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Mais de duas mil pessoas na cadeia sem condenação

Um problema antigo, mas ainda sem um fim à vista. Milhares de pessoas são detidas preventivamente no país, aguardam por um julgamento e pela condenação ou absolvição, mas tal não acontece, chegando até a ficar na cadeia por muitos anos.

Por exemplo, a ministra da Justiça, Helena Kida, diz que há, actualmente, em Moçambique, mais de duas mil pessoas detidas preventivamente, que não sabem quando irão a um julgamento, para serem condenadas ou absolvidas.
Entre os visados, há quem está há mais de cinco anos na cadeia, sem saber se devia estar lá por mais ou menos tempo. Para Helena Kida, a não legalização das prisões pode ter a ver com a morosidade processual dos tribunais.
Ontem, “O País” teve acesso ao Estabelecimento Penitenciário de Máxima Segurança da Província de Maputo, vulgo B.O., onde a ministra participou num evento do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).

Logo à entrada, as roupas cor de laranja chamaram a nossa atenção. É o uniforme que identifica os reclusos que passam seus dias por detrás das gigantes e brancas paredes da B.O. Sobre si pesam vários crimes, mas alguns, senão a maioria, nunca estiveram num tribunal para se defenderem das acusações.

No estabelecimento penitenciário, histórias de pessoas com prisão preventiva expirada é o que há demais. Não é raro encontrar, por lá, histórias de pessoas que estão a cumprir uma pena que, pura e simplesmente, desconhecem.
No recinto prisional, a ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, esteve a interagir com os detidos e as suas respostas confirmaram que o antigo problema de prisão preventiva fora do prazo continua longe do fim.

“Eu já estou há cinco anos detido e ainda não fui julgado”, disse um prisioneiro, a quem, de seguida, a ministra perguntou se já lhe foi dada assistência pelo IPAJ, ao que respondeu: “atenderam mais de cinco vezes e dizem que não estão a achar o processo. O único sítio onde fui ouvido foi no Serviço Nacional de Investigação Criminal, na Cidade de Maputo”, revelou Meque, um dos reclusos do Estabelecimento Penitenciário de Máxima Segurança da Província de Maputo.
Contudo, não é só na legalização das prisões que há morosidade. Ela é extensiva à concessão da liberdade condicional e provisória. Os reclusos questionam o papel do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica nos processos que têm.

“Quando chegou o momento da minha liberdade condicional, o Estabelecimento Penitenciário da Província de Maputo fez o seu expediente, mandou ao Tribunal. Ficamos um tempo à espera da resposta, que nunca apareceu”, contou Sérgio Tomo, prisioneiro que já cumpriu 10 dos 12 anos da pena a que foi condenado.

Depois de expor o seu caso à ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Sérgio Tomo reconheceu que tem sido visitado pelo IPAJ, mas a instituição parece ter caído em descrédito para o recluso, pois “colecta os nossos dados e não nos traz resultados”.
As personagens de quem acima falamos são apenas exemplos de mais de 500 pessoas detidas e ainda à espera do julgamento e acima de 100 sem liberdade condicional, só no Estabelecimento Penitenciário da Província de Maputo.

Superlotação é o que se vê em quase todas as cadeias no país. O Serviço Nacional Penitenciário tem capacidade para oito mil reclusos, mas, neste momento, está com mais de 23 mil prisioneiros.
“Superlotação dos estabelecimentos penitenciários a nível do país tem condicionado a gestão penitenciária e o processo de reabilitação dos reclusos, pois esta situação dificulta a viabilização do tratamento a ser conferido ao recluso e acelera a degradação das infra-estruturas”, explicou António Maurice, director-geral do Serviço Nacional Penitenciário.

Com estes dados, as condições nas quais vivem os detentos nos estabelecimentos penitenciários não são das melhores, tal como descreve um sul-africano que já cumpriu 10 dos 14 anos de condenação por tráfico de drogas.
“Nós dormimos, em número de oito, numa cela que tem capacidade para quatro pessoas, sendo duas ou três em cada beliche. Há prisioneiros que dormem nos corredores da cadeia”, descreveu um dos reclusos, de nacionalidade sul-africano, que cumpre pena na cadeia de máxima segurança.

Helena Kida reconheceu os problemas, afastou de si a total responsabilidade e apontou o dedo aos outros intervenientes.
“Penso que é importante levar esta preocupação ao Conselho Superior da Magistratura Judicial e ao Presidente do Tribunal Supremo para, talvez, dentro da sua estrutura, conseguir resolver. Aí, já não sou eu que faço”, disse Kida, ministra da Justiça, sacudindo o capote e espalhando “o mal pelas aldeias”.

A ministra acrescenta que a solução passa por o Tribunal Supremo conseguir perceber o que está a acontecer a nível dos tribunais ou das magistraturas, porque esta demora na tramitação é para ser resolvida. “Se há soluções que podem vir do nosso lado, então nós vamos trazer. Nós estamos a fazer a nossa parte que é receber, acomodar e cuidar, mas, depois, há aqueles outros que têm que garantir o tempo suficiente”, referiu Kida.

Helena Kida falava, hoje, no Estabelecimento Penitenciário da Província de Maputo, no âmbito do lançamento da feira de assistência jurídica alusiva à inauguração do edifício do IPAJ, a acontecer ainda este ano.

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