O Comboio de sal e açúcar, de Licínio Azevedo, está novamente nos carris, quer dizer, nas bancas. O livro com 177 páginas foi reeditado pela editora Ethale Publishing, integrando a coleção Clássicos Africanos.
Há 25 anos, Licínio Azevedo lançou o livro O comboio de sal e açúcar. Nessa altura, também foi editado na África do Sul e nos Estados Unidos de América, onde foi escolhido pelo Essence Book Club como livro do mês, em Nova Iorque. Entretanto, em Moçambique, o livro não teve repercussão, segundo constatou o autor. O filme, com o mesmo título, sim, sem dúvida. Mereceu adesão no estrangeiro e em casa. Vai-se ao YouTube e zás, aproximadamente meio milhão de visualizações.
Assim sendo, almejando atingir os leitores que não puderam ter o livro há 25 anos e os que nessa altura ainda eram imberbes, Licínio Azevedo aceitou o convite de voltar a publicar a obra de ficção, agora, pela colecção Clássicos Africanos da editora Ethale Publishing, até para colmatar essa carência na reedição de livros de referência nacional e continental. “Acho que era uma boa hora de o livro sair de novo. Gostei muito da capa [com design de Mélio Tinga], que reflecte um bom trabalho gráfico”.
Ao escritor, segundo disse esta quarta-feira, durante a entrevista conduzida no quintal da sua casa, em Maputo, encanta-lhe a ideia de O comboio de sal e açúcar poder ser lido por gente que já conhece a história. “Como muita gente viu o filme, agora, os leitores têm a possibilidade de ler o livro e comparar, que é uma coisa que me fascina muito. Eu gosto muito de fazer isso, quando há um filme adaptado de um livro”.
De acordo com Licínio Azevedo, é importante reeditar Comboio de sal e açúcar porque, depois de muitos anos, isso significa que o livro sobreviveu ao tempo.
A história por detrás de Comboio de sal e açúcar começa muito antes de o livro ser escrito. A primeira ideia do autor, na verdade, era fazer um documentário, durante a guerra dos 16 anos. Entretanto, lá para os finais da década de 80 o artista não conseguiu financiamento. Os produtores, que não são tolos nem nada, disseram qualquer coisa como esta: “não somos malucos de entregar um equipamento caríssimo, sem garantia de o ter de volta”. O tom, certamente, adivinha-se qual foi.
Logo que terminou a guerra, Licínio Azevedo desistiu do documentário, porque para si é algo do momento. O passado, na óptica do escritor e cineasta, é ficção. Então decidiu aventurar-se num projecto que não precisaria de financiamento: um livro. Mas o projecto não tinha de todo pernas para andar. A fim de viajar pelo Norte do país, nuns anos de muita desconfiança, o escritor precisava de ter autorização dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM). O seu interesse era pesquisar, entrevistar pessoas e entrar em contacto com a atmosfera real. O processo criativo exigiu-lhe isso. Quando menos esperava, surge o embaraço. Os chefes e directores dos CFM não queriam saber dessas viagens e pesquisas para o livro. Não compreenderam… Quando parecia que tudo estava perdido, por coincidência, o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, que era chefe dos Caminhos de Ferro, entra em cena. “Ele percebeu que eu queria escrever um livro e interessou-se”. Nyusi autorizou as viagens de Licínio Azevedo e lá partiu o escritor de lés-a-lés a desbravar histórias de Moçambique e sobre Moçambique. “Graças à autorização do Presidente consegui fazer aquelas viagens que depois resultaram em livro, e que, 20 anos depois, adaptei para o cinema”.
Nesta quarta-feira, a edição de Comboio de sal e açúcar da Ethale Publishing foi apresentada por Edmundo Galiza Matos, um amigo de longos anos.
Além de Comboio de sal e açúcar, integra a colecção Clássicos Africanos os livros Matigari, do queniano Ngũgǐ wa Thiong’o, e A greve dos mendigos, da senegalesa Animata Sow Fall.