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Não romantizemos o HIV/SIDA!

Em menos de um ano, Moçambique passou do 4° lugar a 2° lugar dos países mais infectados pelo HIV/Sida no mundo, ficando atrás da África do Sul. Entretanto, ao mesmo tempo, tem crescido o número de campanhas de sensibilização sobre esta doença em diversos meios de comunicação. O que estará a falhar?

Fazendo uma breve análise sobre as campanhas e acções sociais sobre HIV/SIDA, ocorre-me este entendimento de que ainda há muito que se melhorar na forma de sensibilização e comunicação. Tomando de exemplo a campanha denominada “Somos Iguais” lançada pelo Ministério de Saúde em Maio do ano passado em parceria com a USAID, passa-me a ideia de que haja um duplo efeito da mensagem veiculada por essa campanha.

O primeiro efeito é que a campanha “Somos Iguais” conseguiu responder ao desafio que lhe foi proposto – erradicar o estigma e descriminação sobre as pessoas com HIV/Sida que, por sua vez, temiam buscar pelo tratamento. Ou seja, a campanha “Somos Iguais” tem sido capaz de operar um processo de normalização das vidas das pessoas seropositivas, que antes eram conotadas como gente culpada pela sua doença, estando à beira da morte e com poder de contaminar as pessoas mais próximas.

Com a série de propagandas positivas sobre o HIV/Sida que tem sido disseminada nos meios de comunicação e nos espaços públicos, incluindo depoimentos de pessoas seropositivas que alegam estar a viver as suas vidas como qualquer outra pessoa seronegativa, nota-se que há uma crescente aceitação e integração social das pessoas com HIV/sida em comparação aos tempos passados.

Todavia, por trás dessas campanhas massivas de normalização do HIV/Sida, como tem sido a campanha “Somos Iguais” é provável que haja um outro efeito gravemente negativo que esteja a ser ignorado. Refiro-me a uma tendência generalizada em considerar o HIV/Sida como uma doença vulgar e inofensiva. Ou seja, Afigura-se-me que, na medida em que as pessoas passam a normalizar esta doença, ao mesmo tempo, o nível de precaução e a consciência do perigo em relação ao HIV/Sida tende a reduzir no seio das comunidades.

O facto de as campanhas de HIV/Sida propagar-nos mensagens positivas e imagens de pessoas de boa aparência, descrevendo as suas vidas como saudáveis devido à adesão ao tratamento antiretroviral (TARV) ajuda no combate à estigmatização, entretanto, de algum modo, pode servir como um mecanismo para quebrar o nível de alerta sobre a real gravidade que esta doença representa na nossa saúde. E quando há mais pessoas que passam a destemer o perigo de viver com o HIV/Sida, automaticamente, o nível de infeccão tenderá a aumentar na sociedade, pois com ausência do medo e da devida consciência sobre a gravidade do HIV/SIDA, aumenta a vulnerabilidade das pessoas.

É por esta razão que considero a campanha “Somos Iguais” uma faca de dois gumes afiados. Dum lado, combate com sucesso o estigma e descriminação contra pessoas seropositivas, doutro lado, ainda que de modo indirecto, minimiza a preocupação das pessoas acerca dos riscos de viver-se com HIV/Sida.

Assim sendo, com este tipo de campanha, abre-se-nos um cenário futurista em que passaremos a ter maior número de pessoas incautas e, consequentemente, infectadas com HIV/Sida mas que busca zelosamente pelo serviços do TARV numa sociedade cada vez mais aberta e inclusiva.

Todavia, nada nos garante que os seropositivos não possam perder a luta para esta doença, pois a sustentabilidade dos serviços do TARV depende de alguns factores: o financiamento para contínua importação dos medicamentos; a facilitação das vias de acesso ao TARV que inclui a questão da distância entre os pacientes e os postos de saúde, sobretudo, em zonas rurais; a pobreza como um factor que eleva o número de desistência dos pacientes que alegam não ter condições alimentares para sustentar os efeitos do consumo dos comprimidos; comportamentos de risco daqueles seropositivos que ainda mantêm relações sexuais desprotegidos, elevando o risco de mais carga viral no seu organismo.

Urge, portanto, um apelo para que as campanhas de prevenção e combate ao HIV/Sida, tal como a campanha “Somos Iguais” continuem a marcha de sensibilização das pessoas, entretanto, deve dar-se maior atenção e cuidado aos efeitos da informação veiculada. Com mais precisão, os órgãos de activismo devem abster-se de todas as formas de romantizar a vida de quem porta a doença do HIV/SIDA. O eventual efeito duma mensagem romantizada do HIV/Sida é tornar as pessoas menos preocupadas e mais vulneráveis a essa doença. Entretanto, o apelo para não romantização do HIV/Sida não deve implicar ou significar uma dramatização do HIV/Sida, pois esse alarmismo não resolve o problema, mas sim cria uma sociedade de medo, preconceito e descriminação.

O desafio que se impõe à sociedade civil e institutos governamentais é de produzir-se informações precisas sobre as dificuldades de viver-se com o HIV/Sida, a importância de aderir-se aos métodos de prevenção e os riscos de não se aderir, na plenitude, os serviços de TARV. É preciso que haja maior coordenação e equilíbrio entre as correntes de informação que apregoam a prevenção contra HIV/Sida e as que apelam ao tratamento e a não descriminação contra os seropositivos.

Somente com campanhas muito mais responsáveis na forma de comunicar, podemos construir uma mentalidade positiva e prudente em relação à condição do HIV/SIDA.

 

e-mail: tsembah@gmail.com

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