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“Não recomendaria empresas a aderirem a empréstimos em condição de vulnerabilidade”

Diante da actual tensão pós-eleitoral no país, a economista Piedade Nogueira alerta para os riscos de as empresas afectadas acederem a linhas de financiamento criadas para si enquanto se encontram em situação de vulnerabilidade. Entende que estas podem não conseguir pagar e, como consequência, afundar os bancos comerciais. Por isso, diz haver necessidade de haver celeridade na resolução do problema que causa a crise.

Em entrevista ao “O País Económico”, a economista considerou que é de louvar a criação de uma linha específica para financiar as empresas afectadas pela tensão pós-eleitoral com uma taxa de juro de 15%, mas alerta que é preciso olhar antes para o risco associado.

“O nível de risco financeiro das empresas é extremamente alto, o que faz com que elas tenham receio em aderir a este empréstimo, sob pena de acederem ao empréstimo e o seu nível de rentabilidade ficar comprometido por causa dessa tensão pós-eleitoral”, alerta a economista.

Tal linha de crédito foi anunciada num encontro havido recentemente entre o Presidente da República, Daniel Chapo, e bancos comerciais que operam no país. O sector privado reagiu, nesta semana, à linha, instando o Governo no sentido de restabelecer a segurança no país.

Na condição de vulnerabilidade em que se encontram as empresas, a economia não aconselha que estas adiram, de ânimo leve, às linhas de crédito criadas. Piedade Nogueira recomenda que o sector privado chame a atenção do Governo para a resolução do problema de instabilidade.

“Estas empresas estão limitadas para fazer os seus investimentos, por causa da condição em que se encontra o país. Não vão conseguir produzir o suficiente para pagar as suas despesas correntes, para reembolsar estes financiamentos. Estaríamos aqui a emprestar dinheiro a empresas que nós já sabemos que vão falir. Então, é preciso olhar para isso antes”, concluiu.

Na entrevista, a economista Piedade Nogueira defendeu ainda que o abrandamento da economia nacional entre Outubro e Dezembro do ano passado significa que o país teve dificuldades para produzir devido à tensão pós-eleitoral e choques climáticos.

Os referidos factores, segundo a economista, criam fragilidades para a economia nacional, retraindo os apoios dos parceiros de cooperação internacionais do país, devido às incertezas e aos riscos associados, o que torna o país cada vez mais dependente do mundo para consumir.

Por outro lado, Nogueira refere que a retracção da economia no quarto trimestre de 2024 pode ainda significar a redução dos níveis de emprego, redução das contribuições fiscais das empresas ao Estado, o aumento do nível geral de preços e o agravamento do custo de vida.

“Podemos ver-nos numa situação de maior dependência em relação ao resto do mundo, e isso pode depreciar o Metical e valorizar as principais moedas de troca a que os moçambicanos terão acesso para realizar compras, por exemplo, na vizinha África do Sul”, disse Nogueira.

O pensamento da economista vai ao encontro dos novos dados da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), que apontam para cerca de 900 empresas afectadas pela tensão pós-eleitoral e cerca de 17 mil pessoas que caíram no desemprego.

Para melhor compreensão da situação vivida pelo país no fim de 2024, a nossa reportagem pediu para que a economista fizesse uma análise comparativa em relação à pandemia da COVID-19, e referiu que a recuperação após a tensão pós-eleitoral poderá ser mais difícil.

“Fica mais difícil, porque é um problema que temos de resolver internamente e, ainda que tenhamos apoio do resto do mundo para resolver a situação da tensão pós-eleitoral, depende mais de os dirigentes nacionais e a população moçambicana encontrarem saídas”, disse Nogueira.

Com a redução dos empregos, a renda das famílias afectadas também reduz, o que, no entender da economista, irá agravar ainda mais a pobreza no país, o que fará com que o país tenha mais famílias carenciadas.

“Isso pode levantar outros problemas como a criminalidade, por exemplo, que é uma das formas que as pessoas podem encontrar para se auto-sustentar. Então, há, aqui, um desafio muito grande, que é a consequência da falta de emprego para 17 mil pessoas”, alerta Piedade.

Outro aspecto que mereceu análise da economista é o facto de as empresas estarem a fechar as suas portas. Nogueira explica que tal medida reduz a produção interna e os encaixes que o Estado adquire por meio do pagamento dos impostos e a redução da oferta de bens e serviços.

“Teremos empresas a deixarem de produzir bens e serviços de utilidade pública. Então, os poucos que conseguirem manter-se nesse mercado deverão aproveitar-se da fragilidade da oferta limitada para encarecer os seus preços, e isso vai mexer com o custo de vida”, explicou.

Mesmo com o alto risco que representa a tensão pós-eleitoral para a economia nacional, o Banco de Moçambique tem vindo a reduzir a taxa de juro de política monetária. Piedade Nogueira elucida que a decisão visa tornar atractivo o investimento dentro do país.

“O que o banco central está a transmitir ao mercado é a redução do custo dos empréstimos, que é para motivar as empresas a acederem aos bancos para adquirir empréstimos para injectar nos seus investimentos para terem alguma recuperação económica”, defende a economista.

Porém, Piedade Nogueira alerta que, no contexto em que o país se encontra, de muita incerteza, as decisões do Banco de Moçambique terão efeitos insignificantes, porque o nível de risco é extremamente alto, pelo facto de não se saber se os protestos pós-eleitorais terminaram.

No seu entender, ainda que a taxa de juro esteja baixa, a economia ainda está num contexto de risco, o que não a torna apetecível para qualquer investimento. Diante da situação, a economista aponta alguns caminhos para a resolução do problema, entre eles o político.

“Enquanto a situação política estiver na situação em que está, por mais que sejam feitas projecções económicas ou alteração das políticas macroeconómicas, fiscais e monetárias, essas políticas não terão o impacto desejado, por causa da tensão política”, alerta a economista.

Piedade Nogueira considera que o primeiro caminho para a recuperação económica é encontrar-se uma solução rápida para a actual tensão pós-eleitoral que, para si, já não tem um rosto que comanda, o que a torna mais perigosa que a que se registou no fim do ano passado.

Para a economista, enquanto prevalecer a tensão pós-eleitoral e a incerteza implantada na economia moçambicana, o que se pode esperar é uma continuação da queda da actividade económica, porque entende que não se pode alavancar a economia na condição de incerteza.

“Vamos esperar um maior nível inflacionário. Mais empresas poderão vir a encerrar as suas portas, o nível de desemprego poderá ficar mais agravado, as contribuições fiscais para o Estado e o bem-estar nacional poderão ficar comprometidos”, antevê Piedade Nogueira.

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