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Comunidade Islâmica critica inércia do Estado no combate aos raptos no país

A Comunidade Islâmica exigiu, hoje, uma acção enérgica do Estado para combater os raptos. A agremiação diz que as vítimas não colaboram com a investigação porque não confiam na Polícia. Ademais, o grupo afirma desconhecer os rostos da brigada anti-rapto e o seu trabalho para travar o fenómeno.

“Estamos cansados. Estamos a chegar a um esgotamento e cada dia que passa. Se quiserem, vão aos aeroportos, todo o mundo está a ir embora.”

É o desabafo de um dos maiores grupos de vítimas de raptos em Moçambique.

Numa conferência de imprensa que o jornal O País cobriu de forma exclusiva, a Comunidade Islâmica exigiu, esta terça-feira, uma acção enérgica do Estado para combater os raptos que assolam o país há mais de 13 anos.

“Tem de haver sentimento e, da parte do Estado, alguma reacção mais enérgica. Aquela que nós podemos sentir que, de facto, alguma coisa está a ser feita. Nós condenamos e exigimos do Estado que nos esclareça, porque a única entidade com poderes legais para investigar para apurar responsabilidades é o Estado, através dos seus órgãos, nomeadamente a Polícia, PGR e tribunais, e nós não sentimos isso”, revelou Salimo Omar, em representação da comunidade islâmica.

E eles não sentem isso, porque, desde o ano em que se registou o primeiro caso de rapto em Moçambique, para a comunidade, ninguém já foi detido e condenado.

“As investigações têm de ter resultados e um desfecho. Há 13 anos que não temos resultado e desfecho de nenhum dossier. Sempre que alguém é libertado de um rapto, a seguir, toda a gente entra em pânico sobre quem será o próximo e andamos assim, sucessivamente”, avançou Salimo Omar, acrescentando que “as pessoas que saem já não saem de casa, não convivem. Na nossa cidade, nas nossas comunidades, a angústia e tristeza são tão grandes que não vemos ninguém a sorrir. Não há um bem-estar. As nossas mesquitas estão vazias, porque as pessoas têm medo de ir. É tão complicado que na casa de Deus as pessoas exijam que nós tenhamos um batalhão de homens. Não é isto que resolve. Pelo caminho também pode haver rapto.”

Porque isto não resolve, os raptos continuam a acontecer à luz do dia e com os raptores destemidos e empunhando armas de fogo.
Entretanto, após o pagamento de resgate e libertação do cativeiro, as vítimas dos raptos e os familiares não colaboram com a Polícia porque não confiam no agentes da corporação.

“Os familiares das vítimas dizem que quando são chamados na Polícia e Procuradoria recebem chamadas telefónicas a dizer que hoje (determinado dia) a tantas horas vai ser intimado. Cuidado. Vou lhe matar. É que a segurança fase do rapto é a morte. As vítimas desconfiam da Polícia”, desembuchou o representante da Comunidade Islâmica.

A par disso, a Comunidade Islâmica questiona a actuação da tão propalada brigada anti-rapto para o combate a este tipo legal de crime. “Há dois anos falamos da brigada anti-rapto, mas nós ainda não vimos nenhum resultado desta brigada. Pelo menos uma coisa palpável. E mais grave ainda, nem sabemos quem faz parte da brigada anti-rapto. Não há nenhuma cara. Quando se nomeia directores do SERNIC, da Polícia, Comando vêm a público dizer que é este e o povo bem como nós todos ficamos a saber quem é, mas na brigada anti-rapto, nada”, observou.
Do trabalho que é feito, o que se vê são apenas pessoas suspeitas e nada mais que isso.

“Suspeitamos, mas não temos provas. Noventa e nove por cento das pessoas levadas ao tribunal, por razões que desconhecemos ou processos mal elaborados, são absolvidas”, disse Salimo Omar.
E mais: a agremiação desconhece o suposto fenômeno de rapto entre os membros do mesmo grupo por ajuste de contas.

“Esta coisa de dizer que é ajuste de contas do grupo, qual grupo? De que grupo estão a falar?”, questionou Omar, afirmando que “se a Polícia sabe qual é o grupo, que actue. De quê está à espera? Ninguém proibiu. Não há nenhuma instituição religiosa ou não religiosa ou associação económica, que diz para não actuar. Falar de grupos é fugir a solução do problema e nós não temos que fugir”.

A Comunidade Islâmica está, inclusive, aberta a apoiar as autoridades, em aspectos logísticos, para ajudar a esclarecer o crime dos raptos.
“Sempre estivemos dispostos a ajudar o Estado em questões logísticas, dentro daquilo que é a nossa capacidade e dos limites da lei. Se os serviços de investigação e policiais querem apoio têm que nos escrever e dizer que tipo de apoio querem e nós teremos que ver, dentro da nossa capacidade, se podemos contribuir com esse apoio e tem que estar inserido dentro dos limites da lei, senão corremos o risco de estarmos metidos na corrupção, suborno e nós isso não queremos. Ninguém vai fazer isso”, alertou o representante da comunidade islâmica, Salimo Omar.

Porque o crime de raptos não está a ter solução, muitos empresários estão a abandonar o país, o que desacelera os investimentos e empurra mais gente para o desemprego.

“Nós estamos a ter desemprego e isto cria criminalidade. Esta sociedade está doente. Todos os contribuintes estão a sair. O próprio Estado reclama que não tem receitas porque os pagadores de impostos foram embora e os que pagam os direitos de importação, também, foram embora”, revelou Omar.

A Comunidade Islâmica denunciou, ainda, detenções arbitrárias de membros deste grupo pela Polícia da República de Moçambique.

“Há um arbítrio na detenção às sextas e aos sábados sem mandados. Pessoas agarram em alguém. Basta ter uma barba e estar com uma batina ou basta estar engravatado. Alguém vai ao banco, no sábado, para depositar a economia ou o dinheiro que tem e é conotado com coisas que não são verdadeiras. A lei de branqueamento de capitais é clara sobre quanto é que em dinheiro deve ser declarado, depósito em cheque e que deve ser declarado”, denunciou Salimo Omar, representante da comunidade islâmica.

O grupo não sabe dizer porque os seus membros são as maiores vítimas de raptos no país.

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