Reagindo aos dados avançados, esta quarta-feira, pelo Fundo Monetário Internacional, segundo os quais cerca de 93% das receitas do Estado são gastas com salários e dívidas, economistas consideram que a estrutura de gastos comprova que a capacidade do Estado de financiar a economia é limitada. Para Egas Daniel e Octávio Manhique, a culpa é da insustentabilidade da máquina administrativa do Estado, ao projectar um conjunto de despesas que estão acima da sua capacidade de financiá-las.
Os dados avançados pelo Fundo Monetário Internacional, no seu recente Outlook sobre a evolução da economia de Moçambique e da África subsariana, já despoletam várias análises de economistas.
O economista Egas Daniel critica a forma como o Estado gasta as receitas resultantes de impostos e taxas cobradas aos cidadãos e empresas. Para o economista, estes dados só vêm confirmar que a capacidade do Estado de financiar a economia é limitada.
“Ao longo dos últimos dois anos, houve pressões para que o Estado gastasse mais com salários sem se dar conta de que a produtividade não está a aumentar na mesma proporção. A massa salarial aumentou 39% nos últimos cinco anos, mas o PIB não aumentou em mais de quatro por cento nos últimos anos, do mesmo jeito que as receitas não tiveram um aumento extraordinário nesses anos. O resultado só poderia ser esse”, disse.
Questionado até que ponto o aumento significativo da massa salarial foi influenciado pela introdução da Tabela Salarial Única (TSU), Egas Daniel julga que o aumento da massa salarial sobre o PIB já vinha acontecendo antes da introdução da TSU, pelo que que não é a reforma salarial em si que influenciou o peso, mas a forma como foi implementado.
“A implementação da tabela era para conter o que vinha acontecendo. Os salários já vinham aumentando desproporcionalmente, mas acabou por ser implementado fora das expectativas, tornando a Tabela Salarial Única um instrumento para o aumento dos salários, e gerou uma percepção generalizada de que o Estado tem uma capacidade de pagar mais.”
O economista foi mais longe ao afirmar que a recomendação válida foi dada pelo FMI, mas implementada fora da capacidade do Estado. “A boa auditoria não foi feita. Primeiro foi feito o instrumento e depois foi feita a auditoria. Primeiro definiram os quantitativos e depois é que mediram o impacto”, frisou.
Já o economista Octávio Manhique, que também considera que os gastos do Estado com salários vêm de antes da TSU, diz que a culpa é da insustentabilidade da máquina administrativa do Estado. Para Manhique, o Estado tem mais gente do que precisa e não se pode falar de produtividade com essa estrutura de gastos.
“Se você não faz as contas como deve ser, aí as coisas pioram. O culpado de tudo isso é que a máquina é demasiado pesada para o tamanho da economia moçambicana”, explicou, para de seguida acrescentar que “uma máquina mais afinada e mais ágil permitiria a promoção de melhores resultados”.
Manhique criticou, ainda, o desalinhamento entre os objectivos políticos e económicos. Por exemplo, a implementação da descentralização administrativa, que se traduz na criação de novas instituições e cargos, que requerem uma máquina para funcionar.
“Algumas decisões políticas, em outros países que têm experiências similares, acontecem quando há robustez económica e capacidade para absorver. Não se pode projectar um conjunto de despesas que estão acima da sua capacidade de financiá-las.”
Nesta condição, questionamos como reverter os altos níveis de contratação na Função Pública num contexto em que o Estado, enquanto maior empregador, estaria a resolver um problema económico fundamental, o desemprego.
Em resposta, o economista julga que o desemprego não se resolve com o aumento da despesa. “A indústria não tem estado a crescer, o sector de serviço que tem um potencial de crescimento enorme mas não está a crescer. Estas iniciativas económicas que poderiam ser ancoradas por programas estruturantes levados a cabo pelo Estado para crescer não têm estado crescer. Só a melhoria da infra-estrutura rodoviária teria um efeito multiplicador na produção, escoamento, e comércio. Só se pode crescer por essa via, e não engordando a massa salarial. É aí onde reside o problema. Se gasta com receitas correntes, não pode investir na mesma proporção, e não pode beneficiar a economia, como um todo”.
Recorde-se que os dados do FMI evidenciam que, além do gasto de 73% das receitas com salários, o Estado gasta cerca de 20% das receitas para o pagamento de dívidas. Isto significa que estas duas rubricas consomem cerca de 93%, o que equivale a dizer que sobra menos de 10% para despesas de investimento.
Já que a estrutura de gastos não é favorável a investimentos públicos, ou seja, não sobra quase nada, como Moçambique poderá sair dessa encruzilhada?
Egas Daniel diz que a economia perdeu a sua trajectória de desenvolvimento nos últimos cinco a 10 anos, quando diversos factores foram interrompendo o ciclo de racionalização. Para o economista, é preciso aumentar a capacidade do Estado de financiar a economia.
“O Estado não consegue satisfazer as suas despesas, recorre ao endividamento. O endividamento, tal como os salários, é uma transferência de rendimentos. Precisamos de um tempo de aperto para que o país ganhe fôlego para compensar, depois, de forma digna os funcionários públicos”.
O facto é que o Estado reduziu os níveis de contratação, incluindo sectores-chaves, como educação, saúde e segurança pública.