O País – A verdade como notícia

Mais de 60 mil crianças não tiveram o nome do pai na certidão de nascimento em 2022

Foto: O País

O Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos diz que o número de crianças sem nome do pai na certidão de nascimento tende a subir desde 2019 e que as estatísticas são maiores nas regiões Centro e Norte do país.

Ter um nome é um direito fundamental considerado por lei. Entretanto, há cada vez mais mães que suportam sozinhas as filas nas conservatórias para registarem, só com o seu nome, os seus filhos.

A denúncia é do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, e indica que casos do género têm vindo a aumentar desde 2019.

“Em 2019, foram cerca de 40,499 mil crianças sem a paternidade mencionada no seu assento de nascimento. Em 2020, com as restrições da pandemia, os números baixaram consideravelmente para 28,132 mil, mas em 2021, o número voltou a subir, desta vez para 54,561”, disse Fátima Baronet, directora nacional adjunta dos Registos e Notariado.

No ano passado, 2022, o número subiu para níveis nunca antes vistos. Durante 12 meses, 64,546 mil crianças foram registadas apenas com os nomes das mães.

Nas zonas Centro e Norte do país registam-se os maiores casos. O abandono do companheiro tem sido apontado como a principal causa que leva as mulheres a colocar apenas o seu nome nos documentos das crianças.

Todavia, no ano passado, o terrorismo teve grande influência nas estatísticas, provavelmente porque “o pai já não está vivo, a mãe fugiu, ou os pais estão desaparecidos”, Justificou Fátima Baronet.

Na Primeira Conservatória da Cidade de Maputo, o “O País” conversou com Hamilton Chirruco, pai que, acompanhado pela sua esposa, queria assegurar-se que o seu filho fosse “reconhecido pelo Governo como o pai legítimo do seu filho”.

Outro exemplo foi o de Mandito Cecílio, que quis acompanhar, na primeira pessoa, um dos momentos mais importantes da recém-iniciada vida de sua filha.

Quatro meses depois do nascimento, o pai de primeira viagem, junto à sua esposa, decidiu fazer o registo da criança. Pela importância e significado do momento, a avó e a tia – paternas – da menor não o quiserem perder.

Orlanda José, mãe da menor, lamenta: “Nem todas as mulheres são acompanhadas pelos maridos neste momento importante” e diz estar muito feliz “ao ponto de não conseguir expressar por palavras o quanto”.

Mas nem todas as histórias têm um final feliz. Em Moçambique, atitudes como as destes pais tendem a ser raras. A omissão da paternidade torna-se um acto cada vez mais comum.

O facto deixa a criança desprovida de vários direitos perante a lei. Como o próprio direito a ter um nome, o direito de conviver com os seus pais e familiares, o direito à herança, em caso de falecimento do seu pai.

O advogado Victor da Fonseca explica que “por se tratar de um direito público, qualquer um, seja familiar ou não, que tiver a informação de que a mãe não registou a criança e o pai nega-se o direito, pode direcionar-se ao Ministério Público, que é o curador dos menores, para fazer o registo”, disse.

Os impactos psicossociais que o problema pode causar na vida da criança começam ainda na infância.

A psicóloga Lia Alves esclarece que a ausência do nome do pai na certidão de nascimento vai criar deficiências no processo de construção da identidade do menor, bem como influenciar na forma como ele vai sentir-se na família e na sociedade.

“Primeiro por causa da ligação sanguínea e, depois, por causa da presença de ligação física. Mais tarde, por causa da influência social, a criança tem que provar a sociedade a que ele pertence, e esse sentimento de pertença está ligado à formação do ser humano”, explicou.

Em muitos casos, as crianças sem nome do pai estão sujeitas a estigma e descriminação social.

São vários os motivos que levam os homens a não reconhecer os seus filhos perante a lei. A psicóloga explica que um deles é que muitos homens são movidos pelo medo da responsabilidade de cuidar de um filho.

“Estamos rodeados de homens, na nossa sociedade, que ainda não entendem que o sexo gera filhos”, disse.

O relatório do Fundo das Nações Unidas para a População, de 2020, indica que quase metade de todas as gestações, num total de 121 milhões por ano, são indesejadas.

No referido documento, os autores despertam para a necessidade de agir, diante do que chamaram de “crise negligenciada”.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos