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Num “mar de contestações”, UnISCED forma enfermeiros à distância e on-line

Há uma universidade que forma enfermeiros à distância e on-line. A instituição não teve um parecer favorável do Ministério do Ensino Superior, que alerta que não vai reconhecer os títulos adquiridos naquela modalidade. Já a Ordem dos  Enfermeiros diz que não vai atribuir carteira profissional aos formandos que saírem da instituição.

Enfermeiros. Profissionais que lidam com a vida. Estão sempre na linha da frente em todas as fases da vida do ser humano. Acompanham a trajectória de vida de cada pessoa até ao desfecho: a morte. Uma profissão delicada, de cuidado e exigente. 

Estes profissionais estão a ser formados remotamente por algumas universidades, nos níveis de licenciatura. 

O assunto é despoletado pela Ordem dos Enfermeiros de Moçambique, que acusa a Universidade Aberta ISCED de estar a banalizar o curso de enfermagem.

Esta acusação decorre do facto de a UnISCED estar a formar enfermeiros do nível de licenciatura à distância e on-line.

“Pela especificidade dos cursos de saúde, particularmente para o curso de Enfermagem, mesmo o ensino presencial apresenta um grande desafio do ponto de vista de garantia de qualidade da formação, desde recursos materiais e humanos, campos de estágios com acompanhamento efectivo”, começou por alertar, Maria Lourenço, bastonária da Ordem dos Enfermeiros de Moçambique. 

Assim, a agremiação dos enfermeiros “não recomenda nem aprova a formação do nível técnico, licenciatura  nem pós-graduação profissionalizante nesta modalidade”.  

A licenciatura em Enfermagem nesta modalidade é, segundo a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, um atentado ao Sistema Nacional de Saúde. “Vamos todos pensar a propósito desta enfermagem que nós todos gritamos com viva voz que vamos por uma enfermagem organizada, de qualidade e valorizada”, exortou Maria Lourenço. 

A Ordem dos Enfermeiros revela, ainda, que em nenhum momento a UnISCED foi autorizada a leccionar o curso de Enfermagem pelas instituições que o deveriam fazer.

“Em reuniões havidas entre a Ordem dos Enfermeiros, o Ministério da Saúde, como entidade que absorve esses formandos, e o Conselho de Avaliação de Qualidade de Ensino Superior, incluindo outras ordens profissionais como a Ordem dos Médicos, foi reiterado que não se  aprova nenhuma formação à distância para os cursos de saúde, especificamente os de enfermagem, medicina, entre outros que compõem a parte da prática hospitalar”, fundamentou a bastonária da Ordem dos Enfermeiros de Moçambique.

 

CURSOS DA UnISCED FORAM ACREDITADOS

Sucede, porém, que a UnISCED tem o certificado de acreditação para os 19 cursos que lecciona. A declaração de acreditação prévia foi atribuída à instituição de ensino a 22 de Junho de 2021, cuja validade é de cinco anos.

O documento atribuído pelo Instituto Nacional de Educação à Distância, tutelado pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, foi conseguido por vias, supostamente, desonestas, conforme consta deste despacho do Gabinete do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. 

Dada a complexidade do assunto, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior constatou o seguinte: 

Falta de comprovativo e uso indevido do Memorando de Entendimento entre a Ordem dos Enfermeiros de Moçambique e a UnISCED para a obtenção de acreditação de cursos técnico-profissionais e de licenciatura em Enfermagem, na modalidade de ensino à distância (on-line), junto do INED, confundindo, deste modo, o processo de avaliação para a acreditação destes;

O memorando referido na área de formação em enfermagem limitava-se a cursos de curta duração e pós-graduação, cuja ocorrência culminou com a rescisão unilateral do memorando em alusão por parte da Ordem dos Enfermeiros de Moçambique. 

O mesmo documento refere, ainda, que ficou evidente que: “Não houve certificação dos cursos técnico-profissionais e de licenciatura em Enfermagem na modalidade de ensino à distância (on-line) pelo Conselho Nacional Qualidade, bem como um parecer abonatório por parte da Ordem dos Enfermeiros de Moçambique”.

Depois do exposto, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior deu a conhecer o seu posicionamento. 

No documento de 14 de Dezembro de 2021, dirigido ao reitor da UNISCED, Prof. Doutor Isidro Manuel, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior posiciona-se nos seguintes termos: 

  1. É inadequada a aprendizagem teórico-prática para esta área de conhecimento em saúde objectivada para a prestação directa dos cuidados de saúde ao ser humano, quer no contexto preventivo, curativo, quer na promoção de saúde.
  2. O ensino presencial destes cursos ainda representa um grande desafio do ponto de vista de garantia de qualidade de formação, desde os recursos materiais, campos de estágio e pessoal qualificado para docência ao acompanhamento dos estágios, o que reforça a corrente mundial de estar contra esta modalidade de formação. 
  3. Este Ministério não é contra a tecnologia de Ensino à Distância em si, e não descura a importância da educação à distância. Todavia, não a considera aplicável para a formação inicial de licenciatura em Enfermagem no país, apesar da indicação de uso de um modelo híbrido.
  4. O perfil de entrada dos candidatos a profissionais de enfermagem não garante proficiência técnica de base, pois não se considera a área de actuação prática destes profissionais com formação técnico-profissional de enfermagem que nem sempre é assistencial. 

Por isso, conclui o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: “Não é de parecer favorável a este modelo de formação, não recomendando, consequentemente, o reconhecimento dos títulos obtidos, pois se pretende que a formação nesta área dignifique a profissão e concorra na prática de cuidados de saúde de qualidade, valorizando-se o objecto de trabalho desta profissão, que é o ser humano”. 

 

ENFERMEIROS FORMADOS “ON-LINE” NÃO TERÃO CARTEIRA

Uma vez que não reconhece este curso ministrado pela UNISCED, a Ordem dos Enfermeiros de Moçambique diz que não vai credenciar os profissionais formados por aquela universidade.

“Reiteramos que a Ordem dos Enfermeiros de Moçambique, como órgão regulador do ensino e exercício da profissão de Enfermagem, não vai reconhecer os títulos obtidos a partir desta modalidade de formação. Consequentemente, estarão vedadas as inscrições para a obtenção da Cédula Profissional, o que não lhe possibilitará exercer a profissão, assim como mudanças de carreira e a sua absorção no Sistema Nacional de Saúde”, revelou a bastonária da Ordem dos Enfermeiros de Moçambique.

A Ordem dos Enfermeiros de Moçambique vai mais longe ao afirmar que os profissionais que estejam a colaborar com a UnISCED estão em conflito com o código de ética e poderão ser responsabilizados.

“Aos enfermeiros que, na sua prática profissional, estejam a colaborar com esta formação, violam o que está plasmado no  Código de Ética e Deontologia dos Profissionais de Enfermagem em Moçambique, Capítulo IV, artigo 9º sobre as Práticas proibidas aos profissionais de Enfermagem no número 2 das alíneas f) e g) respectivamente que referem que trabalhar, colaborar ou ser cúmplice de pessoas físicas ou jurídica que desrespeitam princípios e normas que regulam o exercício profissional de Enfermagem”, alertou Maria Lourenço.

Através de documentos espalhados pelas direcções provinciais, o Ministério da Saúde, também, não emite um parecer favorável para a leccionação deste curso à distância e on-line e diz que não vai reconhecer os títulos adquiridos nesta modalidade, nem poderá aceitar a mudança de carreira dos profissionais que tenham feito a licenciatura na UNISCED.

 

UnISCED DIZ QUE ESTÁ AUTORIZADA A FORMAR ENFERMEIROS À DISTÂNCIA 

A universidade sobre a qual recaem as acusações reagiu, afirmando que foi, sim, autorizada a leccionar o curso de enfermagem. Diz mais: há mal-entendidos em torno do assunto. Por isso, esclarece que o curso de enfermagem se destina a profissionais de saúde já com alguma experiência e não a iniciantes, como se tem dito. Acusa, ainda, a Ordem dos Enfermeiros de Moçambique de calúnia e difamação.

Numa conferência de imprensa convocada a partir de Nampula, a UnISCED apresentou aos jornalistas o certificado de acreditação dos cursos e o alvará da universidade.

A instituição de ensino superior diz que é dispensável o parecer da Ordem dos Enfermeiros de Moçambique para a aprovação do curso de licenciatura em Enfermagem. “A Ordem é uma associação de profissionais de saúde. Quem acredita os cursos que as universidades oferecem não é a ordem. Naturalmente, a ordem entra para verificar se os profissionais formados nas universidades têm capacidades adquiridas para o exercício desta função”, contra-argumentou Zacarias Magibire,  porta-voz da UNISCED.

E, por isso, a UnISCED entende não fazer sentido que a Ordem não atribua carteiras profissionais aos enfermeiros formados naquela universidade. “A certificação de profissionais, qualquer que seja, não pode ser feita em função da universidade em que estudou, do modelo de ensino. Não é assim. Tem de ser em função do exame de qualificação, no qual o candidato mostra que tem capacidade e conhecimentos para exercer a profissão. É isto que a ordem deve seguir. É isto que é legal”, fundamenta Zacarias Magibire.

O porta-voz da UnISCED esclarece, ainda, que este curso não é para o público em geral. “Este curso destina-se aos enfermeiros em exercício com experiência profissional de, pelo menos, dois anos. Funciona no modelo híbrido, on-line e presencial. On-line é para as teorias e, para as partes práticas, o estudante vem, presencialmente, aos laboratórios humanísticos e às unidades sanitárias”, esclareceu o porta-voz da UNISCED. 

Segura de estar a operar dentro da legalidade, a UnISCED afirma que vai continuar a leccionar o curso de Enfermagem introduzido em 2021 e que conta, neste momento, com cerca de 300 estudantes. 

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