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Luís Bernardo Honwana apela à união dos escritores para que a AEMO não caia no abismo

Foto: JR

Luís Bernardo Honwana considera que a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) enfrenta uma situação de crise. Por isso mesmo, o autor de Nós matamos o cão-tinhoso entende que os escritores devem voltar a unir-se para que a agremiação não caia no abismo. Honwana reuniu-se com os seus confrades esta terça-feira, na AEMO, a propósito dos 40 anos da agremiação que hoje se celebram.

A primeira vez que Luís Bernardo Honwana entrou na actual sede da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), na Cidade de Maputo, aquele edifício tinha a designação Casa da Metrópole, no período colonial. Algum tempo depois, passou a designar-se Centro de Informação e Turismo. Nessa condição, lá organizaram-se exposições de arte. Inclusive, o autor de Nós matamos o cão-tinhoso, então membro do Núcleo d´Arte, expôs alguns trabalhos.

Ora, depois da independência, no processo da criação da AEMO, Honwana convidou Rui Nogar, que se encontrava em Nampula, a ir a Maputo e, subsequentemente, a assumir a responsabilidade de executar tarefas concretas no processo da criação da agremiação, sendo pago por uma verba da Presidência da República.

Na verdade, a Comissão Instaladora da AEMO, presidida por Luís Bernardo Honwana, foi formada em 1980. Alguns anos depois, o escritor, então Chefe do Gabinete do Presidente da República, Samora Machel, envolveu-se na procura da sede da Associação Moçambicana de Fotografia, de que também era membro. Convidado por um amigo, o escritor foi visitar um certo edifício e, imediatamente, decidiu que serviria de sede para os escritores, pois a fotografia precisava de um espaço de exposição e o recinto não era o mais apropriado. Reservou-se, assim, o espaço para os escritores. Portanto, “Foi uma decisão perfeitamente unilateral. Estas coisas de democracia, a gente aprende com o tempo”, gracejou Luís Bernardo Honwana, na sessão com os membros da AEMO, esta terça-feira.

Quando a AEMO foi criada, a 31 de Agosto de 1982, os escritores entenderam que, se estivessem organizados, poderiam, de uma forma mais concertada e articulada, contribuir no processo da construção do país, fazendo uma chamada de atenção para certos aspectos que, eventualmente, representantes de outros sectores não tivessem ou a sensibilidade ou os instrumentos necessários. “Nós estávamos em condições de fazer isso, mas faríamos melhor se estivéssemos articulados. Nesse sentido, penso que temos cumprido o nosso papel. Ao longo desses muitos anos que o país tem, o peso da Associação dos Escritores tem-se feito sentir, bem ou mal”.

Para Luís Bernardo Honwana, o facto de existir uma associação na qual os escritores se encontravam e discutiam, talvez tenha permitido que uma parte da construção da nação tenha sido questionada ou avaliada, porque os escritores pensam e reagem às coisas e encontram caminhos que ainda não foram traçados. Ou seja, os escritores contribuíram para que os moçambicanos pudessem interrogar e encontrar caminhos que, de outro modo, não seriam assim tão visíveis.

“Alguns escritores tiveram um papel importante no processo da independência nacional. Muito dos processos desses autores é parte do processo da consciencialização dos moçambicanos e de luta. Os escritores eram algumas das bandeiras que os moçambicanos empunhavam rumo à independência. Então, era imperativo que houvesse uma associação dos escritores”, lembrou, antes de se referir ao que lhe levou ao encontro na AEMO: a união dos escritores.

 

O RECONHECIMENTO DA CRISE E A URGÊNCIA NA UNIÃO

Segundo entende Luís Bernardo Honwana, a AEMO é uma questão ética, quer dizer, o perfil ético do país é um bocado a responsabilidade dos escritores. Para o autor de Nós matamos o cão-tinhoso, durante muitos anos, a maior parte da sua existência, a AEMO foi especial. Mas isso mudou, e, criticando a fraca adesão num encontro em que estiveram mais jornalistas do membros da AEMO, desenvolveu: “Estamos todos conscientes de que esta associação vive uma situação de crise que, é minha opinião, ainda não está resolvida. Nós tivemos, não faz muito tempo, um processo eleitoral que, pela maneira como foi conduzido e pela maneira como se concluiu, fez com que nós deixássemos de ser aquilo que éramos: um animal diferente que está preocupado com questões de ética e com a própria postura histórica. Ficámos um pouco parecidos com a crise do Maxaquene ou do Desportivo. Ninguém ficou satisfeito com isso”.

Respondendo às perguntas dos jornalistas, Luís Bernardo Honwana criticou a ausência dos que deviam dinamizar a AEMO da seguinte maneira: “Os membros da nossa associação não estão aqui. Nem os actuais nem aqueles que, durante o processo eleitoral, corporizavam uma lista alternativa. Isto é o princípio do fim, não tenham ilusões em relação a isso. Quer dizer, nós ganhamos, mas também não estamos aqui. Não estamos a dar vida a isto. A associação vive das pessoas, do debate e do pluralismo de ideias. Já não estamos juntos. Estamos num momento de crise”.

Por entender que a associação que ajudou a criar está em crise, Luís Bernardo Honwana afirmou que o problema não se resolve com a afirmação de que “eu tinha razão”, mas com a humildade de dizer: “estamos nesta situação e como é que nós saímos disto e o que temos de fazer e de que maneira é que voltamos a ser aquilo que éramos”.

Aproveitando a presença de Filimone Meigos, a quem coube moderar a sessão, na ausência do Secretário-Geral, Carlos Paradona, Honwana invocou ainda mais o último processo eleitoral: “Se eu tivesse estado no processo eleitoral, talvez não teria votado na lista que está no poder. Não me pus esta questão, mas eu não vim propositadamente. Mas, muito provavelmente, eu não teria votado em vocês [referindo a Filimone Meigos]. Mas é necessário, neste momento, que todos nós nos juntemos para não deixar esta associação deslizar por esta via por onde está a deslizar a caminho do abismo. E quem tem de dirigir este processo é a direcção que nós temos. Não estamos a discutir eleições, as listas. Estamos a discutir o futuro desta associação”.

Na abertura da Conferência Constitutiva da AEMO, no então Conselho Executivo da Cidade de Maputo, Marcelino dos Santos, a presidir ao evento, afirmou que a literatura é um meio de elevar a inteligência a níveis superiores e de exercitar o raciocínio, um modo de libertar a capacidade de inovar, uma forma de atingir a plenitude da satisfação criativa e de mobilizar os obreiros da criação literária.

Na mesma sessão, intervieram Luís Bernardo Honwana, Orlando Mendes, Fernando Ganhão, Sérgio Vieira e Carlos Cardoso.

A primeira direcção da AEMO foi constituída da seguinte maneira: José Craveirinha (Presidente da Mesa da Assembleia), Joshua Mbazima e Abiatar Cossa (Vice-Presidentes), Leite Vasconcelos e Rafael Maguni (Secretários), Rui Nogar (Secretário-Geral), Albino Magaia (Secretário-Geral-Adjunto), Jorge Viegas, Calane da Silva, Gulamo Khan (Vogais), Orlando Mendes (Presidente do Conselho Fiscal), Clotilde Silva (Secretária) e Álvaro Zumbire (Relator).

 

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