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O melhor de Mbie em Mafu

Ao Belmiro Quive, amizade…

O melhor dos poetas está na flor que a palavra não descreve

Mirette Muzi

Traduzido do cicopi para português… Mafu significa areia [e por que não terra?], aí onde encontramos “o chão de todas as coisas”, a génesis e o apocalipse. É esse o título do segundo álbum de Albino Mbie, músico cujos créditos vão se multiplicando ao ritmo do vento, com muita originalidade. Bem visto, o próprio título do segundo disco de Mbie revela esse poder criativo, que se robustece com uma imaginação baseada em argumentos simples, a sugerirem sempre um regresso de espírito para quem há anos vive nos Estados Unidos.

O músico, este guitarrista previamente conotado com monstruosidade dos bons, é um daqueles artistas que, estando no estrangeiro, conforme nos referimos no artigo “Os recriadores da tradição II – uma escuta aos grandes”, mantém-se leal a um conjunto de valores moçambicanos, sintetizados na mundividência, na valorização da língua como elemento que engrandece o discurso apresentado na musicalidade. Não é por acaso que este disco, constituído por 12 temas, tem nove em línguas bantu, mesmo tendo sido editado na América. Só por aí, temos elementos que nos revelam a importância que o músico dá à sua origem, facto já manifestado no seu álbum de estreia: Mozambican dance.

Quem conhece Albino Mbie sabe que é um sujeito tranquilo, sereno. No diálogo, sabe ser breve ao dizer e paciente ao ouvir. Estas características do homem atinentes ao estado de alma aparecem constantemente nas composições do artista, daí podermos escutar as músicas em qualquer momento do dia, como se tudo fosse uma conversa que, na verdade, não deixa de ser. Mas o melhor de Albino Mbie, neste Mafu, não está nisso, em particular, e sim numa outra coisa: a lírica. Por via desta combinação poética que tanto enaltece os sentimentos do “eu”, não importa se fictício, Mbie é comovente, convincente e cativante, pois consegue transparecer o sentimento de estar a sentir a dor “fingida”, a que “deveras sente”. Fernando Pessoa. Por exemplo, em “Xiluva”, uma das melhores músicas deste disco, Albino Mbie consegue transformar um tema cliché, muito cantado por várias gerações moçambicanas, numa obra bela, com um perfeito uso da hipérbole no coro, quando um sujeito nos diz que não existe uma flor mais brilhante do que a sua musa. Esse “mafioso” armado em galanteador sabe muito bem que existe uma “Xiluva” mais linda do que a dele, mas diz o que deve ser dito, da maneira mais arrebatador, de modo a alcançar os seus interesses. Além disso, o carácter narratico da música, num tom humilde, “coitado” até, faz da letra penetrante – ainda bem que a “Xiluva” em causa não se chama, nem de longe, Angélica Pereira. Aí, sim, este artigo teria tudo de violento.

À parte o desabafo, o efeito lírico da composição de Albino Mbie aparece bem executado na quarta música do disco, “Rosa”, um tema muito melancólico, feito serenata, na qual o maior objectivo da entidade textual é ter aberta a porta do coração dessa rapariga que pode ser qualquer uma, menos Angélica. “Hodi nili hodi. Nipfulele n’kata”. Fany Mpfumo. Aqui, de facto, Mbie investe num amor feito Jack Dawson e Rose Bukater. Ideal até às últimas consequências, como se ele fosse uma espécie de James Cameron. O que o músico nos está a dizer é que o amor, esse “Lirandzo” que faz a nona faixa, é tudo que vê, ouve e sente. Por essa razão, o empenho numa busca que o permite aprender sobre “xa vutomi”, a vida. “Lirandzo” é acústico, e apresenta um dado interessante. Se em “Rosa” encontramos voz com pretensão de conquistar, em “Lirandzo” temos uma que se dá por satisfeita por ter conseguido cantar a sua Marilyn Monroe numa versão muito refinada.  Muito bom!

Com efeito, há uma sequência lógica neste Mafu. Os temas estão relacionados, nessa conexão entre “eu” e “tu” (subentendido), enaltecendo um bem-estar incondicional. “Zula mbilo” é um exemplo claro disso, de uma música feita para as pessoas, para as pacificar, tornando-as generosas com elas mesmas. “Zula mbilo” significa sossegue o coração e traz a preocupação por uma humanidade feliz. A música que intitula o álbum, a sexta, “Mafu”, é também exemplo dessa preocupação pelo bem do próximo, daí possuir muito aconselhamento.

Nem mais, Mafu é a personificação de uma voz doce, feita de textos bem assentes no chão, portanto, na areia.

 

Título: Mafu

Autor: Albino Mbie

Editora: AM Productions

Classificação: 16

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