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Governo avança com construção de 13 penitenciárias até 2029

A primeira pedra lançada em Jangamo marca o início de um plano nacional ambicioso que pretende combater a superlotação, modernizar infra-estruturas, reforçar a reinserção social e introduzir tecnologia de monitorização para descongestionar as cadeias. A reforma penitenciária põe dignidade, segurança e humanização no centro da estratégia do Estado.

O terreno ainda vazio no distrito de Jangamo, na província de Inhambane, transformou-se, nesta semana, num palco simbólico para o início de uma das reformas estruturais mais ambiciosas do sistema penitenciário moçambicano. Ali, perante dirigentes locais, quadros do sector da justiça, representantes das comunidades e dezenas de curiosos atraídos pela cerimónia, o Governo lançou a primeira pedra da nova penitenciária distrital, um acto que marca o arranque oficial do plano que prevê a construção de 13 estabelecimentos prisionais em todo o país durante o quinquénio 2025–2029.

O ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Mateus Saíze, que dirigiu a cerimónia, explicou que a iniciativa não é apenas uma obra pública, mas um esforço deliberado para transformar a realidade prisional nacional, marcada há décadas por superlotação e infra-estruturas degradadas. Segundo revelou, Moçambique dispõe actualmente de cerca de oito mil camas, mas aloja entre dezoito e vinte mil reclusos, um número que mais do que duplica a capacidade instalada. É uma situação que, nas palavras do governante, “compromete o propósito da pena”, dificulta a reinserção social e representa um risco constante para a dignidade humana, para a saúde pública e para a segurança.

A construção das novas unidades penitenciárias representa, por isso, uma tentativa de reequilibrar o sistema e de oferecer condições que permitam uma gestão mais segura, mais humana e mais orientada para a reintegração. O plano inclui dez penitenciárias distritais e três regionais. Estas últimas, localizadas no Norte, Centro e Sul, serão edificadas com modelos mais completos, capazes de albergar reclusos com diferentes perfis de perigosidade e equipadas com espaços destinados à formação profissional, actividades produtivas e programas de reinserção.

Em Jangamo, onde foi realizado o primeiro lançamento, a futura penitenciária terá capacidade para 250 reclusos, um número superior à população prisional actualmente existente no distrito. Esta margem permitirá descongestionar a cadeia provincial e oferecer condições mais adequadas de separação e gestão dos reclusos. Para o ministro, este investimento tem como missão central “garantir que a finalidade da pena seja a reeducação e não a punição em condições degradantes”.

O governante insistiu que a construção das novas penitenciárias deverá ser acompanhada por uma mudança profunda na forma como se encara o dia-a-dia da reclusão. As novas unidades terão zonas agrícolas capazes de produzir alimentos e de formar reclusos em técnicas agropecuárias. A meta é permitir que, quando saírem, tenham, não apenas novas capacidades, mas também um maior sentido de autonomia e reinserção. Na visão do Ministério, o trabalho produtivo não é apenas uma forma de ocupação, mas um instrumento para reconstruir a auto-estima e preparar o retorno ao convívio social.

Durante a cerimónia, o ministro abordou igualmente a necessidade de reforçar a aplicação de penas alternativas à prisão, como forma de reduzir a superlotação. Recordou que a legislação já prevê estas medidas e que “a privação de liberdade deve ser sempre a última opção”. Sublinhou ainda que tem havido diálogo com os tribunais, mas admitiu que o número de sentenças alternativas ainda está aquém do desejável, razão pela qual este continuará a ser um pilar da estratégia de descongestionamento.

Um dos elementos mais inovadores apresentados no discurso do ministro foi o projecto das pulseiras electrónicas, cuja fase piloto deverá iniciar-se na primeira quinzena de Dezembro, na Cidade de Maputo. O equipamento, usado no tornozelo ou no braço, permitirá monitorizar reclusos que cumpram penas ou medidas de controlo fora das cadeias, reduzindo a necessidade de internamento físico e desafogando o sistema. Saíze explicou que o projecto nasce num contexto de limitações orçamentais, tanto do Estado como dos parceiros, mas garantiu que já há fornecedor seleccionado e que o Governo está “totalmente empenhado em fazer deste um piloto funcional”. O sucesso do programa, afirmou, poderá permitir a sua expansão para outras províncias no próximo ano.

A apresentação do plano nacional ocorreu num momento em que o sector ainda lida com as consequências das evasões de Dezembro de 2024. O ministro reconheceu que o país continua a procurar reclusos que fugiram durante aqueles episódios. Explicou que alguns foram recapturados, outros surgiram sem vida, e que as buscas continuam activas. No entanto, afirmou que “mais de 50% dos evadidos já foram recuperados”, num esforço que descreveu como complexo, mas contínuo.

A escolha de Jangamo como ponto de partida para este novo ciclo não foi apenas simbólica. Segundo Saíze, existe a possibilidade de, no futuro, a nova penitenciária assumir uma função ainda maior. O governante afirmou que, mediante avaliação técnica, o estabelecimento poderá ser elevado à categoria de penitenciária provincial, permitindo que a actual cadeia da cidade de Inhambane seja transformada numa unidade reservada a reclusos de alta perigosidade. Seria, nas suas palavras, “um redesenho prudente” da estrutura penitenciária da província, capaz de melhorar o controlo, a segurança e as condições de alojamento.

Ao longo da cerimónia, os discursos e intervenções revelaram o que está em causa nesta reforma: não se trata apenas de construir muros e erguer edifícios, mas de reconfigurar a forma como o país trata a privação de liberdade. O Governo procura alinhar Moçambique com padrões internacionais de direitos humanos, reduzir tensões internas, melhorar a gestão dos reclusos e criar condições para que a prisão deixe de ser um ciclo de retorno e passe a ser um processo de reconstrução.

A comunidade local acompanhou atentamente o acto, consciente de que a nova penitenciária mudará também a dinâmica social do distrito. Para alguns residentes, o estabelecimento poderá criar oportunidades de emprego, dinamizar serviços como transporte, comércio e fornecimento de bens, e reforçar a presença do Estado na região. Para outros, é um sinal de que Jangamo está a ganhar maior visibilidade nos planos nacionais.

No final da cerimónia, o ministro reforçou que este lançamento é apenas o início. “Estamos a construir o futuro do sistema prisional, um futuro com mais dignidade, mais segurança e mais humanidade”, afirmou, numa mensagem que sintetizou a visão do Executivo para os próximos anos. A obra de Jangamo deverá durar vários meses e será acompanhada de fiscalizações regulares, tanto a nível provincial como central.

Enquanto isso, o país prepara-se para ver erguer-se as restantes penitenciárias previstas no plano. A prioridade será dada a distritos que têm tribunais, mas não têm unidades penitenciárias, reduzindo a circulação forçada de reclusos e aumentando a eficiência na administração da justiça. As três unidades regionais, quando concluídas, deverão tornar-se referências nacionais em termos de capacidade, separação por categorias, segurança e programas de reabilitação.

Se o plano for executado dentro dos prazos estabelecidos, Moçambique poderá assistir a uma transformação profunda do seu sistema prisional, reduzindo significativamente a sobrelotação e aproximando-se de um modelo mais funcional e mais humano. A pedra lançada em Jangamo é, por isso, mais do que um gesto simbólico: é o início de um ciclo que poderá definir o sistema penitenciário para as próximas décadas.

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