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“Governo revelou fraquezas na sua abordagem política para travar Coronavírus”, Elísio Macamo

Elísio Macamo diz que desde o início da pandemia da COVID-19, o Governo moçambicano revelou fraquezas na sua abordagem política para travar a propagação do vírus.

 

De acordo com o sociólogo, os moçambicanos devem habituar-se à nova normalidade que a COVID-19 trouxe. A questão, entretanto, é “se vai dar certo com a cultura de governação que temos. Eu tenho as minhas dúvidas”. E justifica: “Desde o início da pandemia, o Governo revelou fraquezas na sua abordagem política. Não definiu o perigo que a pandemia representa, tendo em conta o país que nós somos. Definiu como outros países, com outras possibilidades, o fizeram”.

Reagindo à decisão do Chefe do Estado, de não abrir as escolas e as igrejas, o sociólogo disse que “o Presidente da República repetiu esse equívoco, ontem, na sua comunicação à Nação, ao dizer que as medidas iniciais das medidas governamentais eram de atrasar o pico da pandemia, reduzir a pressão sobre os nossos serviços hospitalares e permitir que se avance na descoberta de vacinas e medicamentos. Primeiro, é realmente preciso dizer que as autoridades sanitárias do país estiveram sempre bem, dentro das suas limitações”, mas, para Macamo, faz pouco sentido atribuir o mérito dos poucos casos que o país tem ao trabalho das autoridades sanitárias. “Esta é uma das incógnitas científicas deste processo”.

Segundo o sociólogo, os números que temos, revelam que a pandemia não parece ter no país os mesmos efeitos que têm nos outros. “Segundo, a pandemia, de acordo com os dados que temos ao nosso dispor, não coloca nenhuma pressão significativa sobre os nossos serviços hospitalares. E mesmo se colocasse, não sei até que ponto isso seria determinante para determinar o que deveríamos fazer, pois essa infra-estrutura é completamente irrelevante para a maioria dos moçambicanos. Terceiro, a ideia de que Moçambique está a contribuir para se avance para a descoberta de vacinas e medicamentos é simplesmente surreal. Se mais não fosse, porque a evolução da pandemia no nosso país não inspira, pelos indicadores disponíveis, qualquer motivo para grande preocupação”.

No entendimento de Macamo, o desafio que a pandemia coloca não é de atrasar o pico, nem de reduzir a pressão sobre os hospitais e muito menos ganhar tempo até se descobrir a vacina ou os medicamentos. “Isso é cá nas Europas. O desafio, em Moçambique, é criar condições para proteger todos os moçambicanos que não têm outra opção se não saírem à rua para ganharem a vida. O desafio não é fechar as escolas até criar condições, mas, sim, protegermos o melhor que podermos. O desafio não é de trancar as pessoas nas suas casas, mas, sim, de as protegermos o melhor que podermos na rua, no serviço e nas unidades produtivas. Esse é o Moçambique real, que, infelizmente, as nossas autoridades preferem ignorar. Acresce-se a isso a atitude supersticiosa que temos em relação ao conhecimento científico. Precisamos do conhecimento científico para nos dizer o que temos de tomar em conta para fazermos o que temos de fazer”.

Macamo acredita que a prioridade é que o país retome à vida, mas o Governo prefere esperar. “Porquê? Só os espíritos dos nossos antepassados sabem. A nossa cultura de Governação concentra a atenção apenas nos objectivos, nunca nas condições que devemos criar para as medidas que nos vão levar a esses objectivos sejam eficazes. Toda a atenção do Presidente da República, ontem, foi para os objectivos alcançados e falhados, mas não para as condições que foram criadas para que as medidas funcionassem. E a razão é simples, naturalmente, não foram criadas nenhumas condições porque no nosso país não é assim que se trabalha. O discurso, para mim, foi uma grande decepção, porque confirmou que há sérios problemas na maneira como estamos a lidar com a pandemia. Por causa disto, eu tenho mais medo da nova normalidade do que da COVID-19”.

Macamo diz ainda que essa nova normalidade exige uma mudança na cultura de governação para se enfrentarem os grandes efeitos da maneira problemática como o Governo politicamente está a gerir a pandemia. “Só que, a julgar pela actuação do Governo, ele não parece muito interessado em mudar seja o que for. Agora, não é uma decisão fácil para o Governo, porque qualquer decisão que tomar acarreta consigo o risco de produzir consequências desastrosas. Só que governar é isso. Não é ter medo de tomar decisões difíceis ou tomar decisões populistas para satisfazer aqueles que preferem medidas que nos matam antes mesmo da COVID-19 o fazer, que parece ser o caso agora. Nós precisamos de uma cultura de governação que toma decisões a partir de uma ideia clara do país que somos, dos objectivos que se pretendem e das medidas que nos permitem alcançar esses objectivos. Eu não tenho visto nada disto na forma como temos vindo a abordar a pandemia e no discurso que o Presidente fez ontem. É a nova normalidade com velhos hábitos, e isso é o que nos vai matar”, terminou o sociólogo.

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