Falta comida, água, máscaras e até desinfectantes para os estudantes moçambicanos que estão em Wuhan, o epicentro do coronavírus na China. Os que estão em outras cidades tentam ajudar, enviando o que podem e os pais que tem seus filhos naquela país asiático já estão desesperados.
Um sonho de formar fora do país (mais concretamente na China) pode ser transformar num inferno por coronavírus. Ao todo, são cerca de 30 estudantes moçambicanos que se encontram a cumprir a sua formação na cidade de Wuhan, o epicentro da epidemia na China.
E quanto mais os dias passam, o vírus espalha-se rapidamente e na mesma proporção, cresce o medo e pânico dos jovens moçambicanos que estudam em Wuhan. A cidade está isolada de tudo e de todos, ou seja, lá ninguém entra e muito menos sai. A ideia é evitar a propagação da doença.
Com esta medida (colocar a cidade em quarentena), muitas lojas e supermercados estão encerrados o que dificulta a disponibilidade de comida para os que vivem naquela cidade, sobretudo os jovens moçambicanos em formação naquele país.
“A situação é mesmo assustadora porque para ter mantimento, temos que nos expor, temos que sair o que não é seguro e não há muitos supermercados disponíveis.
São poucos que abrem e abrem por poucas horas”, contou um dos estudantes moçambicanos que se encontra em Wuhan, cidade onde o vírus teve origem, acrescentando que este facto faz com que a procura seja maior, contribuindo para que os produtos acabem cedo, além de que “há escassez de máscaras e os desinfectantes. Algumas farmácias já não tem vitamina C. Então é um pouco caótico. Estamos todos em pânico”.
Como se o pânico não bastasse, a alimentação nos dias que se seguem, caso o vírus não seja contido, é uma incerteza e o risco de infecção pela doença é ainda maior devido à escassez, também, de elementos básicos de protecção. Por isso, os estudantes sentem que as autoridades moçambicanas podiam fazer um pouco mais.
“Sentimo-nos um pouco desamparados porque precisamos de ajuda em termos de logística, precisamos de alimentação. Seria bom se houvesse uma ajuda ou qualquer intervenção do nosso consulado, sobretudo no que diz respeito à água, vitamina C, que é uma das coisas importantes”, queixou-se um estudante moçambicano em Wuhan que falou à nossa reportagem na condição de anonimato.
Contrariando os depoimentos de denúncia de alguns estudantes naquele do país asiático, a representante da comunidade moçambicana em Wuhan, Valéria Angelina, reconhece que as lojas estão a ficar sem mantimento, mas nenhum estudante dormiu sem comer, um dia sequer.
“As universidades têm carros para levarem os estudantes às lojas a fim de comprarem as coisas, mas temos que sair bem protegidos com máscaras, luvas e máscaras para ir comprar e voltar. E isso acontece das 09h às 17h”, explicou a representante de moçambicanos em Wuhan, Valéria Angelina, referindo que a embaixada não presta nenhum tipo de apoio por que naquela cidade estão todos de quarentena.
Num altura em que alguns países, como Portugal e Cabo Verde, se preparam para repatriar os seus concidadãos da cidade de Wuhan, o Governo Moçambicano diz que só vai usar a evacuação como o último recurso.
“No meu ponto de vista, a embaixada deu-nos a perceber que não está ciente das necessidades que estamos a passar dia-pós-dia. Existem muitos moçambicanos em Wuhan, a cidade mais afectada pelo vírus. Estamos alarmados com esta situação, passando necessidade indescritíveis, mas não temos onde recorrer porque a nossa casa (embaixada) não mostra interesse em ajudar”, lamentou outra estudante na cidade de Wuhan.
A embaixada pode até não ajudar os jovens que estão em Wuhan, mas os estudantes que estão em outras cidades tentam enviar o pouco que podem, mas nem sempre é fácil porque nenhum meio de comunicação e transporte funciona em Wuhan.
“O problema é que eles não têm como receber porque todos os correios e outros meios que eles poderiam usar para receber essas encomendas ou mantimentos mandados por nós estão fechados. Então nós apelamos à embaixada e os nossos dirigentes, no geral, para olharem pelos estudantes moçambicanos que estão em Wuhan porque isso é muito aterrorizante para quem vê na televisão, então imagina que está lá”, descreveu a estudante de medicina, Sheila Duarte.
Se de outro lado do oceano, os estudantes estão vulneráveis ao vírus por falta de alimentação, cá em Moçambique cresce a angústia e preocupação dos pais que têm seus filhos a estudar naquela cidade chinesa.
Manuel Joaquim é pai de um dos jovens que está a cumprir os seus estudos em Wuhan, o epicentro do coronavírus na China. Apesar de não estar infectado pela doença, este encarregado de educação vive dias difíceis e noites mal dormidas por nada poder fazer pelo seu filho que está vulnerável à doença e sem comida.
“Não posso fazer nada. Se eu pudesse, mandaria água para lá, mas não posso fazer nada. Não tenho forças nem autoridade e muito menos condições para o fazer”, disse Manuel Joaquim, pai de um dos estudantes que se encontra em Wuhan, num tom de vencido pela paciência e angústia.
Manuel Joaquim considera que as autoridades moçambicanas estão “relaxadas” em termos de acções para fazer face ao vírus. “O que está a faltar em nós, talvez seja uma tentativa, um certo atrevimento de algumas pessoas que deviam ir lá resgatar os estudantes.
Porquê nós não colocamos à prova a nossa capacidade de negociar nem que tenhamos que resgatar aquelas pessoa e lhe colocar na Índia e nós, os pais, iríamos buscar os nossos filhos com nossos recursos”, desabafou Manuel Joaquim, pai de um dos estudantes em Wuhan.
O que deixa Manuel Joaquim mais indignado é o facto de não ter recebido nenhuma informação das instituições que julga serem competentes para o fazer desde que o vírus surgiu e começou a se espalhar pela China e outros países do mundo.
“Não recebemos nenhuma comunicação do Ministério de Negócios Estrangeiros e muito menos do Instituto de Bolsas está tudo parado. E deixam os nossos filhos ao Deus de ará, mas nós confiamos nas autoridades que temos, mas eles não fazem merecer essa confiança”, lamentou Manuel Joaquim. E disse mais: “eu espero que o Estado não comece a se preocupar quando for para trazer urnas de volta para Moçambique porque acho que é mais caro trazer uma urna do que fazer uma operação de resgate e trazer os estudantes para o seu país de origem”, rematou.
Enquanto não se faz uma operação para repatriar os moçambicanos que se encontram em Wuhan, os dias vão continuar cada vez mais difíceis e o futuro em relação ao que comer e o grau de risco de infecção pela doença fica na incerteza.
Coronavírus já está ter impacto no negócio
Não são poucos os moçambicanos que tem viajado para China a fim de fazer negócio. E mais do que negócio, é uma fonte de sustento para suas famílias que agora está ameaçada pelo coronavírus.
Sankar Mudumula, por exemplo, é empreendedor já há nove anos e compra seus produtos na China para revender em Moçambique. A última vez que esteve naquele país asiático foi há uma semana e descreve como sendo de “medo, pânico e falta locais apara comprar produtos” o ambiente que se vive na China devido ao vírus.
Quanto mais complica-se a situação na China devido à epidemia, complica-se também o negócio responsável pelo sustento da sua família, até porque “minha viagem para China estava agendada para dia 10 e assim não sei quando volto. Porque o vírus não está controlado e negócio não está a andar”.
Quem também tem a sua fonte de renda ameaçada é Alzira Simbe que, tal como Sankar, compra produtos naquele país asiático para revender em Moçambique.
“Esse é o nosso ganha-pão e nessa situação, agravada pela suspensão de visto vem mais para nos abalar e não sabemos quando tudo volta à normalidade”.
Alzira Simbe também é empreendedora e compra os seus produtos na China.
Esteve naquela país asiático para abastecer o stock de produtos há uma semana, antes da eclosão do vírus por isso considera-se sortuda por ter escapado e azarada porque o futuro do seu negócio é uma incerteza.