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Nas zonas rurais, não há aulas no Estado de Emergência…

Os alunos das zonas mais distantes da capital do país, na província de Maputo, estão literalmente em casa  sem estudar desde a declaração do Estado de Emergência porque os  pais não têm condições para comprar fichas de apoio. E os que conseguem comprar, a compreensão da matéria tem sido difícil porque por lá não há energia que lhes possibilite acompanhar as aulas pela rádio ou televisão.

 

Por imposição do novo coronavírus, as aulas presencias foram suspensas após a declaração do Estado de Emergência no país como forma de controlar a propagação da pandemia.

As escolas foram encontradas em contramão e adoptaram várias medidas para não comprometer o ano lectivo. Uma das medidas foi o modelo do ensino à distância. E não muito distante da capital do país esta realidade está longe de ser verdade em algumas localidades do distrito da Namaacha, província de Maputo.

Em Kassimati, por exemplo, as casas são de construção precária e a energia é um luxo que os moradores desta localidade ainda não podem usufruir. Por isso, sobre as aulas via televisão só se ouve dizer.

“Os nossos pais compram-nos fichas para podermos estudar e depois eles nos explicam. Se tiverem alguma dúvida, recorremos a professora Beatriz que vive há cerca de cinco quilómetros da nossa casa”, contou Hortência Zunguza, uma das alunas residente na localidade de Kassimati, distrito de Namaacha, província de Maputo.

E o exercício dos pais de explicar os seus filhos tem colocado em causa a sua produção agrícola uma vez que tem que reduzir o tempo da sua ida à machamba. “Só ficamos aqui em casa e não nos-é fácil irmos à machamba por causa das crianças”, revelou Rogério Simeão, um dos encarregados da Educação em Kassimati, justificando que caso se desloque para muito distante “as crianças podem abandonar seus estudos e por esta razão estamos sempre em casa”.  

Se alguns não dispõem de tempo para explicar os seus filhos, os outros nem dinheiro para comprar ficha tem, numa realidade em que a localidade não tem corrente eléctrica. Tal é o caso da dona Argentina, que está desempregada, com três filhos já frequentam a escola, mas me tempos da COVID-19 só conseguiu comprar filhas para um deles e os outros estão, praticamente, sem aulas desde a declaração do primeiro período do Estado de Emergência.

“Apenas um dos meus três filhos continua a estudar a partir de casa. Os outros dois não estudam porque não têm fichas”, narrou Argentina Tembe, sendo que a situação é agravada pelo facto de “não termos energia e muito menos televisores. Ainda que compre o aparelho, de nada vai adiantar porque não temos energia”.

Entretanto, a limitação da corrente eléctrica é apenas mais um dos problemas que, na verdade, já está ultrapassado na localidade de Changalane, ainda em Namaacha, província de Maputo e mesmo assim os alunos deste ponto estão, igualmente, excluídos do processo e ensino e aprendizagem desde a paralisação das aulas forçada pela pandemia do novo coronavírus.

“As crianças não vão à escola. Não tenho dinheiro para comprar ficha porque somos obrigados a comprá-las, mas eu não tenho condições. Estão todos aqui em casa e querem estudar”, lamentou-se Leonor Machava, encarregada de educação em Changalane, apontando as crianças que circulavam no quintal, sem o que fazer.

E Isabel da Silva, também, não tem dinheiro para comprar fichas para as quatro crianças. “Acatamos a mensagem de que devemos ficar em casa, mas para poderem estudar a partir de casa é preciso dinheiro de fichas e ele (o dinheiro) não existe”, queixou-se.

Sem dinheiro para comprar as fichas, aos meninos nada mais resta senão acordar, ver o tempo passar e o seu futuro comprometido pela COVID-19.  “Minha avó não trabalha, meu pai perdeu emprego, recentemente, e por isso não temos o que fazer senão ir à machamba para ver o que iremos comer”, disse Neves Langa, aluno da sétima classe em Namaacha.

Cabelo cumprido, camiseta preta e procura de obstáculos pelo caminho através das mãos, chama à nossa atenção.  

Chama-se Arone Gonçalves tem 19 anos de idade e é deficiente visual. Frequenta a nona classe numa escola de educação especial na Beira, mas a eclosão do novo coronavírus no país forçou o seu regresso a Maputo, casa dos seus pais, e não foi a tempo de levar o seu material de estudo.

“Não temos recebido as fichas, mas o centro ainda não nenhuma satisfação por isso que estamos praticamente parados”, afirmou Arone Gonçalves, aluno de uma escola especial na Beira. 

Parados desde que o coronavírus entrou no país, nem a televisão e muito menos rádio tem sido uma alternativa de estudos para este deficiente visual. Aliás, “posso dizer que a televisão não nos ajuda muito. Para nós deficientes visuais, que deixamos o nosso material no centro, as coisas ficam um pouco complicado. Se tivéssemos trazido as máquinas que temos usado ou computador estaríamos a anotar algumas coisas que passam na televisão”.

E enquanto não se volta à normalidade, Arone vai aproveitando os seus dias sem aulas para conversar com os seus familiares e matar saudades.

E numa entrevista exclusiva ao jornal O País, no dia 29 de Abril, o Ministério da Educação e Desenvolvimento (MINEDH) assegurou que as escolas apoiariam os pais que não tivesses condições de comprar fichas.

“Também foi decidido que uma parte do valor do apoio directo às escolas será usado para apoiar estes alunos que não tenham capacidade de poder reproduzir essas fichas”, disse Gina Guibunda, porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, na publicação de O País do dia 29 de Abril de 2020.

Mas os beneficiários desconhecem esta decisão: “Não há fichas que são compradas pelo Governo. Não mentir, dizendo que nos compram porque não é verdade. Só com dinheiro tens acesso às fichas”, desmentiu a informação do MINEDH, Leonor Machava, uma das encarregadas de educação, na localidade de Changalane, distrito de Namaacha, província de Maputo.

 

 

 

 

 

 

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