“Vamos todos encher o Franco”. Ousado não é? Este foi o título do primeiro concerto de Danilo Malele desde que o grupo Trio Fam se desfez, quem no universo hip-hop identifica-se como Kloro. Nesta nova aparição, o rapper aparece como Xigumandzene, termo changana que significa mais novo. Xigumandzene é também a nova sugestão discográfica do artista em forma de “mixtape” e, por que não, uma forma alternativa que Kloro encontrou para se reenquadrar no universo hip-hop.
O trabalho de casa foi bem feito, não só pelo mais novo dos Malleles, mas também pela Rádio Cidade, a pretexto da comemoração dos 24 anos daquela estação emissora. E a mensagem chegou, viu-se muito antes do espectáculo começar. O pátio do Centro Cultural Franco-Moçambicano já tinha gente, entre risos e conversas soltas. Era o prenúncio de uma noite que inaugura um novo paradigma no hip-hop nacional.
O grande sonho do Kloro era de encher o Franco-Moçambicano na última sexta-feira, espaço que simbolicamente tem um grande valor para o rapper. Foi ali onde actuou há 20 anos, antes mesmo dos Trio Fam surgir, num concerto dos Rappers Unit – um dos grupos que inaugura a trajectória do hip-hop moçambicano – onde fazia parte seu irmão Hélder Leonel. Leonel – locutor do programa “Hip-hop Time” da Rádio Cidade – foi uma das pessoas que fez a propaganda para que se enchesse o Franco. A sua arma de massificação foi bem eficiente, por isso o Franco… encheu.
Mas nos primeiros instantes a sala tinha assentos vazios só com o tempo ficou composta. Mas, como clarificou o artista, o objectivo, no fundo, era mais do que encher o espaço. Kloro queria, e conseguiu, encher mentes com mensagens motivadoras.
Mais que espectáculo
A bateria, os microfones, as guitarras, o teclado e as colunas denunciavam um espectáculo ao vivo. Os ânimos dos que entravam na sala elevavam-se perante a imagem do palco, ainda que os três sofás colocassem dúvidas do que na verdade iria acontecer. As primeiras ilações que se podiam tirar é que não seria apenas um espectáculo, mas uma noite de conversa sentados à mesa, tal como fazem pessoas civilizadas.
Não há dúvida que Kloro seja civilizado, os seus 20 anos de carreira ensinaram-lhe o suficiente. O espectáculo começa como quem sai do quarto para sala à madrugada. Kloro trazia roupa de dormir e peúgas compridas e foi acomodar-se na poltrona. Era o início do show. Não, o início de uma revolução. Afinal, é possível fazer um espectáculo só de um artista de hip-hop nacional e, como se não bastasse, lotar o sítio? Esta é a pergunta que este concerto sugeriu. A resposta viu-se em cada mão levantada, em cada assobio dado, em cada grito feito e em cada salva de palmas: sim, é possível.
“Música da sociedade” foi a faixa escolhida para iniciar o périplo pela “mixtape”. Logo nos primeiros minutos, houve barulho na sala e até ao fim das intensas duas horas o barulho prevaleceu.
A banda, composta por Mauro no teclado, Texito Langa na Bateria, Michael na guitarra, Mitó no baixo, fez uma aventura sonora sem igual. O entrosamento foi notável. Não faltou maturidade na execução. Teknik e Teg nos coros estiveram igualmente bem, se houvesse mais sintonia entre os dois seria melhor. Mas Kloro fez questão de acautelar quaisquer erros, dizendo que se trata de espectáculo para família e que as falhas claramente existiriam.
Houve falhas sim, mas são aspectos minúsculos para aquilo que representa o início desta revolução cultural. Esta revolução resgatou também vozes que há muito não apareciam. Caso é de Nelson Nhachungue, quem participou na segunda música do espectáculo: “sonhos”. O jovem anda sim desaparecido, mas não anda encalhado. Dice também subiu ao palco para cantar “Família em primeiro”.
Não foi apenas uma noite de actuação, antes da música, Kloro tratou de encorajar os presentes a seguirem os seus sonhos independentemente do julgamento de outrem. Ele decidiu fazer música, ponto final. “Conseguimos encher o Franco, o primeiro sonho foi alcançado”, disse Nhachungue antes de abandonar o palco.
“Imaginação”, “Claramente Puto”, “Killa”, “Par Ideal”, “Corpo da Cidade”, “Não Posso Esperar”, “Música da Sociedade” foram outras músicas que entraram no pacote e com elas novos rostos da música, membros da Indústria do Bom Som (IBS).
Trio Fam: a família
O humorista Rico fez toda a diferença nos intervalos do concerto. Quem se sentiu cansado pela agitação da música renovou-se com a boa disposição trazida por um dos percursores do “stand up comedy” em Moçambique. A ele coube o convite aos Trio Fam, um dos mais referenciados colectivos quando o assunto é hip-hop nacional. O grupo desfez-se, mas a “revolução” tratou de os juntar no mesmo palco novamente. Foi uma oportunidade para que seus seguidores matassem as saudades de músicas como “Tu és tão linda” e “Dje Dje”.
É. O Franco encheu e o hip-hop agradece