Os académicos devem deixar de “se esconder” nos seus escritórios e trazer soluções, porque o país está em guerra com o clima, defendem especialistas que dizem que os moçambicanos não têm outra solução senão conviver com os eventos climáticos severos.
Dramático! Os reflexos das mudanças climáticas estão cada vez mais presentes nas nossas vidas. Os ciclones, por exemplo, trazem consigo ventos fortes e chuvas intensas que causam dor e muitos estragos. Quando entram em Moçambique, causam o aumento dos caudais dos rios, colocando a nu as fragilidades do país em relação a infra-estruturas hidráulicas.
“Os escoamentos são mais significativos, porque os padrões de distribuição temporal e espacial da precipitação mudaram. E, em um estudo de 2009, em que até fiz parte, já se alertava. O que quer dizer que a mesma chuva que caía bem distribuída no tempo, agora cai de uma só vez. Um exemplo disso é que a precipitação média mensal no mês de Fevereiro, que é o pico da época chuvosa, na região sul, varia de 120 a 180 milímetros. Neste ano, caíram só 10 milímetros, Março que também tem médias altas que são acima de 100 milímetros, choveu muito pouco. Mas, no próximo ano, podemos assistir a um cenário de caírem num só dia 300 milímetros”, detalhou.
PLANO APROVADO EM 2009 PREVIA 32 BARRAGENS, MAS NADA FEITO!
Entretanto, o Plano de Gestão de Recursos Hídricos aprovado em 2009 sugere que são necessárias pelo menos 32 barragens para que o país consiga gerir a água em momentos de escassez e abundância. Mas tal plano nunca saiu do papel, o que, para o hidrólogo Dinis Juízo, é grave.
“Não podemos esperar que um país que está localizado nesta região possa desenvolver-se sem infra-estruturas hidráulicas. Temos que desenvolver um plano concreto”, defendeu.
Para Agostinho Vilanculos, construir barragens por si só não é tudo. “Porque construir barragens tem um risco. Significa que estamos a elevar muito o nível da água e, no dia em que há muita chuva e há necessidade de fazer descargas, a água pode matar muita gente. Tem que haver soluções integradas, nesse sentido, tem que se levar a tecnologia para a comunidade para que ela tenha informação atempada de modo a saber agir”, defendeu o académico para, em seguida, continuar dizendo que “se colocamos uma barragem num determinado local, devemos questionar-nos para que propósito”.
É nesse sentido que Vilanculos defende que o Estado deve concentrar a população em volta desses grandes investimentos para que sejam rentáveis, fornecendo água para o consumo, irrigação e energia eléctrica.
DESTRUIÇÃO DE INFRA-ESTRUTURAS: “ALGUMAS INTERVENÇÕES NÃO TÊM BASE TÉCNICA”
E sobre o desabamento de algumas infra-estruturas, o engenheiro civil Dinis Juízo não tem dúvidas. “Às vezes, nota-se que as nossas intervenções não têm base técnica, resolvemos os problemas olhando apenas para o sintoma, sem parar para estudar e combater as reais causas da situação”, criticou, avançando que questões de fundo como estas deveriam ser agenda do Estado e não de planos quinquenais de um Governo.
“Atribuímos a responsabilidade de decisão sobre o que deve ser feito, em termos de infra-estruturas, aos políticos e isso tem a sua consequência, porque essas decisões que são tomadas e justificadas como sendo de interesse das comunidades, acabam por ser contra essas mesmas comunidades. Assistimos a intervenções que não são duradouras e somos obrigados a intervencionar a mesma infra-estrutura várias vezes e nosso país não tem dinheiro para tanto desperdício”.
ERROS COMETIDOS, ESTRANGEIROS NÃO FICAM PARA VER
O também engenheiro hidrólogo defende que o país deve abandonar a ideia de que só o estrangeiro tem competência para edificar as nossas infra-estruturas. “É preciso que os técnicos nacionais liderem a engenharia. Porque alguns dos erros que são cometidos, os estrangeiros não ficam para ver”, lamentou.
Para Vilanculos, o país deve parar e estabelecer muito bem as suas prioridades e definir que tipo de pontes quer construir para que não assista a cenários de desabamentos constantes.
A desarticulação entre os ministérios sobre as questões climáticas é notável na visão dos especialistas. “Deveríamos ter um planeamento que atravessa todos os ministérios, olhando sempre para a questão da redução e mitigação de riscos, todos que temos, principalmente os climáticos, que são os que nos atrasam em termos de perdas económicas. Para quem vê a forma como as diferentes acções dos vários ministérios acontecem não é visível que há coordenação”.
POLÍTICA DE ORDENAMENTO É “PONTAPEADA”
Além das questões de infra-estruturas, as mudanças climáticas estão a causar problemas de inundações nas cidades e nos novos bairros. Para o geógrafo Clemente Macie, parte desse problema é facilitada pelo próprio Estado que permite que líderes locais façam atribuição e monitoria de uso da terra. “Nem todos os líderes locais – chefes de posto, das localidades – têm conhecimentos técnicos de como lidar com a questão das terras. Isso faz com que a ocupação de áreas vulneráveis ou de risco seja alto”, iniciou.
No seu entender, há uma desarticulação profunda entre as diferentes entidades que administram e gerem a questão da terra no país. A Política de Ordenamento Territorial, que existe há cerca de 15 anos, que prevê, por exemplo, que haja o zoneamento das áreas, o documento ficou apenas no papel. “Esse processo mostrar-nos-ia as áreas óptimas para a habitação, áreas óptimas para a agricultura e outras inaptas. Isso iria orientar o uso do território”.
O pesquisador aponta o dedo também aos gestores municipais que permitem ocupações desordenadas e sem estudos prévios. “O problema das inundações tem a ver como nós ocupamos o território. Bairros como Nkobe não tinham inundações antes da sua ocupação massiva. Não tinha porque o sistema natural daquele local conseguia absorver aquela quantidade de água. O que quer dizer que um lugar cheio de árvores e sem habitações não quer dizer por si que é bom ou seguro”, explicou.
No mesmo pensamento, embarca Agostinho Vilanculos, para quem os municípios param no tempo e não planificam.
Adaptação é o termo que deve entrar não só no nosso vocabulário, mas também nas nossas vidas, porque os fenómenos climáticos severos vieram para ficar. Para os especialistas, os moçambicanos devem saber conviver com esses fenómenos e aproveitar as suas vantagens.
“Não devemos transformar a nossa localização geográfica como problemas. Temos que transformar isso numa oportunidade de lidarmos com essas adversidades. Temos que saber que tipo de casas temos que construir, em que momentos do ano podemos ocupar certas terras e isso ficar nas nossas cabeças de forma permanente. Assim, provavelmente isso poderá minimizar as mortes”, defendeu Macia.
Noutro desenvolvimento, Vilanculos defendeu que os estudiosos moçambicanos devem sair dos escritórios e propor soluções para o país. “Os arquitectos devem trazer-nos tecnologias de construção adequadas para a realidade moçambicana. Estamos numa situação de destruição e ainda não vi um arquitecto a propor soluções de uso de materiais locais de construção. Sempre me pergunto, onde eles estão e o que estão a fazer?”
Para fazer frente ao aumento de caudais nos rios, algumas comunidades da Ásia, e até no Brasil, usam uma tecnologia de casas flutuantes, recorrendo até a materiais locais.