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Frank Paco: quando a bateria é o princípio de (quase) tudo

Frank Paco começou a tocar bateria aos 11 anos de idade. De lá a esta parte, o músico estudou, aprendeu, viajou e colaborou com grandes bandas e artistas. Não consegue dizer quem terá sido mais especial, pois de todos sempre aprende. Um dos grandes concertos do seu percurso artístico é 46664 Mandela AIDS, partilhando o palco com a banda Queen, Bono, Jimmy Cliff, Angélique Kidjo, Johnny Clegg e Peter Gabriel. A arte, na verdade, é de família. Tem vários irmãos artistas e, nesta entrevista de percurso, também se refere a isso. Autor dos álbuns Buyanini e New Horizons, Frank Paco encontra-se a trabalhar em novos projectos, sempre (re)imaginando à sua moçambicanidade. É um cidãdao do mundo. Depois de Moçambique, África do Sul ou Namíbia, agora, está radicado na Ilha Reunião, no Oceano Índico.

 

Frank, escolheu fazer da bateria um veículo que o permite ser um cidadão do mundo ou isso foi acontecendo sem que se apercebesse?

Posso dizer que, quando nós temos um sonho e cremos nesse sonho, acontece. Isso começou na minha infância, sempre que me encontrava diante de um mapa do mundo, a imaginar visitar vários países. Felizmente, deu certo e, um dia, vi-me apenas na Suécia, Suíça ou Inglaterra. É a partir dos sonhos que temos que podemos realizar as coisas e ser o que pretendemos.

 

Foi daqueles meninos que decidiu fazer da música uma forma de existência. Inclusive, perseguiu esse sonho que acaba de referir. Que acontecimento foi determinante para, já aos 16 anos, decidir que a música seria o seu futuro fora do país?

A música escolheu-me a mim, pelas influências que nós tivemos a partir de casa. Falo de mim e dos meus irmãos. É algo de família. Lembro-me que, quando éramos novos, um nosso tio, Alexandre, convidava-nos a ajudar-lhe a esticar câmaras de ar para pneus de carro de modo a fazer batuques com latas. Então a nossa batucada começou aí. Mas também tivemos uma grande sorte, porque os nossos pais, em casa, sempre ouviram boa música. Desde o rock ao pop, incluindo música africana. Havia de tudo na nossa casa, no Bairro de Mavalane/Aeroporto, onde nascemos, porque os nossos pais eram grandes coleccionadores de música. Recordo-me que, depois da independência, houve uma grande explosão da cultura moçambicana, porque começamos a aprender o que é nosso. Além disso, tivemos a sorte de viver perto de um vizinho músico, Salimo Muhamed. Foi ele que nos convidava para ir ver sessões de música no Bairro da Coop. E, para mim, sempre foi a bateria…

Porquê?

Aquela acção toda e o baterista que víamos na altura era muito vivo.

Houve receio de que a música podia não dar certo?

Como disse, a música escolhe-me a mim. Então, nunca houve receio de minha parte. E tive a sorte de os meus pais apoiarem-me. Recordo que, quando eu tinha 14 anos, fui tocar no Bairro T3, na Matola, onde vivia uma tia minha. Ela esteve na audiência, a ver-me tocar. Mas eu não tinha dito aos meus pais que iria tocar. Disse-lhes que ia a uma festa. Mas, como a minha tia lá esteve a ver-me, os meus pais ficaram a saber. O meu pai chamo-me e disse-me para seguir o meu coração, mas os estudos deviam estar em primeiro lugar. Estamos nos finais dos anos 70.

Penso que a carreira de Frank Paco consolida-se, sobretudo, fora de Moçambique. Como descreve essa experiência?

Nós temos, em Moçambique, uma diversidade de ritmos que nos enriquece. Quando estamos a fazer música fora do país, as pessoas logo percebem que não se trata de um músico local. Daí fica fácil enquadrarmo-nos.

A musicalidade dos instrumentistas moçambicanos confere-lhes a capacidade de poderem imporem-se noutros países da região…

E no mundo. Está aí o meu irmão Celso [Paco] na Suécia. Ele é uma riqueza lá.

Tem a experiência de conhecer esses mercados musicais da região. Inclusive, no passado, criou uma banda com Jimmy Dludlu e John Assan, Loading Zone, na África do Sul. Nessa altura, tiveram a oportunidade de acompanhar grandes nomes da música africana. Como foi para vocês se projectarem para os grandes palcos do mundo dessa forma?

Foi um período muito interessante para nós, porque foi lá que descobrimos que temos uma coisa diferente. Quando cheguei a África do Sul, toquei com vários artistas, consagrados: Brenda Fassie, Yvonne Chacka Chaka ou Hugh Masekela. No entanto, houve necessidade de formarmos essa banda porque os artistas lá estavam a falar dos artistas moçambicanos que tinham uma coisa diferente para oferecer. Nós, cheios de energia, estávamos esfomeados em tocar. Então formamos essa banda para acompanhar esses vários músicos. Houve uma altura em que éramos convidados a tocar em quatro festivais num só dia, em cidades e províncias diferentes. Por isso tínhamos uma avioneta que nos levava a esses lugares todos. Mas, depois, começou uma onda de violência com a pressão para se libertar Nelson Mandela da prisão. Aí tivemos de mudar porque já não era fácil criar festivais, devido à turbulência nos subúrbios. Como podíamos continuar? Começamos a fazer fusão de música, para o clube do jazz.

O que mais vos permitiu a banda Loading Zone?

Adicionou muito o nosso desenvolvimento artístico, individualmente e em termos de grupo. Antes, eu tive a oportunidade de colaborar para uma outra banda, com a qual viajei para Suécia e Itália. Então, com os Loading Zone, ficou ainda mais fácil enquadrar-me como baterista em termos de jazz.

Ter conseguido impor-se na África do Sul permitiu-lhe facilmente ser referência em Moçambique do que se tivesse sido o inverso?

Boa pergunta! Para poder chegar a África do Sul, primeiro, tive de sonhar em tocar com certos músicos. Sempre que o meu pai tocava música em casa, eu pegava no vinil e punha-me a imaginar a tocar com esses artistas. Era imperativo que eu fosse para África do Sul porque é lá que o meu coração estava. Eu já parto para África do Sul com esse propósito. Por isso falo da possibilidade de os sonhos se tornarem realidade.

Qual foi a sensação de tocar e/ou partilhar o palco com esses artistas que o inspiravam ainda criança (Jimmy Cliff, Angélique Kidjo, Johnny Clegg e Peter Gabriel)?

Perguntei-me se não estava a sonhar.

E pensou que naquele momento também era um monstro?

Onde temos ido, as pessoas elogiam-nos, mas a jornada não termina aí. Ainda tenho muito a aprender. Eu nunca me sinto no topo, a vida é sempre uma aprendizagem e isso contribui para que eu possa ensinar aos outros. Há sempre uma coisa a aprender e a ensinar aos outros.

Quando termina os Loading Zone, quais passaram a ser os seus objectivos?

Tendo tocado nos clubes, ao nível nacional da África do Sul, inclusive, tivemos a oportunidade de ir a Namíbia, para os primeiros três meses… Foi lá que fomos contactados para tocar com Papa Wemba. No nosso regresso a África do Sul, tivemos uma residência em Cape Town. Lá estando por longo tempo, houve essa oportunidade de podermos estudar, na fase de transição do Apartheid. A universidade ficou aberta para a nossa raça e um amigo que me pediu para lhe ajudar com alguns ritmos, ficou espantado quando soube que eu sabia ler pauta musical. Tive grandes homens que me iniciaram na bateria e uma dessas pessoas é o grande Mundinho. Pronto. Estando na universidade, ele disse-me que tinha oportunidade para me inscrever. Ele foi falar com o director. Fiz a minha audição. A seguir, logo meteram-me no big band, a maior banda da universidade.

Como é que os seus pais reagiram à sua consagração musical?

Infelizmente, o meu pai não viveu tanto tempo para poder ver tudo isso. Mas a minha mãe acompanhou a nossa progressão com muito orgulho. Não só a progressão dos meninos, mas da nossa irmã Lucrécia Paco também, que é um orgulho para o país e que faz coisas extraordinárias para o teatro.

Quando se fala do seu percurso, também é impossível não nos referimos ao projecto Tucan Tucan. Como é que se concretiza?

É uma longa história, mas vou tentar resumir. Quando estava na universidade, houve um conjunto de artistas jovens que eu descobri que podiam fazer parte do grupo, incluindo as nossas raízes, jazz e musicalidade latina. Lá senti a necessidade de envolver artistas moçambicanos, para garantir a nossa musicalidade. Pedi aos meus camaradas Ivan Mazuze, Hélder Gonzaga, Texito e Xixel Langa. A banda teve muito sucesso em Cape Town. Depois do lançamento do disco, fomos bem acolhidos em Joanesburgo e foi uma grande surpresa saber que a banda também foi muito bem recebida em Moçambique.

Quando está a compor sofre esta pressão de imprimir nas suas músicas a sonoridade que permite colocar Moçambique nos ouvidos do mundo?

É como se diz, se tentamos imitar sempre, ficamos uma imitação. Temos de tentar assumir o que somos porque aí alguém vai poder escutar o que temos a oferecer. Por isso levo as minhas origens aonde vou.

Como se explica esse exercício de tornar a música universal, de tal modo que, quando a escutamos, esquecemos as diferenças que nos poderiam afastar?

A música é uma língua universal e atravessa todos os obstáculos. Eu sinto-me abençoado por poder criar música que pode tocar coração de muita gente e unir as pessoas.

Tem a sorte de poder trabalhar com os seus irmãos. Um deles é Toni Paco…

O Toni é um grande percussionista e tem estado a tocar com grandes músicos a nível mundial. Nós estivemos juntos quando fizemos o grande concerto Nelson Mandela, a acompanhar grandes artistas, como Bono, dos U2, Angélike Kidjo, Youssou N’Dour e vários artistas do mundo, em 2003. Ele ainda ficou no palco a acompanhar mais artistas, pois algumas bandas levaram consigo bateristas.

Há um músico, um grupo ou um projecto com o qual tenha sido particularmente especial tocar?

Essa pergunta é difícil de responder.

É uma armadilha.

Uma boa armadilha! No mundo da música, todo o artista sempre tem algo a oferecer. Sempre que vou ao palco para acompanhar alguém, dou de mim 100%.

E o que significa para si a possibilidade de tocar com um novo projecto?

Aprendizagem e descoberta. Eu estou sempre disposto a essas experiências.

Sei que vêm aí novos projectos musicais. O que será?

Será um projecto paralelo ao que estou a fazer, com elementos de jazz. Mas o novo projecto será mais lusófono e estarei a cantar. Inclusive estou a trabalhar com Filipe Mondlane, grande engenheiro de som. O projecto será lançado em Moçambique. É em português e com algumas marrabentadas.

O que a música continua a significar para si?

Para mim, continua a ser esse veículo… Sabe, com a música, posso derrubar uma ditadura. A música pode influenciar as massas para perceberem a verdade. Os músicos são embaixadores.

Embaixadores da boa vontade e dos sentimentos.

Excatamente.

Recentemente, teve a possibilidade de tocar com os seus irmãos. É algo que vai continuar?

Até aqui, calhou que todos estávamos todos em Maputo e queríamos honrar a nossa mãe, que partiu. Se houver mais oportunidades, por que não?

O que lhe falta tocar e com quem falta tocar?

Gostaria de tocar timbila e mbira. Como estou na Ilha Reunião, gostaria de misturar esses novos elementos com um batuque da ilha, usado para o estilo maloya. Gostaria de tocar melhor maloya, criar um projecto à volta disso. Quanto à segunda parte da pergunta, a mim falta tocar com todos os músicos com quem cresci e descobrimos essa arte. Por exemplo, Stewart e Childo Tomás.

Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?

Sugiro O 7º juramento, de Paulina Chiziane; e a música de Kapa Dech;

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