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“O bebedor de horizontes é o maior desafio do meu percurso literário”

Mia Couto lançou o terceiro livro da trilogia As areias do imperador: O bebedor de horizontes. A cerimónia de lançamento realizou-se ontem à noite, na Fundação Fernando Leite Couto, em Maputo, e contou com a presença de muitos leitores sedentos em ler o livro. Um desses leitores foi o Presidente da República, Filipe Nyusi, que na sua breve intervenção confessou estar ansioso em ler a nova obra do escritor.

Nyusi foi curto, mas disse o que lhe ia à alma, ao referir-se à razão que lhe levou àquela instituição cultural: “Eu cacei este dia. Já tinha dito ao Fernando, irmão do Mia Couto, que queria vir conhecer este espaço, e, quando soube do lançamento do livro, encontramos o dia. Este é um espaço de reencontro, reconciliação e de estórias, onde se exerce o poder da transparência”, disse o Presidente, elogiando a capacidade que a narrativa de Mia tem em envolver os leitores.

E o Presidente ainda aproveitou a ocasião para felicitar a família Couto por transformar a casa que um dia pertenceu aos pais de Mia numa Fundação onde o mundo se encontra e busca inspiração. “Se todas as famílias criarem espaços como este, não haverá fronteira para nada, porque encontraremos soluções para tudo que é necessário”.

E quanto à estrela da noite, bem, Mia começou a sua intervenção com um desabafo, a ter em conta para quem escreveu tantos livros: “ao longo do meu percurso literário, este [O bebedor de horizontes] foi o meu maior desafio literário, do qual saí esgotado, feliz e mais acompanhado, percebendo esta coisa que se diz em relação à ideia de que o texto literário é uma mentira e que o escritor, coitado, já é mal pago e que não deveria ser pago de todo, porque não se deve encorajar a mentira”, gracejou Mia. Mas não ficou por aí. O escritor disse que o atenuante que tem é saber que a mentira em causa não engana a ninguém. E qual é a mentira, afinal? Uma delas, de acordo com Mia, é a de que, ao escrever o livro, esteve a fingir estar a falar de outras pessoas que já não estão connosco, quando está a falar de nós próprios. “Eu estou a mentir que estou a falar do passado, mas estou a falar do presente. É isso que me interessa e foi isso que me entusiasmou a escrever este livro porque a obra levou-me a revisitar esse tempo que parece já ter passado. Nós nos desconhecemos muito, então é preciso uma viagem que é feita dentro nós, mas que precisa desse contacto permanente com os outros, de maneira que os outros deixem de ser outros e passem a ser alguém que está dentro de nós. Estas falsas diferenças que nos dividem e que hoje se colocam mais uma vez, por via da literatura, mostram-nos que são superficiais e circunstanciais”.

Mia Couto aproveitou ainda a cerimónia para elogiar o Presidente da República: “Esta proposta para encontrar o outro e perceber que o outro é muito próximo do que nós pensávamos, está aqui corporizada pelo Presidente da República. Vocês conhecem a minha posição crítica em relação às questões sociais e políticas, portanto, ninguém me pode acusar de bajulação ou de qualquer “lambebotismo”. Preciso dizer isto porque esta proposta que nos vem desde que o Presidente tomou posse, contra tudo e contra todos estabelecer diálogos e pontes, traz aqui uma grande esperança de Moçambique encontrar um tempo seu para que possa ser feliz”. Depois das palavras, Mia ofereceu um exemplar a Filipe Nyusi.

E quanto aos apresentadores? Como é óbvio, também tiveram uma oportunidade de dizer o que pensam sobre O bebedor de horizontes. O primeiro a intervir foi Severino Ngoenha, quem entende que o livro de Mia Couto encanta porque reinventa uma nova Gaza, Lourenço Marques e um novo Ngungunyane. E o mais importante, é um livro que ensina a sonhar. “O livro não nos diz tanto o que aconteceu no passado, mas o que nos toca no nosso presente, as nossas preocupações e as nossas dificuldades”, afirmou Ngoenha.

Lourenço do Rosário, o outro apresentador do livro, ao tecer seu comentário sobre a narrativa, disse que Mia já não é um contador de estórias, é um filósofo das narrativas do passado com uma acutilância que nos toca no presente, por ser actual.

 

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