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“O amor nos tempos de cólera” em Luís Artur

Deus ajuda os bons quando são melhores que os maus
Isabel Allende

119 páginas fazem o livro A pátria do João Lucas, de Luís Artur, o qual baloiça entre a novela burlesca e o romance. É um livro de leitura fácil, cuja beleza discursiva é a que mais surpreende o leitor que entra em contacto com o autor, rico por possuir várias estórias contadas numa, por um narrador brilhante, com alto sentido de humor (isto vai dar teatro) e que, por isso, obriga-nos a ler com um sorriso guardado perto, pronto a manifestar.

Aparentemente, temos neste livro de Artur uma estória quotidiana, entre João Lucas e Rosa, dois namorados à moda antiga, daqueles casais que o amor é um meio para se chegar a um fim… à felicidade… Mas essa finalidade é interrompida, porque, nos tempos de cólera, entre guns and roses a vitória balança para a força. Assim, à saída de uma sala de cinema, o que era para ser até à morte é brutalmente interrompido por um conjunto de soldados que viu no João um potencial recruta. Daí, o nosso protagonista vai à tropa, levando consigo apenas uma bagagem de sonhos encarcerados no coração, portanto, insuficientes para continuar a ter sua Rosa perto de si.

Toda a estória de amor entre João e Rosa é contada de modo envolvente, com recurso a esses vai e vem provocados por analepses oportunamente inseridas no relato. Tudo a condizer do ponto de vista do relato diegético e de construção desse universo fictício. A alternância de focalizações, sobretudo omnisciente e externa, são elementos-chave nessa busca por verosimilhança atinente a uma realidade que nos tocou, para que o passado não fique perdido.

A partir do amor, este belo livro de Luís Artur conduz-nos a Nhezi e arredores. De lá, sem que nada seja forçado, confluímos nos anos da guerra entre uma posição e os tipos armados em bandidos. É essa cólera de uma atmosfera insana, envolvendo duas alas e muitos mais, que, comprometendo o sentimento do nosso casal, desterrando famílias (veja-se o rumo que tiveram Mandava e Julieta, pais de João), faz com que a astúcia do poder representado no comandante Bila ou na IGREJA UNIVERSAL REINO DOS RICOS vença. Bila é sinédoque do que a força é capaz na sua essência. De forma peremptória, Bila torna-se o vilão que se esmera para domar Rosa, vítima do seu próprio amor e da sua ingenuidade.  

A pátria do João Lucas é ainda um notável livro porque as linhas que fazem o enredo garantem uma sucessão de frases feitas com eufemismo e troça, motivadas pela vontade narrativa de minimizar o peso das circunstâncias. Logo, é comum encontrarmos no livro frases como: “o senhor Mandava chegou à casa mais cedo do que o costume. Pegou um autocarro expresso, que de expresso só tinha preço” (p. 44) ou “o cemitério tinha engordado tanto, que foi impedido de comer mais” (p. 52). Com isso, o livro não deixa de encarnar a alma das maiorias nessa vitimização imposta pelo poder que as impele (as maiorias) ao sofrimento e à fuga, no mato ou noutras direcções, porque a fronteira entre o inimigo e o aliado é ténue no que às balas diz respeito.  

Contudo, os últimos dois capítulos do livro mereciam ser outra coisa, pois bem poderiam estar mais ligados ao passado de João. Mandava, Julieta, ainda se entende, mas Rosa e Bila desaparecem precoce do foco narrativo. Aí faltaram eventos que justificassem a escolha do narrador em relação ao sumiço daquelas personagens, que até é oportuna – faz com que o leitor imagine mais. O retrato emocional de João também poderia ser mais catártico, considerando toda a trajectória negativa que a sua vida teve e o facto de Deus não lhe ter ajudado, quiçá, por não ser melhor que o mau (Bila). Seja como for, esta A pátria do João Lucas não deixa de ser uma grande obra (escrita com uma graça que muito nos lembra Hinyambaan, de João Paulo Borges Coelho), confrontando, como nos diria García Márquez, o amor aos tempos de cólera.

Título: A pátria do João Lucas
Autor: Luís Artur
Editora: Fundação Fernando Leite Couto
Classificação: 16.5

 

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