Severino Ngoenha e Padre José Luzia defendem que há uma necessidade de se revisitar a história da intervenção da Igreja Católica na vigência do colonialismo português em Moçambique, numa altura em que se vive a terceira vaga da colonização. Os dois falavam durante o lançamento da obra “Moçambique: da colonização à guerra colonial, a intervenção da Igreja Católica”.
Uma obra escrita por dois escritores portugueses, Manuel Vilas Boas e Amadeu de Araújo, que retratam a intervenção da Igreja Católica no período colonialismo português em Moçambique. Uma intervenção que ajudou o país a perceber a ligação que existia entre a religião e a política.
Padre José Luzia, um dos entrevistados no livro é convidado a fazer comentários no lançamento do livro, disse que havia uma ligação directa entre a política e a religião, tal como a relação entre Dom Manuel Vieira Pinto, então Bispo de Nampula, e Samora Machel, então presidente da República.
“Quero dizer, o testemunho que temos, sobretudo do Vieira Pinto e o meu, não é tanto do tempo colonial. Atenção, que o Vieira Pinto ainda ficou até 2001. Portanto, é toda a relação de Vieira Pinto com Samora Machel”, disse o Padre José Luzia.
O sacerdote revelou ainda que o conteúdo do livro deve levar os leitores a uma percepção profunda da ligação entre religião e política. “Neste momento, nós precisamos de, ao ler este livro, perceber a profundidade, por um lado, do Evangelho de Jesus, porque agora às vezes aparece aí nas redes sociais que eles vieram com o Evangelho, mas ficaram com a terra e nós ficamos com a religião. Não é verdade”, revela.
E dá exemplo do que acontece com o próprio, quando diz que “aquilo que sou, politicamente, e sou profundamente político, não sou capaz de fazer uma homilia sem meter a mão na política. Não sou capaz. Porque, de facto, a fé e a política estão dentro de mim como alguma coisa que actua permanentemente. E eu não sou um crente a olhar celestialmente para as nuvens. Eu sou crente na conjuntura, e por isso fui o primeiro a ser expulso de Moçambique, a seguir à independência”.
Já Severino Ngoenha, que foi chamado para fazer a apresentação do livro, começou por dizer que as apresentações dos livros não têm que dizer o que os autores querem trazer, “têm que dar razões para as pessoas irem ler livros”.
Ngoenha disse que o livro “Moçambique: da colonização à guerra colonial, a intervenção da Igreja Católica” é um convite para rever uma parte da história moçambicana, mas também para revisitar a historiografia nacional.
“Estamos a 150 anos da terceira vaga da colonização, aniversário da escravatura, estamos a 50 anos de independência, o que foi a missão cristã. Recordar-se que em 1962, Paulo VI foi o primeiro a receber Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos, a dizer que, de um lado, o cristianismo não tem nenhuma novidade para os povos africanos, porque afinal de contas, a primeira terra do cristianismo foi a África, desde o primeiro século do cristianismo, e em segundo lugar a dizer que é legítimo que os africanos lutem pela independência, e foi a primeira grande personalidade a levantar-se contra a colonização e o aparecimento de libertação. Então, a Igreja tem os seus pecados, tem as suas virtudes, tem uma historiografia complexa e muitas vezes é tomada com demasiada simplicidade. Então, isto é um convite para revermos uma parte da nossa história e um convite da historiografia nacional para tomar a sério este tema”, revelou o filósofo.
O lançamento do livro, que já está à venda nas livrarias, contou com a participação de académicos, religiosos e estudantes.