Por: Belchior Eduardo
A zona encontrava-se no status quo de antes. Faziam duas semanas que a mercearia fora aberta. Na entrada, encontravam-se Habib e Jossias a gastarem conversa de juventude com uma cerveja nacional de baixo das suas cadeiras. Era possível sentir-se uma ligeira mudança comportamental no Habib. Falava numa responsabilidade e num ambiente facial meio cabisbaixo. Jossias é o espelho de Habib. As ruas eram movimentadas na maior tranquilidade de sempre. Eu, sentado no mesmo local, em frente àquela mercearia, observava tudo. Via o tempo inocentemente passar.
De repente, as ruas ficaram atordoadas pelo barulho das sirenes. Um carro policial… Vi o assistente e o inspector colados numa motocicleta com um ar de vencedores. As pessoas ficaram com medo e eu não fui uma excepção, juntamente com Jossias e Habib. Vi o chefe do quarteirão e o secretário do bairro numa andança de correrias para ver o que se estava a passar.
Habib levantou-se para ver aquilo que realmente não acreditava que estava a ocorrer. Jossias levantou-se a seguir e virou para a direcção da sirene.
A rua toda estava imóvel, as pessoas paradas, eu a seguir, com as minhas dores de coluna, levantei-me da minha cadeira para testificar o que realmente acontecia. O carro parou exactamente em frente à mercearia, os agentes da polícia saltaram do carro e rodearam Habib e Jossias. Habib, na maior calma, permaneceu ali parado, Jossias quase que perdia o fôlego.
O assistente do inspector parou a motocicleta e esperou o seu chefe descer.
– O que se passa, jovem? Perguntou o inspector ao Jossias.
– Nada não, chefe.
– Quem é você?
– Eu… eu… eu!?
– Tu mesmo. Pensas que sou algum palhaço? Com quem estou aqui a falar?
– Eu sou amigo de Habib, amigo de infância.
– Ahhh, é você o famoso Jossias, né?
– Sou eu, sim, o Jossias.
Nesse mesmo momento, chegou o secretário e o chefe do quarteirão e infiltraram-se na multidão que havia cercado os agentes da polícia que estavam ao redor à mercearia.
Quando tudo acontecia, Habib gritou:
– Afinal de contas o que se passa aqui na minha mercearia, senhor inspector?
O Inspector virou-se para Habib e com um semblante meio que preocupante, respondeu.
– O seu antigo empregado foi morto nesta madrugada, estrangulado o pescoço, tal como a sua mãe.
A multidão toda admirou-se: ahhhhhh, soltando um grito.
– E eu já sei quem matou a dona Índia e o seu empregado. Disse o inspector.
Novamente a multidão parou num minuto de silêncio e murmúrios começaram ouvir-se.
– Senta-te, jovem, vais precisar. Disse o inspector ao Jossias.
A multidão continuou os seus murmúrios, ouvindo-se, quem foi? Quem foi?
O inspector virou-se à multidão e gritou bem alto:
– Silêncio! Deixem-me trabalhar.
E ouviu-se um silêncio mudo em toda multidão.
– Quem foi esse filho da mãe que matou minha mãe?
Se continuares a interromper-me, vou mandar que te prendam por desacato e obstrução do trabalho da polícia, ouviu, fedelho?
Habib calou-se e cruzou os braços. O inspector tomou a palavra e continuou:
– Sou inspector desta cidade há sete anos. Trabalhei na cidade capital como chefe do departamento da polícia por 10 anos. Ingressei na corporação há mais de 30 anos, ainda bem novo. Patrulhei as ruas, passei por adequação de quadros na capital do país, fui instrutor da polícia, fiz parte de comissão conjunta entre a SISE, a Policia de Protecção e as FADM para desmantelar grandes quadrilhas e não é numa cidade pequena como esta que terei trabalho em pegar um invejoso qualquer.
Novamente o Habib interrompeu o inspector:
– Invejoso como? Foi você, Jossias!? Perguntou Habib, abarbatando a camisa de Jossias. Este olhou-o com cara de arrependimento e lágrimas nos olhos.
– Foi você? Responde idiota.
– Eu bem te disse e repito: se continuares a atrapalhar-me juro que te prenderei.
Habib largou Jossias e pegou seu rosto.
O inspector tomou a palavra e disse:
– A dona Índia era uma boa senhora, a todos ajudava. O seu suor e sangue ficaram cravados nesta terra, porquê tamanha maldade contra ela?
E vi o seu assistente sussurrando algo nos ouvidos no momento em que o inspector discursava, ele não parou, apenas deu um abanão de cabeça como se de algo estivesse a concordar. Parou por um segundo, pegou o ombro direito do assistente e este continuou no seu lugar. Virando à multidão, prosseguiu:
– A dona Índia morreu pelos pecados do seu filho: a protecção demasiada, os mimos, o carinho que ela durante a vida demostrou, isso a condenou até o dia da sua morte.
Naquele instante, uma tentativa de interromper o inspector protagonizada por Habib:
– Morreu por meus pecados, como assim?
O inspector olhou-o e continuou:
– A pessoa, ou melhor, o assassino da dona Índia é alguém que se acha tal como a finada era: protector. Mas este é um protector, como ele pensa, da zona toda.
A multidão ficou ainda mais confusa, questionando-se: como assim?
O inspector, naquele momento, aumentou o tom de voz e continuou?
– Com estas características e mais outras que acrescentarei, vocês o identificarão pessoalmente.
Naquele momento, fiquei confuso, tal como muitos outros que se encontravam na multidão.
– O assassino é alguém confiado na zona, prestativo a todos e aparentemente cultiva um senso de moral alto.
Na multidão, ouve-se logo um “fale logo quem foi, senhor inspector”.
– Deixem-me falar, meus senhores. Disse o inspector em um tom alto.
Ouviu-se um silêncio total naquele instante.
– Tudo começou naquela madrugada, ou então, aquele foi o trampolim para que tudo acontecesse. A mágoa era antiga. O assassino da dona Índia e seu empregado foi movido por inveja pura à mercearia. É alguém que há anos tentou fazer o mesmo negócio, mas não deu certo. Disse o inspector.
E, de repente, o Habib dirigiu-se para onde eu me encontrava e fixou seus olhos em mim.
O inspector, olhando para mim, continuou seu discurso.
– O assassino sabe dos nossos passos, o que equivale a dizer que poderia ter contactos com a polícia, ou tenha lá trabalhado, ou então, na pior das hipóteses, tenha amigos lá. Frisou o inspector.
De repente, vi a multidão olhando para mim, e fiquei mais preocupado.
– Foi você, vizinho!? Perguntou-me Habib.
Fiquei imóvel, sem sequer saber o que deveria responder naquele instante.
– Foi você, vizinho!?
Naquele mesmo momento, ouvi o silêncio do discurso do inspector.
– Foi você, vizinho? Responde filho da mãe.
E ouvi o inspector, dizendo-me:
– O senhor está preso por duplo homicídio da dona Índia e do seu empregado.
Naquele mesmo instante, senti um punho de Habib na minha cara.
– Porquê você fez aquilo, que mal a minha mãe te fez? Perguntava Habib, chorando e sendo pego por dois polícias.
Eu, caído, recordei que naquela mesma madrugada entrei para consolar a dona Índia. Tentei aconselhar e mostrar-lhe que deve ter errado na educação do seu filho, ficou furiosa e expulsou-me de sua casa. De seguida, com a minha fragilidade, peguei-a contra a parede, perdeu o ar e imediatamente faleceu. E retirei-me sem que tivesse sido visto por alguém. Recordei-me, também, que o empregado tivesse uma prova contra mim: um objecto meu que encontrou no local e que depois devolveu-me. Quando achou o corpo, acenei-o para que se retirasse do local logo que a polícia chegou.
Sete meses depois, vi a policia mexendo novamente no caso, a ser explicada pelo Habib onde o empregado morava. Peguei uma picada mais rápida, cheguei antes da polícia e matei-o da mesma forma.
O inspector ordenou minha prisão naquele momento e toda multidão com o ar de decepção, olhando-me, todos admirados. Fui algemado e colocado naquele carro e todos olhando-me, incluindo o Habib e o Jossias que os vi abraçando-se e dando mãos ao inspector e o seu assistente.