O criminalista, Paulo de Sousa, diz que há elementos suficientes para o rápido esclarecimento do rapto do último sábado, em Maputo. Entre eles, estão as impressões digitais dos raptores e as balas disparadas.
À luz do dia, mais um empresário foi raptado na Cidade de Maputo, capital do país, no último sábado, 20 de Janeiro de 2024. Era a consumação de um tipo legal de crime que “tira” o sono do empresariado há mais 14 anos: os raptos.
O empresário raptado no sábado saía da sua residência, num prédio localizado na Avenida Ho Chi Min, para o seu local de trabalho. Eram 07h30 quando a sua viatura foi interpelada pelos raptores. As câmaras do edifício onde vive captaram tudo e há, também, registo de toda a acção dos raptores em vídeos amadores.
As câmaras de segurança estão instaladas em frente ao prédio de onde saía a viatura do empresário. Destemidos, os raptores aparecem com rostos descobertos, elemento que pode facilitar o esclarecimento do crime, segundo o criminalista Paulo de Sousa.
“É, sem dúvidas, o grande elemento probatório para a obtenção do resultado: a componente de identificação efectiva do suspeito. As imagens são um grande elemento para a identificação dos suspeitos, mas para isto, logicamente, é preciso que alguém reconheça e saiba identificar. É preciso ter uma base de dados”, disse o criminalista Paulo de Sousa.
Analisando as imagens postas a circular, opina De Sousa, “com a caracterização facial descoberta parece-me que parte daqueles indivíduos não faz parte do meio em que estão. Por mim, não estariam tão expostos desta forma. Porventura estejam porque têm alguma garantia por trás disso daqueles que devem fazer reconhecimento e, por algum motivo, não o façam”.
No vídeo amador, posto a circular nas redes sociais e nas câmaras de segurança instaladas no prédio, um dos raptores entra na viatura da vítima para afastá-la do caminho. Esta acção, que parece simples, deixou um vestígio para se chegar aos criminosos: a impressão digital.
“Eu posso até retirar a amostra da impressão digital nos locais onde os indiciados ou os raptores tocaram com as mãos desprotegidas, mas a questão é: em que base de dados você vai fazer correr a informação porque ela (a informação) vai aparecer do ponto de vista de resultado se houver comparação. Onde é que está a base de dados quando nós vamos fazer bilhetes de identidade, quando vamos fazer passaporte ou qualquer outro sítio que deixamos impressão digital?”, questionou, retoricamente o criminalista.
Como quem responde à sua própria pergunta, De Sousa assume a possível existência de tal informação, “mas a questão é se há elementos para colocar a informação retirada no local do facto e correr, como uma espécie de um Google, para encontrar numa base de dados já cadastrada e isso duvido que tenha”.
Ainda que existisse uma base de dados, o mau isolamento do local do crime compromete as provas. “No local de facto, o primeiro contacto que se tem, é de prováveis curiosos. Os que estão a passar e, em segundo momento, é a entidade policial, que é a Polícia de Protecção da esquadra ou do posto policial mais próximo que, imediatamente, é chamada para preservar o local. Eles preservam o local do facto, colocando fitas de preservação. Se não tiverem fitas, recorrem a pedras, paus ou eles mesmo cercam o local do facto para não haver contaminação. Nem a Polícia de Protecção tem legitimidade para entrar no local do facto. Esta Polícia não deve tocar nos vestígios ou fazer movimentação de qualquer vestígio. É proibido porque contamina o local do facto”, esclareceu Paulo de Sousa.
E tudo o que é proibido aconteceu no local do crime. Curiosos, Polícia de Protecção e familiares da vítima “invadiram” a área da investigação. “Quem entra no local de facto é a brigada operativa que chega, atendendo ou olhando o tipo específico de crime que é relatado. Então, um dos elementos que tem falhado, constantemente, é como funciona a cadeia de custódia. Isto deve ser aprimorado, deve ser feita uma espécie de “refreshment” aos nossos agentes para começarmos a usar os locais de facto, os vestígios que lá se encontram para descobrir, efectivamente, a verdade material”, observou o criminalista Paulo de Sousa.
Pelo exposto, conclui o nosso entrevistado, “enquanto não tivermos técnicas de cadeia de custódia, todas as provas e os vestígios encontrados no local, também vão ser ineficazes”.
Outro facto que chamou atenção neste crime é que os raptores empunhavam armas de fogo do tipo AK 47 e pistola. Eles, os supostos criminosos, dispararam para afastar qualquer aproximação de pessoas que quisessem ajudar o empresário. As balas disparadas podem ajudar a encontrar a proveniência das armas, e a técnica de disparo é suspeita.
“Logo que vi aquele indivíduo com uma AK 47, o que estava vestido de roupa muçulmana, da forma que ele dispara a AK 47, aquela facilidade de manejar a arma, que é específica usada nas Forças de Defesa e Segurança, é sem sombra de dúvidas um grande elemento para entender-se que é um indivíduo que já maneja arma de fogo e que vem das nossas Forças de Defesa e Segurança”, concluiu Paulo de Sousa.
E há mais: “aquele indivíduo que dispara a pistola, também, da forma como dispara, que ele corre aquilo é uma posição específica de alguém treinado para usar arma de fogo e para reagir a combates ou prevenção de actos atípicos ou que lidam com o crime”.
Tudo isto, segundo o criminalista Paulo De Sousa, pode levar-nos a concluir que o crime foi cometido por alguém treinado pelo Estado.
“Não quero com isso afirmar que são elementos das Forças de Defesa e Segurança, mas, lembre-se, que num dos informes apresentados pela Procuradora-Geral da República ao Parlamento disse, em viva voz, que há indivíduos, ligados à investigação criminal metidos em crimes de raptos e outros crimes organizados”, recordou o criminalista.
Prova disso, segundo Paulo de Sousa, “é o mecanismo de desprotecção facial. Por trás daquilo, entende-se que há uma espécie de garantia de protecção, mesmo que se identifiquem, quem vai identificar será que efectivamente, vai apresentá-los”.
Com balas disparadas na cena do crime, é possível também chegar-se ao proprietário da arma, caso a mesma esteja registada.
“Sempre que disparamos uma arma de fogo, há vários vestígios que ela (arma de fogo) proporciona e, a partir daí, vai se aferir, junto à informação de base de dados, onde é que está alocada, onde encontram-se as armas de fogo”, esclareceu o criminalista.
O rapto ocorreu entre as avenidas Guerra Popular e Albert Luthuli, fortemente policiadas e a cerca de dois quilómetros do Comando-Geral da Polícia. Com tudo isto, De Sousa acredita que o Serviço Nacional de Investigação Criminal tem caminho bem andado para esclarecer este crime de rapto.