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Mia Couto diz que “há que ter mais respeito pelos médicos”

O escritor e biólogo Mia Couto está convicto que os moçambicanos “vão se comportar à altura” das medidas impostas pelo Governo para evitar a propagação do Coronavírus, e não tem dúvidas de que “vamos vencer esta situação”. Entretanto, alerta que, apesar de a pandemia ser passageira, “o vírus vai ficar connosco” e, futuramente, o Sistema Nacional de Saúde deve ser fortalecido. Mia Couto aconselha a toma da vitamina D através sol e pede valorização e “mais respeito pelos médicos, enfermeiros e técnico de saúde”         

 

Em quatro meses a COVID-19 já infectou quase um milhão e quinhentas pessoas no mundo. Como é que analisa este fenómeno? 

Há quem diga que ela era previsível. Se não seria neste tempo seria noutro momento, mas o que acontece é que a história da humanidade é marcada para esta presença episódica de vírus, desde que nos conhecemos como espécie. Portanto, a ideia é que temos que nos preparar melhor daqui para frente para que todos os sistemas de saúde pública, de investigação, etc, estejam melhor preparados para dar uma resposta total.

O Governo, a partir do momento que a doença passou a ser uma preocupação mundial, antes de ser pandemia, começou a tomar medidas que evoluíram, recentemente, quando o Presidente da República declarou Estado de Emergência. O Governo apresentou uma fundamentação mas na quarta-feira relaxou parte destas medidas para se ajustarem a algumas realidades do país. Qual é o seu entendimento desta situação?

Eu acho que em primeiro lugar o Governo fez bem em não adoptar logo um sistema de confinamento total, obrigatório para toda a gente, que é o chamado lockdown, porque tem consciência das consequências desastrosas, sociais, económicas, etc. Nós temos uma sociedade bem particular, em que a maior parte da economia é informal. As pessoas vivem ganhando o seu dia-a-dia. Um lockdown iria atingir gravemente maior parte da sociedade.

Para nos mantermos no nível três de confinamento gradual e progressivo, temos que, como disse o ministro da Saúde, há dias, ser capazes de obedecer e pôr em prática o que nos está a ser pedido. É uma prova que a sociedade moçambicana tem que prestar para que não passemos para o nível quatro. Pode ser a situação epidemiológica obrigue a fazermos esse confinamento, o que nós não queremos.

Esta coisa de ir para atrás e para frente acho que pode confundir, pode parecer contraditória, mas a Organização Mundial da Saúde sugere também que se faça estas medidas e se verifique são eficazes, porque estamos a fazer coisas pela primeira vez. E à medida que elas não forem necessárias pode-se recuar. O que vai acontecer, provavelmente, é que este vírus volte: tem curvas ascendentes e descentes. Mesmo em sociedades que têm planos bem organizados haverá uma coisa que parece contraditória. Hoje, aliviamos e amanhã voltamos a ter restrições. Eu acho que neste caso em particular foi bom que o Governo decidiu por um certo alívio nessa pressão sobre alguns sectores sociais que não podem sobreviver com aquele nível de restrições.  

 

Que recomendações adicionais a estas medidas preventivas que já vêm sendo anunciadas?

Eu acho que há duas coisas que posso pesar. A primeira é em relação ao medo com que as pessoas ficam. Quando se tem medo consome-se mais rapidamente e facilmente notícias falsas, rumores, boatos, etc. Uma coisa que eu iria sugerir é que interroguem a fonte de onde vem a informação: WhatsApp, Facebook, rádio e televisão. Se não vier de uma fonte autorizada que não se acredite nisso.

Outra coisa que está dita, também, em Moçambique e não tanto é vitamina D, que é pouco falada. Parece ser uma grande resposta à imunidade, que neste caso concreto é chamada a prestar serviço. A vitamina D compra-se na farmácia mas está gratuita num outro lugar, seja apanhando um pouco de sol. Eu acho que as pessoas devem apanhar sol em algum momento porque ajuda a absorver a vitamina D no organismo. Ela é um soldado fundamental na nossa defesa.   

 

Além de ser biólogo é amplamente como escritor, cientista e escultor das palavras. Qual seria a inspiração poética para os moçambicanos neste momento?

Não sei se a poesia aqui cabe muito. Mas eu queria deixar é uma palavra para as Forças de Defesa e Segurança, a Polícia [de Protecção] e a Polícia Municipal, para que tenham bom senso e tratem os moçambicanos com carinho. Não se trata de sair à rua para encontrar malfeitores. O inimigo não são as pessoas. As pessoas que prevaricam algumas delas não estão bem informadas. Às vezes a própria Polícia Municipal não está bem informada.

Tenho ouvido casos em Maputo em que se impede os vendedores da castanha de caju, de coco, da água de coco na Marginal, etc. [de exercerem as suas actividades]. Quem é que lhes mandou fazer isso? Às vezes há excesso de zelo. Isso não é o próprio polícia [que faz sozinho], mas são as chefias da Polícia que têm que ter uma leitura correcta do que está a ser dito.

Eu tenho fé que os moçambicanos vão se comportar à altura e nós vamos vencer esta situação. Tenhamos em consciência que esta situação é passageira mas ao mesmo tento definitiva. Que dizer, temos, agora. esta pandemia mas o vírus vai ficar connosco. Ele veio para ficar e vamos ter que perceber que a seguir não podemos ser os mesmos, mesmo na organização do Sistema Nacional de Saúde, que tem que ser mais privilegiado. Há que ter mais respeito pelos médicos. Vivemos numa sociedade em que todo o encorajamento é para o empresário de sucesso. Todo o nosso discurso foi virado para o empresário de sucesso e parece que toda a gente tem que ser empresário de sucesso. Mas o enfermeiro, o técnico de saúde e o médico em todo o lado do mundo foi muito desconsiderado. É preciso voltarmos e reequacionarmos isso no valor que as pessoas têm. Têm valor as pessoas se entregam aos outros, isso sim.            

   

 

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