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Inaugurada em Maputo a primeira clínica de tratamento de vícios linguísticos

Por: Valério Maúnde

 

O elevado índice de falantes com vícios linguísticos em Maputo fez que alguns profissionais da sociedade civil unissem esforços e fundassem a primeira clínica de reabilitação do país para falantes viciados em bengalas linguísticas, inaugurada na última segunda-feira.

“Trata-se de uma iniciativa que visa fazer face ao crescente uso abusivo de determinadas construções linguísticas contrárias à norma culta. Esta clínica pretende tratar diferentes patologias linguísticas, sendo as mais frequentes a ambiguidade, a cacofonia, o estrangeirismo, o pleonasmo e os bordões ou bengalas linguísticas.” – pautou Henriqueta Marengula, Directora da Clínica de Tratamento de Vícios Linguísticos (CTVL).

Relativamente ao público alvo primário deste centro médico-linguístico, Henriqueta Marengula informou: “– Na fase piloto, o atendimento vai ser dado exclusivamente a repórteres, apresentadores de televisão e locutores de rádio na cidade de Maputo, uma vez que estes profissionais, pala exposição ao público, se destacam, principalmente, no uso do bordão linguístico que consiste no emprego repetitivo e indiscriminado do termo ‘portanto’ nas suas produções orais, especialmente em programas passados em directo.”

O evento contou com a presença de várias individualidades dos ministérios da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) e da saúde (MISAU). Na ocasião, foi apresentada a equipa de trabalho responsável pelo tratamento dos pacientes, a saber, médicos neurologistas, psicólogos, terapeutas da fala, professores de Língua Portuguesa e pesquisadores da área.

Os jornalistas presentes no evento não esconderam o seu desconforto com a proposta da clínica e teceram duras críticas ao projecto.

“- Portanto, estão a tentar dizer que nós, jornalistas e locutores, não sabemos falar Português, quer dizer, portanto, agora vamos ser todos internados, e, portanto, a pergunta que não quer calar é esta: quem vai produzir notícia?” – desabafou uma renomada repórter da praça.

Na mesma senda, um afamado apresentador de telejornal de uma importante emissora nacional deixou ficar o seu sentimento:

“- Ora viva! Bem, no que tange a esta clínica, portanto, eu e os meus colegas estamos ofendidíssimos com a tese implícita à sua criação, portanto, nós nem fomos consultados sobre a necessidade desta instituição e, portanto, não achamos que seja útil para nós – comunicadores reconhecidos dentro de portas e além-fronteiras.”

Estes posicionamentos foram reprovados pelo Chefe de Estado que, tendo sido convidado a presidir a inauguração, deixou um recado claro e breve no seu discurso:

“- Compatriotas, senhores jornalistas aqui presentes, esta clínica que hoje inauguramos é a manifestação pública da preocupação da sociedade civil em relação a forma como vocês andam a falar nas televisões e rádios. Andam a repetir “portanto, portanto” toda a hora, parece não conhecem outras palavras. Nós, como governo, vamos ajudar a monitorar a vossa adesão aos tratamentos e vamos dar todo o apoio necessário para abandonarem os vícios de língua e serem exemplo para a nossa sociedade, do Rovuma ao Maputo, do Índico ao Zumbo. E ouçam bem:  não andem a complicar os docentes e toda a equipa que estão aqui para vos ajudar.”

Finalmente, no que concerne à duração e ao tipo de tratamento para cada paciente, Henriqueta Marengula fez notar o seguinte:

“- O nível de dependência está relacionado aos hábitos do indivíduo. A pessoa que acorda já dizendo ‘portanto’ quase sempre tem um alto grau de vício linguístico. Quem inicia uma frase e já sente a vontade de empregar a palavra ‘portanto’, em geral, também tem mais dificuldade de parar, porque existe, certamente, um nível mais acentuado de dependência. Nessas situações, a saída mais efectiva são mesmo as intervenções neurológicas, pois só as aulas de Língua Portuguesa não resolvem o problema.”

 

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