A palavra mágica “obrigado” deve ser dirigida a todos que estiveram e estão directa ou indirectamente envolvidos na operação de busca, salvamento e assistência humanitária no Centro de Moçambique, mas como em qualquer situação há os que se destacam mais, neste caso, os sul-africanos e os indianos merecem…, pela prontidão da resposta evitaram mais mortes
Em 1984, no calor da guerra civil em Moçambique, com a África do Sul mergulhada no Apartheid, Samora Machel e o então presidente sul-africano, Pieter Botha, aproximaram-se e assinaram o Acordo de Nkomati, também conhecido por “acordo de boa vizinhança e não-agressão”. Os dois já morreram, mas parece que deixaram um legado, sobretudo na parte da boa vizinhança.
Dias antes de 14 de Março findo, a nível internacional as grandes estações meteorológicas monitoravam a deslocação do ciclone IDAI no Oceano Índico. Em Moçambique, o assunto não foi levado tão a sério a ponto de não ter havido pronta definição de um plano operacional de emergência por parte do Exército. Entretanto, um grupo de especialistas sul-africanos em buscas, mergulho e salvamento, meteu-se nos carros devidamente equipados e por via terrestre entrou no nosso país, tendo pernoitado em Inhambane na véspera do dia do ciclone.
Quando houve a “fúria divina” na tarde e noite de 14, bem como madrugada de 15, os homens já estavam com “feeling” de fazer o que treinaram para fazer, por isso não tiveram mãos a medir: atravessaram logo cedo a parte que estava cortada na Estrada Nacional nr.6, entraram em Sofala e começaram a liderar sozinhos os primeiros resgates de pessoas sitiadas, algumas nas árvores e no tecto das casas.
As imagens por eles feitas mostram momentos comoventes em que ajudam crianças de tenra idade, mulher e homens.
Ao todo foram 700 homens de vários ramos do Exército da África do Sul que compuseram a força tarefa que esteve na linha da frente nos momentos mais críticos. O comando, esse, ficou a cargo do coronel Zurich, da Força Aérea Sul-africana. Um homem de idade, com uma carreira militar, mas rendido ao que viu e continua a ver em Moçambique.
“Foi muito difícil o trabalho de resgate porque o tempo não estava bom. A chuva e o vento dificultavam muito o nosso trabalho, mas fizemos de tudo para tirar as pessoas que estavam nas árvores e em cima das casas”, reconhece.
Dois dias depois da passagem do ciclone IDAI a Marinha de Guerra da Índia chega ao porto da Beira com três navios, um dos quais com uma clínica médica que dava os primeiros socorros aos necessitados, o outro com mantimentos, o terceiro com pequenas e médias embarcações.
Concentram as operações no distrito do Búzi, o segundo ponto mais afectado pelas inundações onde a água do rio com o mesmo nome chegavam a 10 metros de altura de transbordo.
Os mais de 600 especialistas da equipa indiana tiveram uma performance de invejar, tendo feito incontáveis viagens de retirada das vítimas daquele distrito para a cidade da Beira, separados por menos de 200 km. Aliás, com as estradas alagadas o rio era o único acesso mais viável para transportar muita gente em pouco tempo.
Com jornalistas provenientes dos quatro cantos do mundo, o nome “Moçambique” voa pelo mundo em poucos dias. Os apoios chegam em produtos, equipamento e meios de variadas utilidades. A partir desse momento o movimento de aterragens e descolagens no aeroporto internacional da Beira ultrapassa os 130 por dia, no dia de pico.
A França mobiliza perto de 700 homens, dois navios, um deles com mantimentos, enquanto que o outro carregava helicópteros e embarcações médias – todos esses meios usados para levar a ajuda ao Búzi e outros pontos de Sofala, com operações que partiam do mar onde estava concentrada toda a logística.
“Depois de acompanhar o impacto do ciclone IDAI no dia 15 de Março, o governo da França decidiu mandar esta ajuda para o povo de Moçambique”, abreviou Nicolas Malbec, comandante da equipa.
Para a normalização da vida não seria injusto ignorar o papel das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. Todavia, diga-se ao abono da verdade, não tiveram estrutura, não comandaram e nem comandam as missões estrangeiras que se fazem a Sofala em jeito de solidariedade, o posto de comando foi criada dias depois quando os sul-africanos, indianos e outros já estavam no terreno, por isso cada grupo estrangeiro operava à sua maneira, diferentemente do sector da Saúde que rapidamente definiu uma estrutura única para direcionar a ajuda e reforço humano que chega para a área.
Para todos os efeitos, o tenente-coronel Rodolfo Buque, piloto aviador da nossa Força Aérea, impressiona-se quando recua mentalmente os dias e lembra-se que ele e os colegas, muitos deles foram vítimas, contudo, logo cedo, ainda na ressaca de um dos ciclones mais violentos que o mundo já experimentou, deixaram os seus familiares ao relento para servirem a nação.
“A nossa primeira acção foi limpar o aeroporto da Beira porque sabíamos que teríamos muitas aeronaves a chegarem com ajuda e depois abrimos as vias de acesso na cidade para permitir a circulação, uma vez que havia muitas árvores tombadas. Agora estamos na distribuição de mantimentos”.
Mais de 800 mil pessoas afectadas em Sofala e Manica, 598 mortos, é o balanço oficial até hohe. Um acontecimento que jamais sairá da memória.
“Neste evento há várias memórias, há várias histórias para se contar, mas aquilo que mais me marcou, certamente, foi a nossa incapacidade de poder evitar tantas mortes”, confessa Augusta Maíta, que dirige o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades há apenas cinco meses.