Quando a propaganda nazista usou os Media recém-criados, na primeira metade do século XX, para mobilizar a população alemã no apoio à sua guerra, serviu-se da arte (música, teatro, filmes, livros, pintura) para difundir inverdade com forte carga ideológica. Discursos elogiosos sobre si e cartazes com caricaturas que ridicularizavam os seus principais alvos (judeus) garantiam que a mensagem nazista chegasse às massas com sucesso para gerar lealdade política. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Media centram-se a questões comerciais para promover e vender bens culturais.
Parece-nos fazer sentido que alguns teóricos da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, ao fundarem a teoria da Indústria Cultural, concebam a sua visão crítica sobre a arte que se estava a tornar cada vez mais enxuta, por conta da sua reprodução massiva e seriada, para acomodar interesses capitalistas dos agentes económicos da época. Foram precisamente dois anos após o término da Segunda Guerra que Adorno e Horkheimer publicaram a “Dialética do Esclarecimento”, onde afirmaram que a sociedade estava sendo manipulada através da popularização da arte e bens culturais por meio dos grandes Media, tendo em vista o lucro. E qual seria então o ponto crítico da produção acelerada de bens artísticos em larga escala? Tem que ver com o facto de serem produzidos somente para o entretenimento, sem possibilidade de gerarem reflexões ao consumidor. Esta foi uma visão celebrada por artistas renomados no planeta como é o caso de Nina Simone ao referir que “o papel do artista é reflectir o tempo em que vive” e a arte enxuta, infelizmente, não abre essa possibilidade.
Se a ascensão da rádio e televisão “pauperizou” a arte, então a Internet veio extinguir a ideia do milagre da unicidade e exclusividade na produção artística. Isso pressupõe que a padronização e a produção em série da arte tornaram-se realidades irreversíveis, o que significa que a Indústria Cultural veio para ficar, cabendo a cada nação como lidar com as suas manhas. Em outros quadrantes fora de África, por inerência da evolução, as abordagens sobre a Indústria Cultural já transcenderam o estágio de críticas ao conceito. A preocupação actual é com a robustez e hegemonia industrial. No caso particular de Moçambique, qualquer discussão que nos pareça fazer sentido seria sobre como o Estado concebe a Indústria Cultural a par de como o mundo a concebe centrando-se na competitividade.
Se concordamos que os bens culturais exógenos se revestem de um padrão universal sedutor que apreciamos, e por isso consumimos, parece-nos racional pensarmos em organizarmo-nos para ombrear com esses centros de produção de tais bens culturais e temos a prerrogativa de promover bens culturais exportáveis não enxutos, dada a larga diversidade cultural de Moçambique. Promover bens culturais exportáveis implica antes ter a capacidade de produzir para alimentar o ambiente interno, o que não é possível com políticas que colidem com a realidade local. Não se pode pensar a industrialização do livro enquanto este continuar menos acessível, sobretudo num contexto em que emergem cada vez mais autores e cada vez menos leitores. É uma contradição ao que prevê a política do livro. Significa que ainda não conseguimos estar próximos dos que seriam os piores exemplos da Europa, como é o caso de Portugal que está entre os países da União Europeia que apresenta baixos níveis de leitura, no entanto a edição anual de livros supera de muito longe as de Moçambique, agravado por baixas tiragens que revelam uma Indústria Gráfica local incipiente.
Não nos parece coerente pensar uma indústria de música moçambicana exportável em grande escala se não formos capazes de nos alimentarmos da própria música, a semelhança da África do Sul e Nigéria. Seria de todo estranho vender ao outro o que não consumimos. É mau sinal quando o tráfego congestiona e o Hotel Gloria fica abarrotado porque a Ana Joyce vai cantar e mesmo não ocorre quando um artista local se apresenta ao mesmo lugar. Isso impõe que a nossa política deve ser proteccionista à arte local. Depois de a Timbila ter sido proclamada Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, o que lhe garante grande destaque internacional e um crescente interesse sobre as suas origens, a preocupação de Moçambique não deve terminar em celebrações dessa façanha. Deve ser a de pensar como tirar proveito dessa conquista no mundo no âmbito da Indústria cultural. Não seria este o caminho para uma produção de Timbila em escala industrial para alimentação local e para exportação? Por outro lado, se a música nacional deve ser tomada como business, então a cadeia de produção e de valores deve ser repensada a partir do sistema nacional de educação. Privar crianças de educação artística e musical em particular, através do currículo do ensino público reducionista, para além de revelar a ausência do estado e incitar a não inclusão, elitiza a música e não promove a emergência artística musical que estaria em harmonia com a ideia de industrialização cultural. E a industrialização musical vai muito além do fazer música, compreende desenvolver uma capacidade de dependência interna de fabrico de instrumentos locais em grande escala para alimentar a escala maior. Tenhamos em conta que as sociedades são produto ideológico. Se a nossa noção de arte se centra no entendimento que coloca o ocidente como modelo de estética, significa que o ocidente foi suficientemente forte ao difundir sua carga ideológica. Cabe a nós invertermos a pirâmide para não estarmos na condição de subalternidade ao reproduzirmos a forma ocidental de arte – o que reduziria as chances de podermos ombrear com este no mercado global por não termos um diferencial a oferecer.
Não seria racional, por exemplo, contar com uma Indústria Gastronómica enquanto a visão de culinária se circunscrever a feiras, seminários públicos e não em criar “KFCs” e “McDonalds” tipicamente locais com visão expansionista internacional. Não é coerente pensar e materializar uma indústria do teatro e do cinema, com salas convertidas em templos, e o cinema visto como entretenimento e não como instrumento de mediação de valores moçambicanos capazes de seduzir o país e o mundo. Se o EUA exibe a sua pujança militar através do cinema, então nós podemos exibir os atractivos turísticos e outras potencialidades que geram receitas significativas ao estado. É, sobretudo, importante que haja muita clareza sobre como queremos nos posicionar enquanto Indústria Cultural com ascensão da Inteligência Artificial, atendendo os desafios muito básicos que temos com relação à internet.
Uma Indústria Cultural que se queira sólida num mercado global gera símbolos culturais através da sua arte. Se não somos capazes de firmar tais símbolos, pelo menos a nível da região, então a linha que separa o discurso da realidade ainda não é ténue. Se o que designamos indústria cultural ainda não escalou estágio de mercado consumidor de bens culturais, com altos níveis de consumo interno, e não gera receitas ao Estado, então estamos ao nível de discurso triunfalista e não de Indústria Cultural moçambicana.