Os destinos da humanidade estiveram sempre nas mãos dos adultos.
São eles que traçam um futuro que seguramente não será o seu,
mas sim um futuro em que nós jovens teremos de viver.
in Eduardo Paixão
Uma narrativa envolvente, daquelas que habitualmente não são inventadas na literatura moçambicana. De forma prévia, ocorre-nos dizer isto do novo livro de Agnaldo Bata, como se sabe, menção honrosa do Prémio INCM/ Eugénio Lisboa 2018.
Intitulado Sonhos manchados, sonhos vividos, o romance de Bata é uma história ao estilo O fiel jardineiro, de John le Carré (como se observa no britânico, também em Bata existe uma personagem entendida em matérias de saúde, que investiga diagnósticos clínicos, interesses por detrás disso, teimosa e muito arrojada. No caso, Gertrudes, estagiária do Instituto Nacional de Saúde). Por isso, temos nesta proposta literária um conjunto de personagens genuínas, as quais não hesitam em intrometer-se em esquemas complicadíssimos, a envolver altas autoridades.
Resumidamente, o romance gira à volta das relações de amizade entre jovens que têm sonhos comuns, entretanto muito difíceis de concretizar. Ao invés de se deixarem levar pelas dificuldades, Gertrudes (a protagonista) e os seus amigos encontram formas de viverem os sonhos sempre por acontecer. Deste ponto de vista, o livro de Bata é um romance com um peso motivacional muito forte, pois derruba os limites responsáveis por conter os desejos de as pessoas voarem para outras altitudes. Certamente, há-de ter sido esta a intenção do autor ao escrever esta história muito próxima às circunstâncias em desenvolvimento na actualidade moçambicana.
Sonhos manchados é, igualmente, uma narrativa sobre desafios, sobre os amores e desamores para com o ser humano. Macossa é o centro de tudo isso e de um sentido patriótico bem assente na juventude humilde, aquela que não tem nenhuma propriedade, afinal um roubo: “basta a miragem na propriedade para um homem decente se tornar prepotente, um tirano” (Pepetela, 1992: 74-75).
A propósito de juventude, Bata dá eco àquela velha ideia bem dita por Eduardo Paixão em Cacimbo, um dos fantásticos romances moçambicanos: “os destinos da humanidade estiveram sempre nas mãos dos adultos. São eles que traçam um futuro que seguramente não será o seu [brexit?], mas sim um futuro em que nós jovens teremos de viver”. Como que atentos à gravidade desta afirmação, os jovens de Sonhos manchados desafiam o poder político, o status quo, sem ficarem à espera das possibilidades para fazerem o certo. No meio de uma tempestade, tomam um avião entre disparos da polícia no aeroporto e voam para Macossa (Manica). Objectivo? Ir desmascarar autoridades da Saúde que inventam uma falsa febre-amarela num esquema de enriquecimento sujo, que coloca várias vidas em risco.
Sinceramente, Sonhos manchados, mesmo com este título horrível, a soar qualquer coisa de testemunho ou de biográfico (Bata poderia ter optado pelo título Macossa, simples e apropriado), só não venceu o Prémio INCM/ Eugénio Lisboa 2018 porque o autor cometeu algumas falhas. Por exemplo, o exagero da coincidência. A história tem muitas personagens com mesmos sonhos, mesmas dificuldades, perspectivas de vida, afinidades, receios e etc. Aliado a isso, algumas passagens da história são pouco convincentes. É verdade que no chapa fala-se de tudo um pouco, mas parece forçada a passagem em que o cobrador Joaquim, amigo de Gertrudes, ouve no seu mini bus que técnicos da Saúde viajam numa missão secreta para Macossa. Dissemos, anteriormente, que um conjunto de jovens tomam ilegalmente um avião. Pois é, diante de uma tempestade severa, o cenário da aterragem numa pista terra batida, em Macossa, merecia melhor desenvolvimento. A impressão com que ficamos é a de que em alguns momentos a história poderia ter sido mais pausada. Atentamente, observa-se um salto de peripécias brusco do capítulo 35 para 36. Por fim, o equilíbrio do discurso narrativo destoa em alguns momentos. O júri deve ter estado atento a estas questões. Se Bata tivesse evitado estes pormenores, sem dúvida que seria o Prémio INCM/ Eugénio Lisboa 2018, pois do ponto de vista de riqueza da história, imaginação e criatividade, Sonhos manchados, sonhos vividos é melhor que Saga d’ouro, de Aurélio Furdela. Mas também é verdade: parece que Furdela foi mais escritor do ponto de vista da consistência discursiva.
Título: Sonhos manchados, sonhos vividos
Autor: Agnaldo Bata
Editora: Imprensa Nacional
Classificação: 13