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“House Negroes” como factor de desequilibrio para libertação em “Nhinguitimo”

“Nhinguitimo”, que significa vento forte que vem do Sul, ou tempestade, é uma produção cinematográfica da Ébano Multimédia e Mahla filmes, a partir da adaptação de um conto de Luís Bernardo Honwana, que nos mostra como a união e liderança podem ser um divisor de águas.
A trama do filme de Licínio Azevedo se desenrola na Vila de Goana, num período de opressão colonial, em Moçambique, em que os nativos eram privados de direitos básicos, como liberdade, educação e salário digno.

O personagem principal é Alexandre Vírgula Oito Massinga, que, à semelhança de Maguiguana e Matchumbutana, seus colegas, trabalha como empregados do Sr. Rodrigues, um colono e proprietário de uma cantina com seu nome.

Vírgula Oito tem um ideal: tornar-se um patrão, produzir em larga escala, ser independente, e, mais tarde, casar-se com a jovem donzela Nteasse, que é a mulher dos seus sonhos com que ambiciona ser feliz. Porém, a classe burguesista, constituida pelo senhor Rodrigues e o Administrador, tem a ambição de aumentar o capital e explorar ainda mais as terras dos nativos, por isso oferece aos oprimidos apenas uma opção: serem empregados obedientes.

O roteiro do filme faz jus à realidade colonial, em que vários cidadãos ousaram sonhar um futuro melhor mesmo estando sob um regime de opressão. A figura de um jovem, Vírgula OPito, aliado ao desejo de mudança, tem um paralelismo com a realidade, pois os jovens é que mais buscam mudanças numa sociedade. Afinal, ser jovem e não ser revolucionário, é uma contradição genética (Guevara, 2017).

A fotografia a preto e branco estabelece uma autenticidade e longevidade ao tempo retratado, bem como a emoção e o carácter humilde das personagens vigentes nesse tempo.
Senhor Rodrigues, que recebe o Senhor Aministrador no seu bar, decide apelar-lhe, para, arbitrariamente, usurpar as terras dos indígenas, que são férteis do que as suas, pois planeia duplicar a sua produção sob alegação de que os nativos são incapazes ou não merecedores de terras férteis.

Coincidentemente, Vírgula Oito, entusiasmado, irrompe pelo bar onde encontra Maguiguana e Machumbutana e os conta sobre a grande produção na sua machamba e os seus planos futuros, que incluem efectuar uma mega produção, deixar de trabalhar para o Lodrica (Sr Rodrigues) e comprar um tractor. O som de suspense passeia pelo bar nesse momento, acompanhando à entrada do Senhor Rodrigues, dando a entender que Massinga deseja algo perigoso que o pode meter em sarilhos. Os seus colegas, que são mais velhos, e mais experientes, dão-lhe uma advertência, de que os brancos não iriam permitir que um indígena fosse tão abastado quanto eles, e isso traria problemas a todos. E concluem: Melhor seria continuar a trabalhar para o Lodrica e receber pouco, mantendo o emprego.

Em outras palavras, Maguiguana e Machumbutana são “House Negroes”.

Segundo (Malcom X, 1963), na história da escravatura, haviam dois tipos de negros: os “House negroes”, em português negros de casa, e os “Field negroes”, negros do campo.

Os “house negroes” vivem próximos do seu senhor, vestem suas roupas de segunda mão e comem alimentos que o seu senhor deixa na mesa. Quando o senhor diz: Temos boa comida, o “house negroe” diz: Sim temos boa comida. Quando o senhor diz: Estou doente. O “house negroe” diz: O que se passa, chefe, estamos doentes? Porém, o negro do campo, é aquele que vive longe do seu senhor e próximo das plantações. Estes são a maioria. Quando alguem diz: vamos nos revoltar, ele diz: vamos, mesmo não sabendo como.

Numa passagem de “Nhinguitimo”, vê-se Maguiguana e Machumbutana a serem servidos vinho à mesa, pelo seu senhor Rodrigues, e estes, quando ouvem as motivações de Vírgula Oito, demonstraram um conformismo absoluto, que os torna autênticos “house negroes”.

Aquele é precisamente o momento decisivo da narrativa, pois Vírgula Oito tem a causa, tem o objectivo, e tem recursos humanos que o podem apoiar, porém o seu foco, como agente de mudança, está limitado na perspectiva individual, inclusive os beneficios também.

O Administrador consulta Vírgula Oito sobre a produtividade das terras e, este, ingenuamente, entrega-lhe as cordas que os iam amarrar a posterior.

A trilha sonora do filme rima com os diversos momentos da película, sobretudo com o momento da ilustração das terras de Massinga, sua colheita e seu momento romântico com Nteasse. É um momento esteticamente belo, que narra a poesia dos sonhos de Massinga com precisão. Em oposição, durante o trabalho na machamba, Massinga é confrontado com uma cruel realidade: Os burgueses tomaram todas as terras dos indígenas, inclusive a sua. Massinga se insurge e mostra aos colegas que é momento de defender a libertação das suas terras.

No regresso ao trabalho, Vírgula Oito faz um último apelo aos companheiros, sobretudo Maguiguana e Machumbutana, que podem ajudar a mudar o paradigma, porém, nenhum deles deseja ouvir ou seguir a causa, impossibilitando a união.

Há um dualismo filosófico no final de “Nhinguitimo”, a tempestade propriamente dita e a tempestade do conflito presente, em que os nativos evadem-se covardemente, abandonando Massinga sozinho. Nesse sentido, à semelhança do que propõe Malcom X, “House negroes” são escravos que desistiram de sonhar, não crêem na liberdade, identificam-se com os seus senhores mais do que com os seus irmãos. Por isso, Maguiguana e outros servos antigos não abraçaram a causa da libertação das terras, pois estão em prisão mental. Maguiguana permance ao lado do seu senhor diante de um iminente assassinato de um amigo/colega.

“House negroes”, actualmente, podem ser os que, em Moçambique, num cenário de carências e misérias, servem interesses estrangeiros, com negociatas que não beneficiam a nação.
Com o filme, Licínio Azevedo quiz, provavelmente, nos mostrar que não se pode libertar os homens, as terras, sem primeiro libertar as mentes ou, se quisermos, os “house negroes”.

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