MATIMBA YA NGWENHA I MATI
(A força do crocodilo é a água)
Ao celebrar, aqui em Moçambique, o Dia Mundial do Teatro, desejo começar por citar um provérbio Changana, que diz: Matimba Ya Ngwenya I Mati, o que significa “a força do crocodilo é a água”.
Parafraseando esta sabedoria popular, poderíamos dizer que a força do teatro é o palco. Ambos, fora do nosso elemento, nós e o crocodilo, perdemos algo da nossa vitalidade. Só em complementaridade somos, nós e o público, o crocodilo e a água.
Tudo na natureza conduz a esta sabedoria. Se formos à reserva dos elefantes de Maputo veremos como os elefantes mastigam o capim, vagarosos, concentrados, como num enlace amoroso.
O poderoso elefante, a sua força e tremenda soberba, o que seriam, se a erva fizesse greve e, à sua passagem, se enfiasse na terra que ele pisa?
Tremenda lição de humildade: quando come o capim – uma coisinha pouca, ínfima, rasteira – quem está cheio é a erva, o elefante está vazio: mudaram de importância.
A poesia e o teatro são as expressões privilegiadas para captar este jogo da reversibilidade que nos mostra como dependemos da fraternidade universal, pois não passamos de um elo. E nesta consciência, a poesia e o teatro, funcionam não como uma fuga da realidade mas como uma fuga para a realidade. É esta uma das funções sociais do teatro.
Infelizmente, escrevo-vos numa altura em que até juntarmo-nos periga a nossa continuidade. É um período de excepção, em que o corona vírus obriga a isolarmo-nos uns dos outros – eis – nos num período sombrio em que tudo parece acontecer contra os rituais. Como se a natureza nos quisesse proibir o karingana wua karingana, onde damos voz aos nossos mitos.
Devemos ser positivos e afirmar que vivemos hoje uma experiência histórica excepcional. Quando tudo isto passar, o que acontecerá, o mais inteligente para a Humanidade – a começar por aqueles que a governam – é começar a interiorizar que nem tudo vale… e que talvez a natureza esteja pedindo para que mudemos as nossas vidas. Além de mudanças climáticas, existem muitos sinais que nos vêem sendo enviados e há que mudar de comportamentos se pretendemos continuar a ser viáveis como espécie.
E como espécie necessitaremos de, como diria o encenador Peter Brook, voltar a combinar a “proximidade” do dia-a-dia com a “distância” do mito – porque sem essa proximidade não conseguimos relacionar-nos uns com os outros e sem essa distância não consigo maravilhar-me, o primeiro passo que conduz à necessidade de melhorarmos e de melhor nos conhecermos.
E é nessa busca que faz todo o sentido que nos unamos. Que a força de cada um de nós, nesse infindável novelo que é a vida, nos aglutine numa só voz personificada na força e forma de uma Associação Moçambicana de Teatro (AMOTE)… uma entidade voltada para o palco da vida; afinal, o teatro é o palco ideal onde estes saberes populares e novos personagens míticos ganham rosto, voz, gesto, uma raiz.
Mas nunca nos podemos esquecer do elefante e do capim, do crocodilo e da água, de como o elemento que parece o mais fraco afinal pode ser o fundamento que permite às coisas acontecerem.
E esta lição devemos estendê-la ao âmbito social em que actuamos – neste momento de fraqueza universal devemos abraçar a ideia de que o teatro também deve actuar como uma esfera de influência para o problema da inclusão, que esta é uma nova missão a que nos devemos devotar.
Pensem, como o mundo seria diferente, como o mundo do espírito e mesmo o mundo físico seriam mais pobres se Homero, o cego, ou se Stephen Hawking, esse brilhante físico e cosmólogo agarrado a uma cadeira de rodas por doença degenerativa, não tivesem transformado os seus problemas em vantagens com a força da resiliência. O universo da sensibilidade humana e o nosso conhecimento do espaço seriam muito reduzidos.
Todos temos potencialidades transformadoras dentro de nós e só temos de assegurar que todos sem excepção possam ser ouvidos na sua narrativa. Lembrando sempre que somos, cada um a seu modo, os elos que, juntos, darão expressão a AMOTE.
Nós temos o palco para isso, e teremos de ter igualmente a humildade para dar voz aos diferentes. É este o reforço de que necessitávamos para nos galovanizarmos como humanidade, eis o novo desafio: integrar.
E é esta a mensagem que vos deixo, fazendo votos para que para o ano estejamos aqui a celebrar de novo o Dia Mundial de Teatro com redobrada paixão.