Há, pelo menos, 300 mendigos na cidade de Maputo, número que pode ter aumentado com a pandemia da COVID-19. Além da mendicidade habitual, há organizações que se dedicam ao acto em frente a supermercados.
A rotina repete-se todos os dias no início da manhã quando a mão estendida na Avenida Alberto Lithule, esquina com 24 de Julho, se prepara para receber dos que por aqui passam alguma coisa, qualquer que seja!
“Perdi a minha mãe no ano passado e, depois da sua morte, fui detido e nem consegui participar do seu enterro. Vivíamos só nós, os dois, em Boane, Mahubo. Quando saí da cadeia, a casa na qual morávamos tinha desabado”, contou Mateus Silvestre Sitoe, mendigo na cidade de Maputo.
Mateus Silvestre Sitoe perdeu a sua mãe e a casa na qual vivia desabou. Era o princípio da ruína. Aguentou até onde pôde, mas não por muito tempo.
“A partir daí, meti-me nas drogas e outras coisas. A minha memória não funcionava como devia ser. Abandonei a casa que, na verdade, já não existia e, até agora, não existe”, disse Mateus, num tom carregado de tristeza.
E porque a sua casa já não existia, hoje, a rua é o seu lar, o seu endereço já lá passa um ano. Sem alternativa, Mateus vagueia pelas avenidas da cidade de Maputo sem destino alimentado pela mendicidade e, quando o sol se põe, procura um esconderijo a céu aberto.
“Com o dinheiro que consigo, compro comida, mas o dinheiro não me é dado a todo o momento. Um e outro é que dá. Nas primeiras horas, posso conseguir 50 meticais, vou tomar o pequeno-almoço e volto, novamente, para pedir e compro o jantar”, explicou o que faz o dinheiro que consegue na mendicidade, sua forma de ganhar a vida.
O homem de 40 anos de idade já foi casado e tem três filhos que os abandonou para abraçar a vida da rua, onde passa fome, frio, a tuberculose e HIV/SIDA que o consomem. O futuro é sombrio, mas nunca perde esperança de aqui conseguir dinheiro para comprar comida e aguentar a medicação.
Mateus Sitoe é da rua e vive do que ela dá! Mandlacazane Luís Mandlate está na rua a mendigar dinheiro para se alimentar e os seus nove filhos. “Eu estou na rua a mendigar, porque nada tenho. Não tenho o que fazer e muito menos quem me ajudar. Não tenho o que vender. Só tenho filhos”.
A mulher de 62 anos tem casa. Vive na localidade de Bobole, distrito de Marracuene, província de Maputo, de onde sai, pelo menos, três vezes por semana para pedir dinheiro na capital do país.
“Em alguns dias, consigo 100 meticais, 150 ou mesmo 200 meticais, mas não é frequente, uma vez que gasto 50 meticais com o transporte, o remanescente guardo”, referiu Mandlacazane Mandlate, mendiga na cidade de Maputo há mais de quatro anos.
Mandlacazane era vendedeira, mas parou de vender depois que foi atropelada, um acidente que lhe custou a mobilidade e limitou suas forças. Espera ter uma ajuda para voltar a fazer negócio e abandonar a mendicidade.
São apenas dois casos no enorme albergue, chamado cidade de Maputo, a capital do país, que faz vítimas a cada dia que passa. O fenómeno continua preocupante e a edilidade está a braços com ele já há cinco anos e ainda não tem um fim à vista.
“É uma situação complicada e o município, no seu plano, está a rever a forma de actuação. Existe uma postura municipal de combate à mendicidade, aprovada em 2016 e estamos a usar, mas tivemos uma paragem por causa da pandemia. O instrumento faz a definição de quem é mendigo e o agente promotor da mendicidade”, reconheceu Gilda Florentina, Directora Municipal da Acção Social na cidade de Maputo
Seguindo esses padrões, os Serviços Sociais, na cidade de Maputo, reconhecem haver pessoas que não são mendigas e aproveitam-se da situação para conseguir dinheiro. “Algumas crianças podem estar a ser usadas para fazer aquele trabalho. Devem ter algum patrão. Alguns deficientes são usadas para sensibilizar as pessoas, o que não devia acontecer” admitiu essa possibilidade, a Directora Municipal da Acção Social, na cidade de Maputo.
Se devia ou não acontecer, o facto é que a mendicidade existe nas ruas da capital do país e Gilda Florentina diz que só parando de dar é que se pode combater o fenómeno.
“Se o mendigo existir, mas o promotor da mendicidade não existir, o mendigo desparece. Não estará lá. Estará na rua quem realmente precise, porque não terá mais nada para fazer e sem outras fontes de sobrevivência”, apontou Gilda Florentina.
Conferir algum tipo de profissão aos mendigos é uma das cartas que os Serviços Sociais da cidade de Maputo têm na manga, mas, neste momento, é a COVID-19 que determina as regras do jogo.
Dados do Conselho Municipal de Maputo estimam que existam, na capital do país, pelo menos 300 mendigos, mas há, também, organizações que praticam a mendicidade. O projecto Criança sem Lágrima é um dos exemplos.
O patrono é o músico Rei Anaconda, conhecido nesses meandros como Dilamarques que usa a imagem de crianças vulneráveis para pedir dinheiro em frente dos supermercados. “Eu não faço isso por moda. Eu faço por espírito, porque eu sei que existem crianças que precisam muito. Pus em prática um plano que era ficar em frente dos supermercados. Falei com os responsáveis para ver se conseguimos alguma coisa”, detalhou Dilamarques, patrono do projecto Criança sem Lágrima.
Um plano que, aos olhos do Conselho Municipal de Maputo, é, sem dúvidas, mendicidade. “É, de facto, uma nova estratégia de mendicidade. Estão na porta dos estabelecimentos, grandes, de luxo, pedindo dinheiro. Nós já constatamos isso, mas não temos a certeza absoluta ou alguma de que aquilo é para alguém que precise. O que nós estamos a fazer é encontrar os sítios, onde eles costumam concentrar-se mais, vamos identificar as pessoas e tomaremos as medidas necessárias que uma delas será perceber quem são eles, o que querem, o que fazem e para quem fazem”, confirmou a Direcção Municipal da Acção Social na cidade de Maputo.
Um posicionamento que, para o projecto Criança sem Lágrima, não faz muito sentido, porque a causa é justa. “Eu acho que eles também estão a fazer a sua parte e nós, a nossa. Quando as pessoas fazem as coisas acontecerem, não roubam coisas de ninguém, deviam dar um pouco de crédito”, contra-atacou Dilamarques, afirmando que, para alguns, o que está a fazer pode ser mendicidade, mas ele não tem vergonha, porque faz coisas bonitas acontecerem.
Faz coisas bonitas, mas não existe nenhuma base legal que norteia a criação do projecto Criança sem Lágrima e muito menos a sua actuação. “Ainda não temos a documentação completa, mas estamos a tratar disso. Não posso dizer que estamos 100 por cento legais. Estamos a finalizar; isso é um processo. Sobre o tempo para a conclusão dos processos, só os meus advogados é que podem dizer”, reconheceu a ilegalidade da iniciativa num tom embaraçado.
Ou seja, o projecto está a operar ilegalmente há cerca de oito anos e Dilamarques diz-se padrinho de alguns infantários. “Eu sou o padrinho deste infantário desde que eu entreguei a minha vida a Jesus. Eu disse que eu quero ajudar as crianças e vim descobrir o infantário 1º de Maio, no qual sou padrinho”, revelou o músico Rei Anaconda.
Entretanto, a Directora do Infantário desconhece esse facto: “Ele não é padrinho, mas sim amigo do infantário, porque ele costuma vir nas nossas festas”, refutou Ana Inácio, Directora do Infantário 1º de Maio.
A Directora do Infantário 1º de Maio não sabe que Dilamarques é padrinho da organização e acrescenta que os apoios trazidos por si são, geralmente, de outras entidades. “Ele não vem com frequência, não posso mentir, mas, sempre que ele vem nos dar algo, é em nome do PEPE, trazendo roupa e calçado. Nalgum momento, achava que ele era parte da empresa”, esclareceu Ana Inácio.
Rei Anaconda diz que vive da música e de outros negócios. Do projecto que é sua iniciativa não tira nenhum benefício. “As outras pessoas podem pensar que estamos a ganhar alguma coisa com isso, mas nós estamos a trabalhar para poder ajudar as crianças. São oito anos. Se eu quisesse desviar, teríamos dinheiro das ONG, mas nós não fazemos isso. Nós, até, gostaríamos de ter esse apoio, mas nós estamos a trabalhar para as crianças”, desmentiu Dilamarques.
As meninas são as mais usadas nessa iniciativa de pedido de dinheiro em supermercados. Pedem esmola em frente dos estabelecimentos comerciais e nada ganham em troca. Dizem que praticam o acto como voluntárias, porque gostam.
“Eu não faço mais nada. Faço esse trabalho de voluntariado, porque gosto, tenho amor ao próximo e quero ajudar os meus irmãos que são crianças abandonadas. Sinto-me bem por fazer esse trabalho”, justificou Olinda João, voluntária do projecto Criança Sem Lágrima.
Sentem-se bem ao fazer o trabalho que não lhes dá dinheiro das 07 às 17h. As suas necessidades são satisfeitas pelos pais, mas o transporte e o almoço estão na conta da iniciativa Criança sem Lágrima. “Quem nos dá o dinheiro do transporte e almoço é o senhor director (Dilamarques). Ele tira naquele pouco que a gente consegue”, revelou mais uma voluntária do projecto.