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FMI alerta para violação da Lei do Orçamento do Estado pelo Governo

Foto: O País

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta que o Governo tem vindo a violar a Lei do Orçamento do Estado e do Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE) ao não recorrer ao Parlamento quando as suas despesas ultrapassam os limites orçamentais.

Segundo a instituição financeira internacional, a lei do SISTAFE define que qualquer gasto acima do limite necessita de um orçamento rectificativo, o que nunca aconteceu. O posicionamento é do representante residente do FMI em Moçambique, Alexis Meyer-Cirkel.

“Então, a cada momento, quando se passa do limite orçamentado, os recursos que antes iriam alimentar gastos em construção de hospitais, de estradas, de escolas, acabam por ser desviados, neste caso para gastos com o pessoal”, referiu o representante residente do FMI.

O Fundo reconhece a importância dos profissionais da saúde, professores e membros das Forças de Defesa e Segurança, mas considera que, antes de ceder às suas pressões, o Governo devia estar claro de que o Orçamento do Estado é um e que os gastos dependem das receitas.

“É claro que são importantes. Mas o mais importante do que isso é manter o olho por um todo, ter uma visão macro de que o orçamento é um e de que os gastos e as arrecadações tributárias é que definem o espaço que há para aumentos salariais”, disse Alexis Meyer-Cirkel.

Diante dos aumentos dos gastos com salários no aparelho do Estado, acima do previsto nos últimos anos, o Fundo Monetário mostra-se bastante preocupado. Por isso, o departamento africano do FMI enviou, na terça-feira, uma carta ao Governo, mencionando a preocupação.

“Isso põe em causa a sustentabilidade (dos gastos) em algum momento. Não é sustentável manter essa dinâmica dessa forma, pois põe em causa o programa com o Governo”, revelou o representante residente do FMI referindo-se ao programa de recuperação económica do país.

Falando durante a apresentação do Relatório Sobre as Perspectivas Económicas Regionais para a África Subsaariana e Moçambique, Alexis falou também de avanços significativos, como a aprovação da Lei do Fundo Soberano, a revisão da Lei da Probidade Pública.

Destacou ainda, como aspectos positivos, os avanços na parte da gestão das finanças públicas e na parte da governação, o controlo da inflação pelo Banco de Moçambique, que segue os parâmetros acordados, mas nada que encobre os excessivos gastos com salários e dívida.

“Temos alguns problemas, da massa salarial e os excessos daquilo que havia sido orçamentado, principalmente quanto à massa salarial. Isso nos preocupa bastante e pode colocar em causa a capacidade de prosseguir com essa revisão actual”, referiu Alexis-Meyer.

De acordo com o representante do FMI, o Executivo chegou a um ponto em que foi muito além daquilo que era sensato. “As demandas dos sectores para aumentos, para capturar essa receita pública, ela chegou em limites que tornam a situação fiscal bastante complicada”.

Para reverter a situação, Alexis-Meyer Cirkel entende que o exercício não deve ser apenas do Governo, mas sim da sociedade como um todo. Diz que todos os actores, antes de exigir aumentos salariais exagerados, têm de ter responsabilidade no actual contexto político.

Outras saídas para o problema podem ser de curto, médio e longo prazo. Um deles é ajustar o incremento salarial com base em ganhos de produtividade, o nível do crescimento económico, acompanhando a inflação e não aumentos salariais muito acima desses factores.

No curto prazo, há também uma série de medidas que o Governo pode tomar e até tomou no passado, que tiveram impacto, mas não tiveram todo o impacto esperado, refere o representante residente do FMI, que falava na Cidade de Maputo.

“É o que nós vimos em 2023, gastos acima daquilo que foi orçamentado. Então, não se conseguiu controlar à medida que se quis e, este ano (2024), temos a mesma situação, de acordo com o relatório do défice orçamental do primeiro trimestre e o que projectamos para o ano todo, temos aquilo que nós vimos, um gasto acima do orçamentado”, disse Meyer-Cirkel.

O responsável não tem dúvidas de que a massa salarial é insustentável no sentido de que ela absorve praticamente quase toda a receita fiscal que é cobrada aos cidadãos moçambicanos. “Nós vimos ali que 73% da arrecadação tributária vai para salários e mais 20% para dívida, e sobra o mínimo, 7% a 8%, para fazer face às necessidades de investimento público, a construção de escolas, de estradas e o pagamento dos bens e serviços do sector empresarial.”

Então, a distribuição não é certa para o Fundo Monetário Internacional, que não avançou a melhor composição. Disse que tal é definido geralmente no Orçamento do Estado e costuma resultar de uma discussão da sociedade que culmina com uma decisão soberana.

Nas suas análises aos dados do Governo, o FMI concluiu que o incremento salarial ano após ano, desde 2015, foi muito além dos ganhos de produtividade ou do crescimento económico.

“O que se deve fazer é voltar para aquilo que a lei do orçamento, o PESOE, define. A nossa recomendação é trazer a massa salarial para aquilo que foi acordado no final do ano passado como Lei do Orçamento do Estado”, sugeriu Alexis Meyer-Cirkel.

Caso a situação de gastos exacerbados continue nos próximos tempos, o Fundo Monetário Internacional prevê grandes riscos para a sustentabilidade da massa salarial, para a sustentabilidade fiscal, etc., e para o seu programa com o Governo.

É que, de acordo com o FMI, o número de funcionários públicos manteve num nível de crescimento baixo a moderado, desde 2016, tendo havido um crescimento acumulado em torno de 16%, mais ou menos como o crescimento da população que atingiu 18%.

No que diz respeito ao salário na Função Pública, a curva é muito acentuada, ou seja, houve um aumento de 120% desde 2016, segundo refere o Fundo Monetário Internacional, com uma subida de 35% registada com a implementação da Tabela Salarial Única (TSU).

“Quando olhamos para a despesa com o pessoal como percentagem da receita fiscal, no passado, a média de 2015 a 2019, mais ou menos, a metade da arrecadação tributária era usada para pagar salários. Então, nós vimos que a partir de 2018, começa a haver divergências. Chegamos a 80% no momento da reforma da TSU e hoje a 73%, mais ou menos nesse nível projectado para 2024”, avançou o representante residente do FMI.

Com esse nível de gastos, quase não sobra nada das receitas públicas para realizar investimentos; gastos em infra-estruturas; gastos em desenvolvimentos em pessoal; não há melhorias na diversificação da economia, factores necessários para alavancar o crescimento económico e a renda per capita do país.

“É importante lembrar que esses recursos são usados por 3% da população ocupada, que são os funcionários públicos, que acaba por capturar 73% da arrecadação tributária. É importante pensar-se se essa é a arrecadação ideal. Em nenhum país essa é uma política sustentável no Longo Prazo”, considerou Alexis Meyer-Cirkel.

Numa outra análise, comparando dois períodos, o Fundo Monetário Internacional faz uma comparação entre os gastos com salários no aparelho do Estado e o volume da riqueza produzida no país, ou seja, o Produto Interno Bruto e chega a conclusões similares.

“Se olharmos para a folha de pagamentos (salários) sobre a percentagem do PIB, nós saímos de uma situação de 2010 a 2012 de abaixo de 10%, ela estava em torno de 8% em 2010 que era mais ou menos aquilo que era a média da região da África Subsaariana. Fomos numa dinâmica de incremento muito forte e chegámos ao nível acima de 15%, praticamente o dobro daquilo que é gasto na região”, concluiu o FMI.

Alexis Meyer-Cirkel explica que, porque os recursos são escassos, o orçamento é o mesmo e a arrecadação não mudou tanto, a nível do PIB é igual. Significa que todos os outros elementos sofreram: o investimento público caiu bastante, os bens e serviços foram diminuídos e a outra componente que aumentou foram os juros da dívida.

“Então, todas as outras componentes do orçamento sofreram um aperto para poder dar espaço à folha de pagamento. O resultado disso é que o sector empresarial reclama de atrasos na contratação do Governo. Isso é um dos reflexos da necessidade de os recursos públicos serem voltados à folha de pagamento”, considera a instituição financeira internacional.

Nos países vizinhos, dados do FMI mostram que a situação é melhor. Zimbabwe gasta mais ou menos 37,8% da arrecadação fiscal em salários, Tanzânia 35%, Angola 31% e a média da SADC ronda em 50% e da África Subsaariana, como um todo, é um pouco acima de 50%, que é o nível onde Moçambique se encontrava antes daquela dinâmica bastante acentuada.

 

GOVERNO EMITE DÍVIDA INTERNA PARA PAGAR A EXTERNA

Os desafios ligados à sustentabilidade da dívida pública persistem. De acordo com o FMI, nas últimas duas décadas, reduziram os empréstimos concessionais para países africanos, daí que países como Moçambique se financiaram a nível doméstico a custos relativamente mais altos.

“Em 2023, houve o nível mais baixo de financiamento externo desde a crise financeira mundial. Aliás, em Moçambique, essa emissão foi negativa. O Governo teve de emitir dívida soberana doméstica para poder pagar o financiamento externo. Então, isso acaba por ser custoso e oneroso para o Orçamento do Estado”, alerta o FMI.

De acordo com o Fundo Monetário, essa transformação da dívida externa concessional para dívida doméstica e custosa faz com que, mesmo com a calma na dinâmica da dívida, os juros e os custos dessa dívida tenham aumentos significativos.

No caso de Moçambique, o FMI aponta a prime rate, que, no seu entender, é um juro bastante elevado, num contexto em que a taxa activa mediana dos empréstimos triplicou para a África Subsaariana. Não chegou a triplicar para Moçambique, mas subiu bastante e continua a ser proibitiva para muitos empreendimentos, segundo o Fundo.

Como forma de arrecadar mais receitas, de modo a substituir a dívida onerosa, o Fundo sugere que há três prioridades políticas para a África Subsaariana: a política orçamental, a política monetária e as reformas estruturais.

Entende, o FMI, que é preciso reduzir as vulnerabilidades dos países, aumentar as reservas do lado orçamental, diversificar o crescimento económico e melhorar a base de financiamento, e do lado da política monetária, sugere a instituição, cortes em função da redução da inflação.

Do lado das reformas estruturais, o que se pode fazer, segundo o FMI, é atrair cada vez mais o Investimento Directo Estrangeiro (IDE). “África Subsaariana capta mais ou menos 3% do PIB em IDE, enquanto as economias mais avançadas conseguem atrair mais de 120%, por exemplo, e as economias emergentes, também o múltiplo dessa capacidade. Então, existe um potencial muito grande das economias da África Subsaariana de atrair mais IDE”.

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