Moçambique é um país profundamente marcado por uma diversidade de recursos e oportunidades que permitiu um amplo leque de escolhas, particularmente nos primórdios da Independência Nacional, em 1975. Nessa ocasião o país opostou claramente na agricultura e na indústria como fórmula para realizar o sonho do desenvolvimento económico.
Alguns factores, particularmente a guerra dos 16 anos, não permitiram que a então “estratégia da passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento” fosse testada. A mais do que desejada assinatura dos acordos de paz (em 1992) trouxe algum alívio aos sectores económicos, sociais e ambientais que estavam profundamente sufocados, e a introdução da democracia multipartidária.
Nesse novo contexto, iniciou um processo de recuperação das infraestruturas destruídas pela guerra ou pelo abandono, e privatização de vastos sectores da economia. O « boom » daí resultante permitiu inicialmente que o país crescesse anualmente a dois dígitos, estabilizando-se em 7-8% durante longos anos, e caindo recentemente para 2-3%, no contexto de sistemáticos desastres naturais e Covid 19.
Entretanto, a prevalência de níveis elevados de pobreza absoluta, tanto no meio rural como urbano, o crescente aumento das desiguldades socias e económicas, o recrudescimento da criminalidade a todos os níveis, e a generalização dos fenómenos de corrupção (como por exemplo as dívidas ocultas) colocaram alguns pontos de interrogação na dinâmica do desenvolvimento nacional.
Paralelamente, a persistência de alguns fenómenos climáticos adversos também contribuíram para complicar a equação e retardar o processo. Alguns dos exemplos mais marcantes desses contratempos são : as cheias de 2000, o ciclone tropical Fávio (2007), o ciclone Jokwe (2008), o ciclone tropical Hellen (2014), os ciclones Idai e Kenneth (2019) e a tempestade tropical Ana (2022).
No momento de assinalar as conquistas e fracassos, há espaço para pensar na mudança de paradigmas, eliminar certos factores retardadores e acelerar o desenvolvimento, agindo particularmente sobre os sistemas alimentares, o meio ambiente, os recursos minerais e energéticos, os recursos humanos, a igualdade de género, as assimetrias de desenvolvimento e a governação.
- Apostar nos sistemas agro-alimentares
Os sistemas agro-alimentares continuam a representar a opção mais válida para um desenvolvimento sustentávél. Sabendo que cerca de 34% da população sofre de fome extrema e 80% tem como fonte de rendimento a agricultura, apostar no agronegócio pode ajudar a resolver, simultaneamente, dois problemas: o aumento do rendimento familiar para combater a pobreza e a disponibilidade de alimentos no mercado. O mesmo se pode dizer relativamente às pescas, aquacultura e pecuária.
Uma solução a curto prazo poderia envolver a organização dos produtores em cooperativas e o estabelecimento de parcerias com o sector privado para garantir o fluxo das cadeias de valor (compras de excedentes, transformação, comercialização, conservação e exportação).
- Incluir o ambiente e turismo na equação
Moçambique conta com um vasto manancial de recursos naturais com potencial para a exploração turística: uma longa costa de cerca de 2.770 kms de comprimento; áreas de conservação ricas em biodiversidade; montanhas e vales com particularidades geológicas, históricas e culturais; rios navegáveis e cataratas de beleza incomparável; diversidade climática para satisfazer diferentes preferências; e ilhas paradisíacas do ponto de vista paisagístico e ecológico.
Para além de políticas para a conservação desses recursos, é preciso investir em infraestruturas (estradas, portos, aeroportos, linhas férreas, sistema de transporte rodovíario etc.), no empreendedorismo nacional e na valorização do património cultural.
- Maximizar o potencial dos recursos minerais e energéticos
Qualquer equação para o desenvolvimento do país tem que levar em conta os recursos minerais e energéticos. O lançamento das operações para a exploração de gás e petróleo em Pande – Temane, o surgimento de empresas como a Vale, Rio Tinto, Jindal e Minas, explorando carvão mineral em Moatize, o lançamento das operações de exploração de gás na Bacia do Rovuma, o sucesso da Hidoeléctrica de Cahora Bassa e da Mozal, demonstram as potencialidades deste sector para alavancar a economia nacioanl. Também se pode falar da exploração de pedras preciosas e semipreciosas, diamantes, rubis, areias pesadas, ouro, mármore, grafite etc.
Com a exploração desses recursos o país pode ter receitas anuais de centenas de milhares de milhões de dólares (só em impostos). Deve-se, porém, evitar cair na armadilha da “doença holandesa”, embebedados pelo fluxo de dólares da economia extrativa. A solução é garantir a existência de um fundo soberano para projectar os recursos arrecadados para sectores da economia que garantem uma maior distribuição da riqueza: a agricultura e a indústria transformadora.
- Desenvolver recursos humanos e capacidade tecnológica
O desenvolvimento do capital humano foi sempre um calcanhar de aquiles em Moçambique, desde a proclamação da Independência Nacional. Com a saída em debandada dos técnicos e profissionais portugueses, o país viu-se obrigado a tomar algumas decisões corajosas: a duração dos cursos de licenciatura foi reduzida em um ano, algumas faculdades encerraram, alguns alunos finalistas da nona classe foram convertidos em professores, etc.
Essa geração cumpriu o seu papel, compensado às suas lacunas com o elevado espírito de entrega, dedicação e militância. Com a mudança de modelo económico, surgiram muitas instituições de ensino privadas, enquanto o ensino público ficou enfraquecido. As escolas primárias e secundárias estão visivelmente subfinanciadas. A carreira de professor primário e secundário é considerada quase um castigo. No ensino superior a emissão de diploma aumentou mas a qualidade é sofrível ou questionável.
É urgente rever completamente a política de formação de quadros, tornando-a uma prioridade. Só isso permitirá formar profissionais qualificados e garantir o domínio das novas tecnologias, essenciais para o aumento da produtividade e o crescimento económico.
- Promover a igualdade do género
As políticas que promovem a igualdade de gêneros, colocando homens e mulheres no mesmo patamar de direitos e deveres, representam um acelerador de desenvolvimento de grande potência. Moçambique já teve a experiência da participação efectiva das mulheres na Luta de Libertação Nacional, conta com a liderança feminina em alguns sectores económicos e sociais, e tem exemplos de excelência na literatura, desporto e turismo.
O país confronta-se porém com barreiras culturais que dificultam a participação das raparigas na educação e posteriormente no emprego. Algumas prácticas tradicionais não conferem às mulheres a dignidade e oportunidade que merececem. Embora o fenómeno seja mais acentuado no meio rural, a sua influência é notória nas mentalidades urbanas. Políticas para mudar os paradigmas das relações de género e promover o empoderamento das mulheres podem fazer uma grande diferença, particularmente no aproveitamento da sua capacidade produtiva, criatividade e objectividade.
- Eliminar as assimetrias de desenvolvimentnto
A aceleração económica verificada no país a partir dos anos 90 gerou algumas assimetrias entre o campo e a cidade, e entre a capital (Maputo) e o resto do território nacional. Não se trata de uma realidade fácil de abordar, mas algumas medidas podem ser adoptadas: políticas tributárias diferenciadas para atrair investimentos para zonas menos favorecidas; canalizar investimentos de parceiros internacionais para os locais críticos; e investir em infraestruturas de transporte para constituir uma espinha dorsal. O grande sonho seria uma linha férrea do Rovuma ao Maputo e uma estarada asfaltada paralela, com as necessárias derivações.
- Promover políticas de boa governação
Tal como acontece em alguns países aficanos, asiáticos e latino americanos, onde os índices de pobreza são elevados e a cultura institucional não está devidamente arraigada, o país tornou-se permeável a algumas prácticas tóxicas que se desenvolveram de forma sistemática (corrupção, compadrio, nepotismo, oportunismo, tráfico de influência, crime organizado etc. ), tarnsformando-se em mecanismos de sobrevivência, para contrapor a penúria e o rigor dos mercados.
A solução é melhorar os processos de governanção de forma sistemática e didáctica, demonstrando um novo ciclo de positividades (inclusão, transparência, competitividade, meritocracia, eficiência, eficácia e dignidade). Medidas simples são recomendáveis : educar as famílias através da comunicação social; erradicar as prácticas de corrupção nas escolas e hospitais; formar os agentes de segurança em ética e deontologia; « fritar » os barões da corrupção através de medidas punitivas adequadas; promover a meritocracia do sector público e privado; e garantir transparência de todos os processos de interesse público.