Verdade ou não, o facto é que o negócio de combustíveis tem suscitado grande interesse de pessoas e empresas legais, assim como das redes que fazem parte do circuito paralelo. O investigador Raul Chambote avança: “quando em 2016 embarquei num estudo da tragédia de Caphirizange, o que nos foi apresentado publicamente pelos factos é que houve uma explosão por causa da pobreza; os jovens vão com bidões aqui e acolá para roubarem e comercializarem combustível, mas o estudo ensinou-me outra coisa: que o negócio de combustíveis não é de pobres. É um negócio controlado por gente muito poderosa, bastante influenciadora de processos e controla muito bem a fonte e o destino final onde estão os clientes”.