A cidade da Maxixe despontava com o vigor de sempre, como se o pulsar da vida tivesse sido meticulosamente sincronizado com o romper do dia. Sob a claridade generosa de um sol abrasador, o Mercado Tsuwula vibrava de energia. As ruas pavimentadas de paralelepípedos tornavam-se o palco de uma azáfama única: mulheres equilibravam cestos de vegetais na cabeça, homens carregavam sacos de farinha, e os vendedores anunciavam os seus produtos em vozes que competiam com o caos envolvente.
Era aqui, entre a multidão e o burburinho incessante, que Joaquim passava os seus dias. O rapaz de quinze anos era um rosto conhecido naquele mercado. Magro, com o corpo marcado pela exaustão precoce, carregava nos olhos castanhos um brilho resiliente que contradizia a sua magreza. Ele era o mais velho de sete irmãos, o sustento de uma família onde a pobreza fazia morada há gerações.
“Mamã, vou vender,” dizia Joaquim todas as manhãs, antes de sair de casa. A voz era firme, embora o cansaço das madrugadas acordadas o traísse.
“Vai, meu filho. Que Deus te acompanhe,” respondia a mãe, sempre com a mesma frase, como se o pedido divino fosse o único escudo que podia oferecer.
Joaquim saía de casa ainda sob o manto da madrugada, enquanto a cidade dormia. No SOCOPOL, uma loja famosa da Maxixe, fazia as suas compras diárias: refrigerantes, pacotes de bolachas e garrafas de água que depois revendia no mercado. Cada metical era contado com precisão matemática, como se o peso do dinheiro fosse tão real quanto o das mercadorias na mochila.
Ao chegar ao Tsuwula, a visão do mercado fervilhante enchia Joaquim de um misto de esperança e angústia. A rua principal, feita de pavê, estava repleta de bancas improvisadas e vendedores ambulantes que tentavam atrair compradores com os seus gritos persistentes. Joaquim posicionava-se num canto estratégico, perto de uma loja de eletrodomésticos que atraía bastante movimento.
“Água fresquinha! Bolachas gostosas! Quem leva?!” gritava ele, com a voz carregada de uma determinação que desafiava a sua idade.
A cada venda, sentia um pequeno triunfo, uma faísca de alívio que o mantinha em pé. Mas não podia descansar. A polícia municipal costumava aparecer sem aviso, e quando o fazia, o mercado transformava-se numa cena de fuga desesperada. Os fiscais retiravam os vendedores, confiscavam mercadorias e, às vezes, distribuíam multas que ninguém tinha como pagar.
Naquele dia, o calor era sufocante e o ar parecia parado, como se o próprio vento tivesse desistido de soprar. Joaquim já tinha vendido algumas garrafas de água e pacotes de bolachas. O dinheiro no bolso não era muito, mas suficiente para garantir algo na panela em casa. Foi então que o aviso soou:
“A polícia está a chegar!”
O mercado explodiu em movimento. Joaquim apressou-se a recolher os produtos. Com a mochila às costas, lançou-se numa corrida para escapar, seguindo outros vendedores que também fugiam. Porém, na pressa de atravessar a rua, não olhou para os lados.
O som de um autocarro a travar encheu o ar. Depois, um impacto seco.
Joaquim caiu no chão. A mochila que tanto protegera foi arremessada para longe. O sangue tingiu o pavê, enquanto a vida no mercado parecia congelar. Os gritos substituíram o barulho habitual.
“Mamã, tragam a mãe dele!”
A mãe de Joaquim chegou descalça, o rosto desfigurado pelo desespero. Ajoelhou-se no pavê quente, puxando o filho para os braços.
“Filho, fala comigo! Fala comigo, por favor!”
Joaquim abriu os olhos, mas a sua voz era um sussurro fraco.
“Mamã… eu vou, eu vou…”
“Não, meu filho! Não vais! Quem vai cuidar dos teus irmãos?!”
“Mamã… cuida deles… eu vou.”
Os olhos de Joaquim fecharam-se pela última vez, e o grito da mãe ecoou pelo mercado, um som que rasgou os corações de todos os presentes.
Nos dias que se seguiram, a ausência de Joaquim foi sentida no Mercado Tsuwula. O canto onde costumava ficar parecia vazio, mesmo no meio do caos habitual. A sua família, agora sem o seu provedor, enfrentava um futuro mais incerto do que nunca.
A história de Joaquim é a de muitos outros meninos e meninas que carregam nas costas um peso que não lhes pertence. Crianças obrigadas a trocarem a inocência por responsabilidades esmagadoras, enquanto a sociedade continua a ignorar o impacto de políticas ineficazes e da pobreza enraizada.
O Mercado Tsuwula, com as suas ruas cheias de vida, esconde tragédias que se desenrolam todos os dias. A fiscalização implacável dos vendedores informais é apenas mais um sintoma de uma sociedade que não reconhece a luta diária pela sobrevivência.
E o que dizer das crianças como Joaquim? Meninos que deviam estar nas salas de aula, mas que são empurrados para as ruas para garantir que os seus irmãos tenham algo para comer. Quem os protege? Quem lhes dá voz?
“Mamã, eu vou,” dizia Joaquim todas as manhãs. Hoje, as suas palavras ressoam como um eco de resistência e um lembrete da fragilidade humana perante as desigualdades.
O sol da Maxixe continua a brilhar com a mesma intensidade, mas para a mãe de Joaquim, cada amanhecer é uma nova batalha, onde a ausência do filho se faz sentir em cada canto da casa.