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Moçambique precisa de um great reset

Quase 50 anos de independência de Moçambique, a leitura que se pode fazer é de que falhámos a construção de um Estado capaz de perseguir o interesse da maioria. As utopias dos nossos ancestrais, daqueles que deram as suas vidas pela libertação do país ruíram, antes mesmo da sua concretização. As lutas contra os tribalismos, os regionalismos e os racismos, inimigos da unidade e do povo de Samora Machel viraram cacotopias. A maioria dos moçambicanos tornou-se retrotópica. As esperanças pelo futuro melhor goraram-se. As utopias são a nostalgia. Restaram os “se Samora Machel fosse vivo, isto não iria acontecer”, “este não é o país que Mondlane e companhia sonharam”. Um futuro sombrio carcome as mentes de quem um dia sonhou num país diferente de Moçambique de hoje. O futuro é um vudu. Ninguém quer ousar fazer prognósticos, por isso a zona de conforto é a nostalgia. Qual país de “xiconhocas” o país não se tornou!

Como se não bastassem os traumas da guerra dos 16 anos e das “tréguas tensas Governo–Renamo” que caracterizaram os momentos que se seguiram ao Acordo Geral de Paz de 1992, Cabo Delgado “partejou” o terrorismo que dilacera o Norte do país, mas já com sinais inequívocos de que, agora, não se trata apenas de um problema do Norte, mas de um problema com contornos nacionais, como os últimos eventos da República Democrática do Congo parecem querer revelar.

A Administração Pública moçambicana, em greve silenciosa, muitas vezes expressa nas cascas de amendoim fresco ou torrado nas mesas das instituições públicas e na demora no atendimento dos utentes ou ainda na indignação explícita dos professores, médicos, magistrados, profissionais de saúde, nada mais é do que a expressão da frustração de sonhos embebidos na famosa Tabela Salarial Única (TSU). Enquanto não há solução, o sonho nostálgico com a TSA (tabela salarial antiga) é imanente.

Nestes quase 50 anos de Independência Nacional, o país não conseguiu forjar um projecto de Estado sólido, embora o Governo seja do mesmo partido desde lá. Projectos estruturantes como PROAGRI I e II; Tchuma Tchato; GPZ; revolução verde; distrito como pólo de desenvolvimento; 7 milhões; computadores Dzôvo; as montadoras Matchedje; se não foram nados mortos, foram assassinados por projectos sucessores como SUSTENTA, EMPREGA, PROMEZA. Institucionalizaram-se as “boladas” no Estado circunscritas em trocas pecuniárias dúbias. Esta situação não só enferma a Administração Pública, mas também é uma prática reiterada com uma certa convicção de obrigatoriedade na administração privada. Isto tornou o espaço político não como um espaço de debate de ideias sobre que Moçambique a médio e longo prazo se quer, mas espaço de discussão de interesses egoístas (é nisto que os partidos políticos também se transformaram – compra de votos para ser deputado ou cabeça-de-lista).

A sociedade civil que se caracterizou ao longo do tempo, sobretudo com o advento da Constituição de 1990, por agendas claras de desenvolvimento e de pressão sobre os detentores do poder político parece ter-se transformado numa sociedade civil de espectáculo (de busca de likes nas redes sociais), defendendo agendas que se distanciam daquilo que a sociedade espera dela. As Universidades e alguns centros de pesquisa do Estado não têm recebido o apoio necessário para produzirem pesquisas e estudos que possam servir de alicerce para que governantes tomem decisões adequadas. Como corolário, jovens académicos (alguns talentosos), tais como os jovens de Cabo Delgado que se entregam ao grupo que aterroriza aquele ponto do país ou os jovens assassinados nos Parques do Limpopo (Moçambique) e Kurger (África do Sul) caçando furtivamente elefantes e rinocerontes, por causa da precariedade da vida e falta de condições de trabalho adequadas, facilmente são atraídos por grandes corporações ou organizações que oferecem boas condições de trabalhos e salários aliciantes ou se deixam instrumentalizar por quem detém o poder político.

O Sistema Nacional de Educação foi mutilado. Altos dirigentes deste Estado não colocam os seus filhos no ensino público. A dita classe média baixa também recorre ao sistema de educação privado. Porque será? Por sua vez, as instituições religiosas (islâmica ou cristã, etc.), as diferentes ordens, CTA e o próprio judiciário que deveriam ser últimas instituições guardiãs da moral brindam a sociedade, ano após ano, com processos inquinados, muitos deles que acabam por ser judicializados.

Não restam dúvidas: falhámos a construção do Estado moçambicano. Entretanto, existe uma solução: um Great Reset; uma grande reinicialização do país como se reinicia um computador corrompido/vírus. A questão fundamental é: de onde se partir? Há que se questionar o que se fez ou deixou de fazer para que os moçambicanos se alimentem de nostalgia. É necessário pensar-se num projecto nacional no qual todas as políticas se guiam, mesmo que, para tal, seja necessário buscar exemplos de países como Ruanda depois do genocídio ou Etiópia, que hoje são referência em termos de desenvolvimento económico e social.

E, para que se chegue a esse ponto de inflexão, é necessário convocar-se todos os segmentos da sociedade, desde académicos, intelectuais, organizações da sociedade civil, classes profissionais, etc, para que se (re)pense o país que queremos a médio e longo prazos. Um país não se constrói com planos quinquenais. Um país precisa de um projecto social que materializa as utopias de um povo. Um povo sem utopia equipara-se a um cego a andar vagamente no escuro, sem qualquer guia. O guia que se sugere é um projecto político chancelado pela Assembleia da República, que seja de difícil manipulação pelos sucessivos governos que vierem (em caso de necessidade de alteração, que seja através de um referendo com larga participação popular).

O próximo inquilino da Ponta Vermelha tem uma grande missão neste país, que é liderar o Great Reset de Moçambique.

De todos os candidatos até aqui conhecidos, Daniel Chapo tem muitas vantagens para o Great Reset que se convoca. A começar pela idade (47 anos), porque a história mostra que a revolução é feita por jovens. Aliás, “cavalo velho” não vence grandes corridas. A corrida para o Great Reset até encontra algum sentido no seu apelido, que, quando dito duas vezes, (chapo-chapo), no Sul, significa rápido.
O tempo é este, Daniel Chapo!

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