Na semana em que vários católicos, no país, peregrinam até Namaacha em memória à Nossa Senhora de Fátima, Marcelo Panguana lança Os peregrinos da palavra. Como quem viaja, com muita fé e sacríficos pelo caminho, o escritor esmera-se na busca da verdade e da coerência, tendo, como suporte, a palavra.
O livro mais recente de Marcelo Panguana será lançado às 17h:30 desta terça-feira, na Minerva Central, em Maputo, onde acontece a 82ª Feira do Livro. Coincidência ou não, a colecção de entrevistas surge de uma “peregrinação” entre o escritor e outros autores, numa árdua tentativa de tornar o mundo melhor a partir da palavra. Sempre a palavra, porque, explica Panguana, apesar de haver correntes convictas de que a literatura não tem poder suficiente para mudar a sociedade, “acho que a palavra muda e alguns autores com quem conversei comungam da mesma ideia”.
Nas entrevistas de Os peregrinos da palavra, conduzidas por Marcelo Panguana, escritores, poetas, ensaístas ou professores de Literatura falam de assuntos diversos, como os relacionados às dificuldades de produção literária. As conversas incluem, entre vários autores, Eduardo White, Aníbal Aleluia, Nataniel Ngomane, Filimone Meigos, Calane da Silva, Isabel Noronha, José Pastor, Juvenal Bucuane, Sangare Okapi e Lília Momplé, cada uma destas vozes, já agora, “peregrinas”, contam a sua verdade literária.
Este é um livro de afectos. Por isso, são entrevistadas pessoas que, ao longo do tempo, caminharam e partilharam a dificuldade de fazer literatura com o autor. Os peregrinos da palavra aglutina experiências de Marcelo Panguana como escritor e como jornalista: “fui fazendo jornalismo literário por anos. Ao longo desse tempo, conversei com muitos autores. Algumas entrevistas são inéditas e outras já foram publicadas em páginas de especialidade. Passados esses anos todos, senti que seria péssima ideia deixar essas entrevistas esquecidas”.
Nestas entrevistas a 15 autores, Panguana espera que seja possível compreender-se o que está a ser a literatura moçambicana nos últimos 20 anos. Panguana acredita que o livro é um documento que admite perceber o que se passa no país em termos de produção literária. E espera que este Os peregrinos seja um subsídio para enriquecer o espólio da literatura moçambicana. Além disso, Marcelo Panguana sente-se a contribuir para divulgar autores, com discussão sobre o dilema da publicação, conversa à volta do prazer da escrita e dos livros que escreveram. “Neste livro há todo um manancial que torna possível o leitor aperceber-se dos grandes conflitos que os escritores têm no processo da escrita”.
Na cerimónia de lançamento, Os peregrinos da palavra não terá um apresentador formal. Três peregrinos vão falar do livro e do percurso literário de Marcelo Panguana: Paulina Chiziane, Ungulani Ba Ka Khosa e Suleiman Cassamo. A completar a cerimónia, Stewart Sukuma, Roberto Chitsondzo e Arão Litsure farão o que bem sabem fazer…
Um percurso com 30 anos de carreira
O lançamento de Os peregrinos da palavra insere-se nas comemorações dos 30 anos de carreira de Marcelo Panguana, num “ofício solitário e doloroso”, a escrita. “Estes foram 30 anos de dor, trabalho, leitura, discussão e muita escrita”.
Para Marcelo Panguana, ainda é difícil fazer literatura no país porque, de certa maneira, não é tomada como prioridade. “A literatura fica para trás, é preciso gostar muito das palavras e de escrever para aguentar. Escreve-se porque se gosta e, quando se gosta, nunca se cansa. Sinto que com as minhas ideias e utopias contribuo para a construção do país”.
Ainda que a literatura não seja algo prioritário, de acordo com Marcelo Panguana, Moçambique está num bom caminho em termos de produção literária. “Estamos a produzir uma das melhores literaturas a nível dos PALOP. Precisamos é de divulgação porque, inclusive, temos uma geração boa de novos autores. Nos próximos tempos, o escritor moçambicano vai conquistar muitos leitores em outros contextos. Já ganhamos identidade, uma das coisas importantes da literatura”.
Em contrapartida, Marcelo Panguana, com experiência jornalística, defende que o considerado jornalismo cultural não está a atravessar bons momentos. “As políticas editorias deviam ser reformuladas. É necessário formar uma geração de jornalistas culturais que tenham amor profundo pelas artes. Não se pode ser Jornalista desportivo sem nunca ter visto um jogo de futebol. Do mesmo modo, não se pode ser um jornalista cultural sem se ler autores clássicos como Ungulani, Suleiman e etc. Existe uma tentativa malabarista de fazer cultura sem profundidade, sem análise crítica. Andamos a enganar-nos uns aos outros. Só temos pessoas que fazem copy and paste”, afirmou o escritor.
A capa de Os peregrinos da palavra tem a assinatura de Quehá e o prefácio foi escrito por Daniel da Costa. O livro sai sob a chancela da Alcance Editores.